Assembléia de Luz
Versão para cópiaUm certo devoto
Um homem que se entregara à devoção, Havia muito tempo andava em ansiosa espera, Queria ver Jesus. Por isso, quase sempre, em profunda oração, Vivia em súplica sincera… Até que, certa noite, Viu, reverente, o Mestre Que o abraçava e prometia, Com palavras de aviso terno e exato, Visitá-lo no dia imediato. O devoto acordou… Amanhecia… Antes que o sol surgisse, inteiramente, Apresentando a Terra em novas cores, O amigo de Jesus, agindo como em festa, Varre a casa modesta, Depois, ei-lo a enfeitá-la, Desde a pequena sala Ao fogão da cozinha limpa e estreita, Com dezenas de flores, Estampando na face a alegria perfeita. Logo pela manhã, Bateu-lhe à porta um pobre em roupa esfarrapada, Mostrando pés e mãos em estranhas feridas, A rogar-lhe uns minutos de pousada, Através de expressões enternecidas, Alegando sofrer tribulações De comprida jornada. Mas o devoto respondeu: — Amigo, segue adiante, O seu caso é comum, Espero por alguém muito importante Não tenho tempo algum. O mendigo saiu, cambaleante, Depois de agradecer. Em seguida apareceu Triste rapaz errante, Demonstrando, no todo, traço a traço, Febre, penúria e dor, indigência e cansaço, Suplicando socorro ao devoto feliz… Ele, porém, lhe diz: — Põe-te ã frente, rapaz, não tenho neste mundo, A obrigação de abrir a porta de meu lar A qualquer vagabundo… Logo após, um menino pobre e triste Surgiu descalço e só, Corpo todo a encobrir se sob o pó Das veredas difíceis que trilhara… Pedia pão e abrigo, Mas falou o devoto em voz segura e clara: — Hoje, espero um amigo, Não posso recolhê-lo, Peça pão ao vizinho E segue o teu caminho… Aliás, para mim, é simples desmazelo Dos lares sem amor Que deixam a criança, um garoto qualquer, Pedir, pedir, pedir e andar como quiser Para depois fazer-se malfeitor… Mais tarde, ao fim do dia, Um velhinho doente, arrimado a um bordão, Respeitoso, rogava compaixão, Receava dormir exposto à noite fria E sair, ao relento, Aumentando a fadiga e o sofrimento. O devoto, no entanto, informou da janela: — Não posso dar-te asilo, Não bata à minha porta nem te escores nela… Aguardo alguém; contudo, segue em frente, Neste mesmo lugar encontrarás mais gente Que possa agasalhá-lo, Desculpa-me a recusa, É um amigo importante esse alguém de quem falo… Espero que terás leito e pousada Na primeira pensão, à direita da estrada. O dia terminou, e a noite veio escura, O devoto chorou, tomado de amargura, Mas dormiu e sonhou que reencontrava o Cristo. Assombrado, gritou: — Por que, por que, Senhor, Não me queres a fé, nem me aceitas o amor? Preparei minha casa com cuidado A fim de demonstrar-te todo o meu carinho, E não quiseste vir ao meu recanto… — Como não? — disse o Mestre em doce explicação. — Hoje, por quatro vezes fui à tua casa, em vão. Por muito que te achasse, eu me via sozinho… Finda uma pausa, o Mestre esclareceu: — Recorda, amigo meu, O mendigo, o rapaz, o menino e o velhinho… Sei que teu coração não percebeu, Mas nos quatro viajores do caminho Estava eu A estender-te clarão renovador E te buscar em meu imenso amor. Nisso, o devoto em pranto Voltou ao corpo e veio a despertar… E, relembrando o ensino, trêmulo de espanto, Começou a pensar… |
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