Caravana do Amor - Caminho e Direção
Versão para cópiaLuciano de Castro Alves Machado
Aqui comparece Luciano de Castro Alves Machado, vitimado em acidente de moto, a 19 de fevereiro de 1982, portador de mensagem otimista e consoladora, conseguindo, com o seu palavreado descontraído, brincar — brincalhão que era em vida física — e falar sério ao mesmo tempo.
E ele conseguiu o seu objetivo: “Estou nesta carta, com todas as minhas reservas de alegria para deslocar o pó de amargura que a minha viagem súbita tem deixado em nosso ambiente.” — pois seus pais, residentes na Capital goiana, em atenciosa missiva, nos disseram: “Na família, a repercussão da mensagem foi muito grande, proporcionando um conforto maravilhoso para nós: os pais, irmãos e tios.”
Ouçamos as palavras do destemeroso motoqueiro:
Oi, mamãe Eunice. Estamos aqui, morte nada. Apenas um susto leve que me atirou em barra pesada.
Que a queda foi um assunto para muitas anotações, não tenho dúvida. Mas queda de máquina quase voadora é assim mesmo. A gente se levanta, vê o monte de poeira e passa por cima.
O certo, mãe querida, é que se eu conseguisse voltar de improviso à nossa casa, o meu pedido de apoio para a aquisição de novas galochas em estilo super-honda seria aquele mesmo de quando me entendi com o papai Manoel sobre a minha máquina favorita.
Essa história de mortes por velocidade na Terra chega a ser um tabu.
Todos os dias, que se consulta o necrológio nos jornais, é muita gente privada do mundo e não transitavam em moto alguma.
Quando a dona da separação está chegando, ela manda e não pede. E a gente fica estimando-a do mesmo modo.
Perdoe-me se voltei para cá sem aviso. O negócio apertou na hora e não houve tempo para simples anotações. Estou, entretanto, nesta carta, com todas as minhas reservas de alegria para deslocar o pó de amargura que a minha viagem súbita tem deixado em nosso ambiente.
Você, mamãe Eunice, desejará saber com razão, quem me recebeu aqui, depois que me desfiz da roupa imprestável. Foi o vovô Cristiano, que não conheci de pronto. Ele sorriu para mim e conquanto me tive atarantado, na ocasião me falou com calma que, se estivesse em meu lugar, teria aproveitado o máximo, amigo nobre e feliz. Acolheu-me com as condecorações de um parente rico sem qualquer empáfia. Tanto me carregou nos braços, como me serviu alimentação e remédio, antes que eu viesse a cair no sono.
Depois, quando me viu cochilando, vencido e indisposto, entregou-me à vovó Maria Rosa para que não me faltasse uma enfermeira prá ninguém botar defeito.
Engraçado é que encontrei naturalidade em tudo. Soube que aí se chorou muito; no entanto, em nosso meio a alegria foi geral, quando me vi refeito e colocado de pé.
Não desejo a morte para ninguém, porque aí no mundo, a coitada é tão mal vista e tão mal entendida que basta um elogio a ela para que qualquer ouvinte se faça cabreiro. Mas essa infeliz carcereira da chave de abertura não consegue mostrar às criaturas que é mensageira do bem e da paz. Em meu caso, tudo funcionou com acerto. Figurino exato. Mas não estou prosando à maneira de menino birutado com novidades que ainda não chegou a compreender. Falo da morte com o respeito que lhe devemos, não só pelo socorro que nos oferece, como também pelas lágrimas que ela provoca nas pessoas que amamos.
Não me suponha desligado da família, saudade aqui é aquela tirana que se bebe à força, todos os dias; no entanto, creio que toda família deve possuir um representante aqui na vida espiritual. A vovó Maria Rosa ocupava esse cargo desde 1976. Agora deve ser eu quem me incumba de nossos assuntos, embora esteja longe de qualquer privilégio.
Estou fazendo força, qual acontece a qualquer rapaz que já sabe que não atravessará esse ou aquele vestibular, à custa de lágrimas. Com o choro consigo piedade e não é disso que preciso. Afirmando isso quero explicar ao seu carinho, ao papai Manoel, ao Eduardo, ao Humberto e ao Fernando que tenho coração para sentir e chorar, e que sou agradecido aos sentimentos de amor com que me seguiram em meu percurso para cá, no qual a gente está com a multidão dos amigos somente enquanto a porta de saída está visível. E já que o viajante, isto é, nós outros, os desencarnados, estamos na mordaça do silêncio, qualquer um dos amigos que obtenho por aqui, se pudesse, na hora do adeus estaria pronto à gratidão e ao xingatório.
Não sei, não; creio, entretanto, que muitos companheiros da família vão ao cemitério a fim de fazer presença com interesse oculto, caindo fora, logo que possível.
O viajante, porém, aquele que parte não tem direito e nem passagem de volta. A viagem da morte é de mão única. Por isso mesmo, admito que tenho razão para afirmar que tudo acatei sem mesquinharia e sem medo. Já que era preciso mudar, e com a autoridade de outros a pensar na solução do problema, aguentei firme.
Meu pranto de saudade dos pais queridos e dos irmãos inesquecíveis foi cousa de estudante escondido no quarto nos primeiros tempos de internato, para recordar o carinho de casa, e não chorar nos travesseiros inutilmente. É isso aí.
Ninguém terá o topete de afirmar que entrei na vida espiritual fugindo de lobisomens. Encontrei meu avô Cristiano, recebi a dedicação da vovó Maria Rosa e estou fazendo força para minimizar o trabalho da família a meu respeito.
Mãezinha Eunice, agradeço os seus parabéns e orações do dia 21 passado; os seus pensamentos de ternura e bondade, rogando a Jesus por mim, foram o melhor brinde de aniversário que recebi até hoje.
Creio haver trazido minhas notícias no padrão desejável, nem regozijo de ausência, nem lamentação por ordens recebidas.
Lembranças aos irmãos queridos, pensando também no carinho de Eliomar.
Para você, mãezinha Eunice, e para o meu pai Manoel, um beijo de muita saudade e muita confiança em Deus do seu filho, aliás, do seu filho de sempre,
Luciano de Castro Alves Machado.
NOTAS E IDENTIFICAÇÕES
1 — Carta psicografada por Francisco C. Xavier em reunião pública do Grupo Espírita da Prece, Uberaba, a 03/9/1983.
2 — Mamãe Eunice e papai Manoel — D. Eunice de Castro Machado e Dr. Manoel Alves Machado, seus pais.
3 — Vovô Cristiano — Cristiano Corra Rosa, bisavô, desencarnado em 1941.
4 — Vovó Maria Rosa — Maria Rosa de Castro, avó materna, desencarnada em 1976.
5 — a morte (…) é a mensageira do bem e da paz. Em meu caso, tudo funcionou com acerto. Figurino exato. — À luz do Espiritismo, Luciano tem razão. O momento da morte é determinado pelos Desígnios do Criador que nos comandam os destinos com Justiça e Misericórdia Perfeitas (O Livro dos Espíritos, Kardec, Questão 853), sendo ela, portanto, a mensageira do melhor para cada um de nós. A desencarnação prematura do jovem não foi provocada por imprudência, mas estava programada pelo Mais Alto, conforme suas palavras, agora alicerçadas em compreensão mais ampla.
6 — Eduardo, Humberto e Fernando — Irmãos.
7 — Eliomar — Colega de Luciano, que também transitava em outra moto na hora do acidente.
8 — qualquer um dos amigos que obtenho por aqui, se pudesse, na hora do adeus estaria pronto à gratidão e ao xingatório. (…) muitos companheiros da família vão ao cemitério a fim de fazer presença com interesse oculto, caindo fora, logo que possível. — Sobre a importância da caridade para com os recém-desencarnados, nos velórios ou nos enterros, que pode ser exercida com a prece, o silêncio ou a conversação digna, é comentada pelo Espírito de André Luiz em alguns de seus livros, tais como: Conduta Espírita (W. Vieira, FEB, Cap. 36); (F.C. Xavier, FEB, Cap. 14); (F.C. Xavier, W. Vieira, FEB, Segunda Parte, Cap. 5)
9 — Luciano de Castro Alves Machado — Nascido em Goiânia, GO, a 21/8/1961, exercia as funções de Escrivão Substituto do 2º Cartório dos Feitos da Fazenda Pública Municipal de Goiânia. Sempre prestativo, humilde e alegre, tornou-se um filho exemplar. Através de Lei Municipal, datada de 28/3/1982, a Prefeitura da Capital goiana prestou expressiva homenagem póstuma ao jovem, dando o seu nome à rua onde residem seus pais, antes denominada Base Aérea.
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