Caravana do Amor - Caminho e Direção

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Capítulo IV

José Rogério Silva Freire

Localizado na Praia Grande, aprazível recanto da capital maranhense, o Bar do Rosa, nos fins-de-semana, era um dos mais conhecidos pontos de encontro de estudantes.

Na noite de 13 de abril de 1984, uma sexta-feira, lá estava Rogério Freire, quintoanista de medicina, com seus amigos, após uma semana de árduos estudos.

Noitada feliz… mas, ao acertarem a conta com o garçom houve um sério desentendimento em torno do preço da despesa, nascendo daí uma briga que envolveu outras pessoas. Um comissário de polícia, presente no recinto, para surpresa de todos disparou a arma para o alto e, em seguida, atirou em Rogério, atingindo-o na cabeça. O jovem tombou e, duas horas depois, no início da madrugada de 14, veio a falecer no Hospital Presidente Dutra.

A desencarnação de Rogério abalou a opinião pública de São Luís, em face da violência do fato. Mais de duzentos universitários chegaram a fazer uma passeata de protesto. E, segundo a imprensa, as investigações chegaram à conclusão de que o policial usava drogas, única explicação para tal atitude.

Noite de 28 de julho de 1984… Uma nova noitada inesquecível para D. Maria José, mãe de Rogério, agora de paz, consolo e esclarecimento. A viagem tão longa do Maranhão a Uberaba, Minas, foi recompensada. Chegou o momento do reencontro com seu filho amado, passados três meses de ausência forcada…

Pelo lápis mediúnico de Chico Xavier, em reunião pública do Grupo Espírita da Prece, o jovem universitário voltou a dialogar com seus entes queridos, revelando admirável capacidade de adaptação à Vida Nova e já alimentando forte desejo de continuar seus estudos médicos, a fim de socorrer, na Terra, as vítimas dos tóxicos.

Eis a carta-mensagem:



Querida mãezinha Maria José, abraço-a com a nossa Telma Maria, representando a nossa família querida.

É muito difícil transmitir-lhe o que sinto. O seu coração de mãe chora o filho que foi arrancado do corpo físico pela ação inconsciente de um moço dementado pelos venenos que hoje se adquire em qualquer lugar, sob os mais diversos nomes. Quase terminando os meus estudos de Medicina, sempre soube das contradições entre rótulos e conteúdos.

É verdade que tombei sob a agressão que não devemos considerar nessa base, porque um doente mental precisa muito mais de assistência que de castigos. Tão logo me vi liberto do torpor de que me vi acometido, o que a meu ver perdurou por muito tempo, vi meu pai José Freire e a minha avó Elisa que me dispensavam cuidados especiais.

Não tive dificuldade em compreender que a morte do corpo pesado passava por mim, arrebatando-me a cobertura física. Ouvira diversos amigos em São Luís, debatendo teses em torno da sobrevivência do Espírito, já que muitos deles se interessavam pelo assunto, e, por isso, o encontro com meu pai foi o suficiente para que me visse dispensado de ensinamentos que sobejam por aqui, em socorro aos recém-desencarnados. Não quero exibir saberenças de rapaz sem maior experiência, mas sim me expresso com os recursos que buscava assimilar com seriedade de conversações construtivas.

Compreendi tudo. Os ferimentos de que fui vítima reclamaram tratamento e encontrei em minha avó Elisa a mais eficiente das enfermeiras.

Não posso dizer que me rejubilei com o sucedido à porta de um bar, frequentado por gente distinta. Não era forte, ao ponto, de agradecer ao meu agressor enfermo aquilo que me fizera, mas quando despertei, fazendo-me lúcido, tive mais compaixão do infeliz do que qualquer introdução à censura.

Mãe querida, eu sei tudo o que tem sofrido em sua viuvez correta e laboriosa. Lembro-me de quanto trabalhou para que seus filhos estudassem e se fizessem pessoas úteis. Eu mesmo lhe devo todos os meus esforços até o quinto ano de Medicina, mas a sua felicidade vencendo obstáculos, quase sozinha, conquanto a proteção de Deus, foi sempre muito grande. Com exceção do nosso Lula que ainda nos exige atenção, todos nós, os seus filhos, encontramos na cultura da inteligência um lugar destacado para viver. Meus irmãos confirmarão o que digo.

Mãezinha, por que não perdoar a um rapaz doente que não teve a mãe valorosa que tivemos? Por que esquecer as bênçãos que desfrutamos, quando aquele pobre companheiro se fez um marginal infeliz? Pense nisso e perdoe.

Estou vivo e continuarei meus estudos. Serei médico na Espiritualidade e agora escolhi a minha especialidade: a toxicologia profundamente estudada, a fim de auxiliar aos rapazes e moças que tiveram a desventura de cair nas ciladas dos alucinógenos, que merecem muito mais a consideração médica do que as aventuras de caráter popular. Fique tranquila a meu respeito.

A saudade é nossa; no entanto, imagine-me trabalhando numa colônia de serviço, à distância de São Luís, obedecendo aos desígnios das Leis Divinas, para ser o que deve ser.

Não perca a sua fé. Não brigue com Jesus e com Deus. Mãe querida, pense nos episódios difíceis que o seu coração superou desde o desprendimento de meu pai e aceitemos as nossas saudades mútuas por necessidade de preparação para o futuro melhor.

Não quero sensibilizá-la, pois sei que o seu ânimo sempre dispensou adulações e mimos para facear a realidade com a força heroica da mulher que sabe ser mãe, ainda mesmo quando lhe falte o braço protetor do companheiro.

Sigamos em frente buscando o melhor e esqueça a hora sombria que atravessamos. Estarei presente em seu caminho. Não abandone as suas orações e sejamos fortes.

Ninguém morre e a vida, seja onde for, reclama fé e confiança em Deus e em nós mesmos.

E na nossa Telma Maria, abraço o Renato e todos os caros irmãos, flores de seu amor em nossa casa feliz. E abençoe a seu filho que venceu a morte e lhe vem beijar as mãos,

José Rogério

José Rogério Silva Freire.


NOTAS E IDENTIFICAÇÕES


1 — Maria José — Maria José Silva Freire, progenitora.

2 — Telma Maria — Dra. Telma Maria Silva Freire, médica, irmã de Rogério, residente à Rua dos Acapús, Quadra 81, Casa 26, Renascença, São Luís, Maranhão.

3 — José Freire — José Fernandes Freire, progenitor, desencarnado a 03/5/1967.

4 — Avó Elisa — Elisa Freire, avó, desencarnada em 1966.

5 — Ouvira diversos amigos em São Luís, debatendo teses em torno da sobrevivência do Espírito — Aqui vemos a importância do estudo espírita em torno da Vida no Além.

6 — Os ferimentos de que fui vítima reclamaram tratamento — Como vemos, há reflexos de lesões físicas na região correspondente do corpo espiritual (ou perispírito), mesmo após a desencarnação. (Ver ).

7 — Lula — Apelido de seu irmão Dr. José Luís Silva Freire, já formado em Medicina.

8 — Renato — Seu irmão Dr. José Renato Silva Freire, médico.

9 — e todos os caros irmãos — Além dos três irmãos já citados, ele deixou na Terra outros: os médicos Drs. Fernando José e Maria Márcia; a advogada Dra. Mércia Maria e o acadêmico José Roberto.

10 — José Rogério Silva Freire — Nascido a 04/12/1959, cursava o 5º Ano de Medicina na Faculdade Federal do Maranhão. Seus colegas prestaram-lhe expressiva homenagem dando seu nome ao Diretório Acadêmico de Medicina.



“Se contamos no mundo com tantas cruzadas contra o câncer, contra a hanseníase, contra a tuberculose e contra as febres de etiologia obscura, por que não formar um grupo de Espíritos dedicados aos companheiros que os tóxicos dominam?”


Querida irmã Telma Maria e querida mãe Luzia, Deus nos abençoe.

Vocês vieram de São Luís querendo notícias minhas, sou grato por isso, mas peço que não se preocupem por mim.

Aproveito a oportunidade para transmitir à querida mãezinha Maria José o meu pedido de otimismo e fé em Deus. Peço lhe digam que o nosso caro José Luís, o nosso Lula, precisa de todos os irmãos, mas especialmente dela, e que não a desejo doente de saudades, imaginando que eu não merecia o projétil com que fui brindado no bar.

Digam a mamãe que não parei para pensar em meu caso. De imediato, amparado por meu pai José Freire e por vovó Elisa, passei a meditar nos meios de ser útil às vítimas dos tóxicos que sofrem e fazem sofrer, como se estudaram os recursos para isolar o bacilo de Hansen. Por que não auxiliar as pessoas tisnadas por substâncias nocivas que os levam à delinquência, ao suicídio e à morte prematura?

Comecei em meus novos estudos, porque toda a realização começa de bases simples e, como disseram os antigos chineses: “Toda viagem começa de um passeio”. Não me demorei a curtir sofrimentos desnecessários. Se um rapaz me alvejou impensadamente, em estado tóxico que lhe enevoou a cabeça, não seria justo imobilizar-me em reclamações e lamentos inúteis.

Estou fazendo curso de conhecimento alusivo ao assunto e espero, mesmo desencarnado, desenvolver um trabalho sério e fraternal em socorro de tantos rapazes e tantas meninas que se utilizam de drogas inadequadas para eles, de modo a realizar algo que os afaste do perigo. Para isso é preciso que me una a muita gente e não descansarei nesse sentido.

Há muitos amigos aqui com tempo disponível. Se não estão integrados em algum Ministério de amparo ao próximo, é por falta de quem os convide a trabalhar. A vida aqui na Espiritualidade guarda muita semelhança com a nossa existência aí no Plano Físico. Existe muita gente parada, não por preguiça, mas por ausência de inspiração e companhia.

Faremos, com a permissão de Jesus, a começar pelo Maranhão, uma cadeia de serviços aos nossos irmãos detidos da dependência dos alucinógenos, que lhes estragam a existência. Se contamos no mundo com tantas cruzadas contra o câncer, contra a hanseníase, contra a tuberculose e contra as febres de etiologia obscura, por que não formar um grupo de espíritos dedicados aos companheiros e companheiras que os tóxicos dominam?

Peçam a mãezinha Maria José para que levante em espírito, da tristeza e do banzo em que a vejo espiritualmente detida… E ore conosco pelos companheiros da Terra que os tóxicos infelicitam. Nada de lamentos perdidos porque um projétil aniquilou o corpo do filho que sou eu e que continua tão vivo ou talvez mais vivo que antes.

Telma, faça isso por mim. Não deixe nossa mãe isolada no desespero silencioso. Vamos trabalhar e esquecer os males do mundo. A vida é de Deus, e Deus por Jesus nos pede para que nos amemos uns aos outros, ainda mesmo que entre esses outros estejam aqueles que carregam o nome de malfeitores.

Quantos outros jovens terão caído, sob os projéteis de criaturas que os tóxicos enlouqueceram? Que mãezinha Maria José pense nisso e forme conosco na legião dos que desejam socorrer os infelizes que se deixaram seduzir pelo fanatismo da dependência desventurada a remédios que eles mesmos não conhecem.

Mamãe Luzia, muito obrigada por ter vindo. Sei que não poderia fazer uma viagem tão comprida, como a de São Luís até aqui, sem grandes sacrifícios. Você, minha boa mãe de criação, queria saber se, em verdade, sou eu mesmo quem escreve… Pois saiba que sim. Ninguém morre e, graças a Deus, não perdi a minha vocação de agir para servir.

Querida irmã e querida mãe Luzia Frassinetti, à mamãe e a todos os meus irmãos o meu abraço fraterno e saudoso; e para vocês ambas, muito carinho e reconhecimento do irmão e servidor


Rogério

José Rogério Silva Freire.


NOTAS E IDENTIFICAÇÕES


11 — Carta psicografada pelo médium Francisco C. Xavier, em reunião pública do Grupo Espírita da Prece, Uberaba, MG, a 13/10/1984.

12 — mãe Luzia — Luzia Frassinetti Mendes da Silva, tia materna e mãe de criação.

13 — banzo — Palavra sempre usada por Rogério em seu vocabulário, querendo expressar tristeza ou abatimento.

14 — Você, minha boa mãe de criação, queria saber se, em verdade, sou eu mesmo quem escreve… — Em verdade, D. Luzia duvidava, sem nada comentar a ninguém.


Hércio Arantes


José Rogério n
Francisco Cândido Xavier


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