Chico Xavier - Dos Hippies aos Problemas do Mundo

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Capítulo XXI

O pai de Chico

— Chico, eu estou notando uma coisa, nós estamos muito sérios esta noite. O programa anterior foi mais aberto. Você está muito sério, eu estou muito sério, os entrevistadores es- tão muito sérios. Eu estava me lembrando aqui de um episódio que você me contou, quando voávamos de Belo Horizonte a São Paulo, e me lembrei também que a ocasião a que você se referia está se aproximando novamente, que é exatamente o Natal. Você falava naquele problema da roda, está lembrado?

— Já me recordo.


— A roda parou, ou você pensa que poderá parar?

— Gostaria de uma explicação mais clara.


— Mais clara… Então eu vou dar só a abertura, e o resto você conta. O Chico faz questão que se saiba que ele é de família muito humilde. O pai dele era vendedor de bilhetes, e quando estava se aproximando o fim, estava próximo a deixar a Terra, ele disse ao Chico: “Olha, meu filho, por ocasião do Natal, Ano Bom, destes grandes prêmios da Loteria Federal, você não deixa de comprar um bilhetinho, porque eu vou tentar parar a roda.” Agora você continua.

— De fato, o caso é um caso tocado de humor. De início, devo explicar que isto não significa qualquer desdouro à memória de meu pai, porque ele foi para mim meu melhor amigo, ele era pai de 15 filhos, duas famílias, nove da primeira família, seis da segunda, e nos tratava a todos na condição de um grande companheiro que nos queria ver muito alegres e muito animados para viver e para trabalhar. Então podemos rir, pois eu sei que ele, tendo conhecimento no mundo espiritual do que eu vou contar, ficará satisfeito, e se rirá muito conosco, porque meu pai era muito alegre neste mundo, e continua também muito contente e muito otimista no outro. Mas em 1939, atravessávamos um período de muita dificuldade, em nossa família. Muitas lutas, morte de irmão que nos deixava a viúva, com 2 órfãos, 6 crianças menores, 3 não muito menores, mas também, ocupando a nossa atenção, e meu pai e eu trabalhando. Meu pai, que era um homem muito arrojado para faciar os tropeços da vida, mas não tendo muitas letras, ele teve muita dificuldade em prosseguir no emprego que ele ocupava, no ano de 1925. Então, desde esta data, sentindo muita dificuldade para sobreviver como trabalhador, ele se entregou à profissão de cambista, vendia bilhetes de loteria, e vendeu bilhetes de loteria por mais de trinta anos consecutivos. Mas, em 1939 meu pai caiu em estado grave, com um reumatismo muito renitente, este reumatismo impôs a ele uma certa paralisia durante algum tempo. Nesta ocasião, as duas pessoas que trabalhavam em casa éramos ele e eu. Mas não conseguíamos muita coisa além dos duzentos mil réis, antes do cruzeiro. De modo que os médicos aconselharam que ele usasse um tipo de injeções que naquele tempo eram chamadas de injeções de ouro. Eu não sei classificar do ponto-de-vista de farmacologia, o termo exato, mas cada injeção custava, naquele tempo, 150 mil réis. Ele era obrigado a usar duas por mês. Então o nosso numerário dava mais ou menos para as duas injeções, e ficamos atrasados com as despesas da família, durante quase um ano, porque as injeções restituíram a ele a saúde, ainda por muito tempo. No ápice da moléstia, saiu a lume a obra “Brasil, coração do mundo, Pátria do Evangelho”, de autoria de um dos nossos maiores escritores desencarnados no Brasil; e amigos de Belo Horizonte chegavam em nossa casa comentando o êxito do livro, porque o livro estava sendo muito bem aceito. Meu pai ouvia tudo aquilo com muita curiosidade. Então, um dia ele estava sem poder manejar as mãos nem as pernas, até que as injeções de ouro o restabeleceram. Então, aquele banho, aquele movimento de arranjo no leito, estes movimentos eram feitos por nós, ele e eu, a sós. Então ele me disse: “Chico, eu soube que este livro que saiu de você foi entregue a benefício das almas, e nós também somos almas, e dizem que você também entregou este livro a benefício da pobreza, e eu creio que não existem pobres mais pobres do que nós, agora. E você podia agora arranjar um livro para nós ganharmos algum dinheiro, porque nós estamos muito atrasados no armazém.” Eu disse: “Papai, o senhor não deve pensar nisto, porque o senhor sabe, nós temos muitos amigos, todos nos ajudam, mas como paga, vender o trabalho dos bons Espíritos, isto não é possível, eles não permitem isto. Nós estamos na mediunidade, com absoluto desinteresse, os livros são deles, não são nossos, e eu peço ao senhor para não pensar nisso não. O senhor não fica preocupado com isto, porque suas filhas, minhas irmãs, os filhos, os pequenos vão crescer, isto tudo vai melhorar, nós todos vamos trabalhar, e na hora da dificuldade nós todos devemos, mas depois pagamos, e os nossos amigos de Pedro Leopoldo são sempre boníssimos, eles vão nos ajudar, os nossos credores.” Ele disse “mas, meu filho, você não pode receber, um tostão destes livros?” Eu falei: “Como paga, meu pai, não posso receber.” Ele disse: “Meu filho, então seus Espíritos estão muito atrasados.” “Isto é, gente que já morreu há muitos mil anos”, “no tempo que nada tinha preço”. E meu pai, que não entendia bem de literatura, nem deste mundo nem do outro, me disse assim: “Imagine que eles são bem antigos, que em vez de eles assinarem Manuel, eles assinam Emmanuel. É gente do Egito, gente que não conheceu rádio, que não conheceu preço do feijão, porque eu acho que estes Espíritos, se eles são caridosos, deviam ter dó de nós.” Eu fiquei assim constrangido, porque de fato era meu pai, aquela queixa dele era a queixa de um doente, que eu não podia transmitir a ninguém, então foi um dia que eu fiquei assim muito triste, com os olhos cheios de água, pois ele era muito bom, então ele falou comigo assim: “Olha, eu não vou te acariciar, porque minhas mãos não estão funcionando, mas não fica triste com o que eu falei segue para frente com seus livros, com seus Espíritos, porque eu vendo bilhetes de loteria, e naturalmente que breve eu vou partir para o outro mundo, e eu lá, a hora que morrer, meu filho, vou parar a roda para você. Quando for o mês de junho, mês de dezembro, você compra bilhete da Loteria Federal, que eu vou parar a roda e as bolas para você ganhar.” Então até hoje ou compro, não é?… A Loteria Federal é a autorizada pelo nosso governo… Eu continuo comprando… Mas eu, em junho e dezembro, eu compro.


— Chico, depois de amanhã correm os nove milhões de cruzeiros. Você já comprou o seu bilhete?

— Comprei cinco tiras.


— De números diferentes?

— Está nas mãos de um amigo nosso, chamado Sr. Wicker Batista, de Uberaba. Ele fez a compra para mim, a meu pedido, para que depois eu fizesse o pagamento a ele. Guardei as cinco tiras, porque ele me entregou para guardar. Agora sinceramente eu não sei o dia que corre.


ALMIR — Quarta-feira, depois de amanhã.

— …muito caro, mas cinco tiras eu tenho.



Francisco Cândido Xavier


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