CAPÍTULO VI

Antigos e Modernos Sistemas do Mundo

O espaço e o tempo
• Item 2 •
Como o espaço, o tempo é também um termo que se define por si mesmo. Dele se faz ideia mais exata, relacionando-o com o todo infinito. O tempo é a sucessão das coisas. Está ligado à eternidade do mesmo modo que as coisas estão ligadas ao infinito. Suponhamo-nos na origem do nosso mundo, na época primitiva em que a Terra ainda não se movia sob a divina impulsão; numa palavra: no começo da Gênese. O tempo então ainda não saíra do misterioso berço da Natureza e ninguém pode dizer em que época de séculos nos achamos, visto que o pêndulo do tempo ainda não foi posto em movimento.
Mas silêncio! Soa na sineta eterna a primeira hora de uma Terra isolada, o planeta se move no espaço e, desde então, há tarde e manhã. Para lá da Terra, a eternidade permanece impassível e imóvel, embora o tempo marche com relação a muitos outros mundos. Para a Terra, o tempo a substitui e durante uma determinada série de gerações contar-se-ão os anos e os séculos.
Transportemo-nos agora ao último dia desse mundo, à hora em que, curvado sob o peso da vetustez, ele se apagará do livro da vida para aí não mais reaparecer. Interrompe-se então a sucessão dos eventos; cessam os movimentos terrestres que mediam o tempo, e o tempo acaba com eles.
Esta simples exposição das coisas naturais que dão nascimento ao tempo, que o alimentam e deixam que ele se extinga, basta para mostrar que, visto do ponto em que devemos nos colocar para os nossos estudos, o tempo é uma gota d’água que cai da nuvem no mar e cuja queda é medida.
Tantos mundos na vasta amplidão, quantos tempos diversos e incompatíveis. Fora dos mundos, somente a eternidade substitui essas efêmeras sucessões e enche tranquilamente da sua luz imóvel a imensidade dos céus. Imensidade sem limites e eternidade sem limites, tais as duas grandes propriedades da natureza universal.
O olhar do observador, que atravessa, sem jamais encontrar o que o detenha, as incomensuráveis distâncias do espaço, e o do geólogo, que remonta além dos limites das idades, ou que desce às profundezas da eternidade, em que ambos um dia se perderão, atuam em concordância, cada um na sua direção, para adquirir esta dupla noção do infinito: extensão e duração.
Dentro desta ordem de ideias, ser-nos-á fácil conceber que, sendo o tempo apenas a relação das coisas transitórias e dependendo unicamente das coisas que se medem, se tomássemos os séculos terrestres por unidade e os empilhássemos aos milheiros, para formar um número colossal, esse número nunca representaria mais que um ponto na eternidade, do mesmo modo que milhares de léguas adicionadas a milhares de léguas não dão mais que um ponto na extensão.
Assim, por exemplo, estando os séculos fora da vida etérea da alma, poderíamos escrever um número tão longo quanto o equador terrestre e supor-nos envelhecidos desse número de séculos, sem que na realidade nossa alma conte um dia a mais. E, juntando a esse número indefinível de séculos uma série de números semelhantes, longa como daqui ao Sol, ou ainda mais consideráveis, se imaginássemos viver durante uma sucessão prodigiosa de períodos seculares representados pela adição de tais números, quando chegássemos ao termo, o inconcebível amontoado de séculos que nos pesaria sobre a cabeça seria como se não existisse: diante de nós estaria sempre toda a eternidade.
O tempo é apenas uma medida relativa da sucessão das coisas transitórias. A eternidade não é suscetível de medida alguma, do ponto de vista da duração; para ela não há começo nem fim: tudo lhe é presente. Se séculos e séculos são menos que um segundo, relativamente à eternidade, que vem a ser a duração da vida humana?


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