Cartas do Alto
Versão para cópiaComo cantam os mortos…
O “Parnaso de Além-túmulo”, do Sr. Francisco Candido Xavier, cujos objetivos examinei em , merece trato mais grave e demorado. Escutando a voz dos mortos, devemos identificá-la, para evitar quaisquer possibilidades de impostura. Vejamos, pois, como canta, ou escreve, Augusto dos Anjos, pela boca ou pela pena do espírita de Pedro Leopoldo:
“Louco, que emerges de apodrecimentos, Vendo somente a cárie dos conjuntos |
Casimiro de Abreu conserva, nas cordas da sua lira, feitas possivelmente com os restos dos seus nervos, a ingenuidade primitiva. E oferece-nos, nas rimas póstumas, a prova triste de que, mesmo além da vida, no seio mesmo da morte, as paixões não desaparecem. A saudade da pátria é conservada incólume, como se o morto não tivesse mudado de planeta mas, apenas de um país para outro. Ouçamos, para exemplo, o poeta das “Primaveras”, oitenta e dois anos depois de desencarnado:
“Que terno sonho dourado |
(continua na 8° página)
COMO CANTAM OS MORTOS…
(Continuação da 1ª página)
“Se a morte aniquila o corpo |
Antero de Quental continua triste e trágico no outro mundo, e disposto, parece, a suicidar-se de novo, para reaparecer neste. “À Morte” é um dos seus sonetos característicos, exportados com endereço aos seus antigos admiradores e discípulos, por intermédio do “médium” mineiro:
“Ó Morte, eu te adorei, como se foras “Eras tu a visão idolatrada “Busquei-te, eu que trazia a alma já morta, “E escancaraste a porta escura e fria, |
A notícia que Antero nos dá não é, evidentemente, das mais agradáveis. A outra existência, para ele, não tem sido melhor do que esta. Ou sucederá isso em virtude do gênero de morte que ele escolheu? O homem que se mata engana, ou tenta enganar a Deus. E o castigo que este lhe inflige, consiste, possivelmente, em faze-lo sofrer no outro mundo os mesmos tormentos que padecia neste. Em síntese: a morte, obtida pelo suicídio, não vale. Só é tomada em consideração aquela que Deus dá, isto é, que sobrevém naturalmente.
D. Pedro II continua, mesmo depois de morto, a fazer maus versos. Há uma antiga tradição literária, segundo a qual os melhores sonetos do ex-Imperador eram feitos pelo Barão de Loreto. Admitida essa versão, a conclusão a tirar dos decassílabos que se vai ler é que os dois andam, agora, por lá, separados. Escutemos o velho monarca:
“Magnânimo Senhor, que os orbes cria, “Se, de novo, no mundo, desterrado, “Se é mister retornar a um novo exílio, “Que eu novamente viva sob o brilho |
Castro Alves continua condoreiro e utilizando as mesmas imagens em que era mestre, na terra:
“É a gota d’água caindo “É a dor que através dos anos, |
E Junqueiro, sem mudar de tema ou de rima:
“Na silenciosa paz do cimo do Calvário |
As poesias de Junqueiro continuam sendo, na outra vida, extensas em demasia. Ficam, por isso, aí, apenas duas parelhas, para amostra.
O “Parnaso de Além-túmulo” merece, como se vê, a atenção dos estudiosos, que poderão dizer o que há nele, de sobrenatural ou de mistificação. No primeiro caso, o outro mundo deve ser insuportável, com os poetas que lá se acham. E pior será, ainda, se houver, também, por lá, declamadoras…
Transcrito do jornal Diário Carioca, edição de 12/07/1932, na grafia da época, [no ; neste tivemos que atualizar a ortografia para não prejudicar as traduções das máquinas neurais “].
Imagens disponíveis em: . Acesso em: 09 de julho de 2017. Informação enviada à Vinha de Luz Editora por Ivanir Severino da Silva, repassada de Otávio Alonso Freire Alves via e-mail.
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