Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho

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Capítulo XVII

Primórdios da emancipação


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Em 1815, passara a colônia a ser o Reino do Brasil, em carta de lei de D. João 6. O Rio de Janeiro tornou-se, desse modo, a sede da monarquia portuguesa.

O soberano, reconhecido à terra que o asilara, dispensava ao Brasil os mais altos privilégios.

O progresso econômico da nação, alentado pelas forças estrangeiras aí estabelecidas com as garantias da lei, avançava em todos os setores da comunidade brasileira. Todo o país se rejubila com a nova era de prosperidade geral.

No Rio, porém, o generoso príncipe sofria os mais acerbos desgostos, no ambiente da família. Foi talvez, em razão desses dissabores, que jamais se viu D. João 6 perfeitamente integrado nas suas respeitáveis funções, no mundo oficial daquele tempo. São conhecidos o apego do soberano aos seus almoços solitários, sem as etiquetas da época; seu retraimento e desleixo quanto às pequeninas formalidades que constituem o problema da elegância de um século. Com as roupas desabotoadas, mal contendo o corpo nas suas dobras em desalinho, muitas vezes foi ele visto alheio às sérias preocupações da sua autoridade suprema, como se o seu espírito vagasse na paisagem de outros mundos. D. João se acostumara à maravilhosa beleza do sítio da Guanabara e se tomara de amor pela pátria que os seus valorosos antepassados haviam edificado. Enquanto lia o Ec 1:1 em meio dos seus infortúnios na ilha solitária de Santa Helena, para se convencer de que todas as glórias humanas não passam de vaidades e alucinação de espírito, o príncipe regente preferia fazer os seus passeios pelos arredores do Passo de São Cristóvão, esquecido das mentiras sociais da corte de Lisboa. Aqui, no Brasil, ao menos o inédito dos céus sempre azuis e das encantadoras perspectivas dos morros verdoengos e floridos representavam um anestésico para o seu coração dilacerado de filho, de esposo e de pai. Suas preocupações se dividiam entre a mãe demente, a esposa desleal e incompreensível, e o filho perdulário e estróina. No seu cérebro não havia lugar para considerações em torno das transformações políticas da época e a antiga metrópole portuguesa continuava sob a orientação dos homens públicos da Inglaterra.

Em 1816, desprende-se do corpo enfermo e envelhecido o espírito de D. Maria I. A rainha experimentara algo de lucidez nos seus derradeiros dias de supremas tribulações. Por muito tempo, contudo, esteve apegada às ilusões do seu trono, perseguida pelo vozerio das entidades desencarnadas em virtude de rigorosas sentenças de morte, por insinuação dos seus confessores e dos seus ministros. As torturas da Terra acompanham no Além aqueles que as semearam na face do mundo, pelo que o calvário da infeliz soberana não terminou com os seus últimos dias no orbe terrestre.

No ano seguinte, casou-se o príncipe D. Pedro com a arquiduquesa Leopoldina da Áustria. Alma sensível e delicada, essa princesa europeia foi trazida ao Brasil de acordo com as determinações do mundo invisível, para colaborar na realização dos elevados projetos de Ismael e dos seus mensageiros. Somente o seu coração, doce e submisso, poderia suportar resignadamente as estroinices do esposo, em um dos períodos mais delicados da sua vida, sem provocar escândalos que acarretariam atraso na marcha dos acontecimentos previstos.

A esse tempo, em todas as cortes da Europa, sopra fortemente o vento do liberalismo, pressagiando o fim do poder absoluto. A República francesa havia desferido tremendos golpes em todos os preconceitos do sangue e da autoridade. As constituições moldadas na célebre Declaração dos direitos do homem e do cidadão surgiam em todos os países, dando ensejo à renovação das liberdades políticas.

Depois da morte de D. Maria I Portugal não se resigna à situação de subalternidade a que o conduzira a caprichosa vontade de D. João 6, perseverando em permanecer no Brasil e prepara todos os elementos para a insurreição contra a ditadura despótica de Beresford, em cujas mãos inábeis de administrador se encontrava o poder. A Maçonaria que, em todos os tempos defendeu os princípios da liberdade e da fraternidade humanas, solicitada por elementos de Lisboa e de Pernambuco, não hesita em estender o seu concurso à independência do Brasil, que constituía assunto de somenos importância para os portugueses, desde que o soberano regressasse imediatamente à Europa, colocando-se à frente dos negócios do trono. A verdade, todavia, é que os pernambucanos exaltados não esperam a solução pelos processos pacíficos e, exacerbados os antigos ódios entre brasileiros e portugueses que já haviam levado Recife e Olinda à guerra fratricida, promoveram a revolução de 1817, na qual se sacrificaram tantas vidas. Foi quando apareceu em todo o Norte do país o famoso “Preciso” [], redigido por Luís de Mendonça [em 10 de março de 1817], que se viu ameaçado de fuzilamento. As comissões militares, designadas para reprimir o movimento, ordenaram morticínio e crueldades que consternaram o coração do próprio rei, induzindo-o a mandar suspende-las sem perda de tempo, a fim de que cessassem as arbitrariedades dos executores das ordens do Conde dos Arcos. A 6 de Fevereiro de 1818, dia da sua coroação, o soberano concedeu anistia a todos os implicados.

Ismael e seus emissários conseguiram, com a proteção de Jesus, fazer desabrochar por toda parte os albores da paz, lançando os alicerces da emancipação do Brasil.

Em 1820, rebenta em Lisboa e no Porto a revolução constitucionalista. Portugal, reduzido a condição de colônia, desde a ocupação de Junot, reclamava a volta imediata da família real à metrópole portuguesa e o regime da constituição para a sua vida política. As próprias tropas, que estacionavam no Pará e na Bahia, aderiram ao movimento da pátria. D. João 6 busca procrastinar as suas decisões. Promete enviar o príncipe D. Pedro para examinar a situação, mas todos ou quase todos os portugueses do Brasil protestam contra as atitudes tergiversantes do monarca. As tropas, aderindo ao movimento do reino, se reúnem no Largo do Rossio. O momento era dos mais delicados.

Os colaboradores invisíveis, no entanto, desdobram suas atividades conciliadoras junto de todos os elementos políticos presentes na cidade e D. Pedro, depois de algumas combinações necessárias e rápidas, corre ao Paço de São Cristóvão, de onde traz um decreto antedatado, com a assinatura do soberano, declarando que aceita e mandará cumprir a constituição da Junta Revolucionária de Lisboa.

Os militares e a população entregam-se então às mais ruidosas manifestações de alegria. Girândolas e bandeiras celebram nas ruas cariocas o acontecimento.

Entram, porém, em jogo os interesses de Portugal e do Brasil. A 7 de Março de 1821, D. João 6 torna conhecida a sua resolução de regressar a Lisboa. Logo os favoritos da sua corte lhe insinuam a supressão de todas as liberdades que ele havia outorgado à Pátria do Evangelho; mas, a mentalidade brasileira protesta pela voz dos seus homens mais eminentes.

O generoso soberano, cujo reinado transcorria num dos períodos mais críticos da História do mundo, foi obrigado a deixar no Brasil o filho como príncipe regente.

No momento das despedidas profere ele a famosa recomendação:

— Pedro, se o Brasil se separar de Portugal, antes seja para ti, que me respeitarás do que para algum desses aventureiros.”


(.Irmão X)


Humberto de Campos
Francisco Cândido Xavier


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