Chico Xavier - O Primeiro Livro
Versão para cópiaCapítulo XLIII
Entre lamentações e estrídulas matracas, Num cenário infantil, feito de gesso e lacas, Representa-se a peça antiga da quaresma… O pobre Senhor-Morto, um pálido abantesma, Talhado de encomenda, em tinta espessa e forte, Dorme grotescamente o sono dessa morte De teatro burlesco, anual, que se repete, Como as grandes funções do entrudo e do confete. Imóvel, sob a luz esdrúxula das tochas Que ilumina esse caos de tintas rubro-roxas, É o ator da paixão, a vítima e comparsa Do Papa, o explorador santíssimo da farsa, Paródia de uma dor sublime e incomparável, Filha da estupidez bisonha e condenável, Que a Igreja representa, arrecadando esmolas, Com latim, cantochãos, bandeiras e sacolas. A função quaresmal prossegue. A multidão Espera com ansiedade o clássico sermão. Numa fantasmagoria esplêndida de aroma Dos incensos do altar, sobre o púlpito assoma Uma figura heril de abade gordo e enorme Coquelin tonsurado, obeso, desconforme, Que grita com estentor: «Caríssimos irmãos! Nós somos sobre a Terra os únicos cristãos. Fora das concepções altíssimas da Igreja, Existe tão somente o Inferno que despeja O mal e as tentações no espírito perdido; Rezai! que atualmente o mundo pervertido Pretende esfacelar os dogmas romanos, Sentinelas da fé, há quase dois mil anos! Não busqueis progredir nas coisas transcendentes, Porque o Papa é senhor de céus e continentes E o Sílabus proíbe a evolução de tudo! Eu só vos peço a fé, porquanto a fé é o escudo Que vos há-de livrar dos gênios tentadores. Evitai conviver com os livres pensadores! A análise conduz à escuridão do Averno, Voltaire e Galileu são ministros do Inferno, Calvino, Comte, Wesley, seus embaixadores; Das chamas infernais, criaturas inferiores Dirigem, certamente, o espírito moderno. Precisais cultivar o nosso dogma eterno, De eterna submissão ao Papa que é infalível. Toda ordem de Roma é boa e indiscutível. É preciso antepor, a toda a Humanidade, Sentimentos de fé e catolicidade. Necessário se faz prender quem raciocine. Reformistas quaisquer?… Satanás que os fulmine. A falta de fervor tem feito heresiarcas, Tem até corrompido os padres e os monarcas. Obedecei a Igreja em sua Santidade, Que é o traço de união do arcano da Trindade. O dogma é uma lei benigna e sublime, Sofismá-lo, enformá-lo, é cometer um crime. A Humanidade está sob o império do demo; Oremos pelo mundo em desconforto extremo. Vivei, caros irmãos, em santa penitência; As mortificações recebem da indulgência Os prêmios celestiais na Eterna Beatitude. Sede firmes na fé, contentes na virtude, Amando a caridade, a humilde singeleza, Como Jesus amou a glória da pobreza!» Condenando a Ciência, a Luz, a Liberdade, E abominando o Cristo, o Senhor que ele esquece, Terminou a oração, rogando que se desse Uma estola ao Progresso e um véu à Humanidade. Com um aceno abençoou, segundo o gesto em uso, Resmungando um latim exótico e confuso; E depois de exercer seu santo ministério, Procurou lestamente o calmo presbitério. Aguardava-o o jantar de finas iguarias: Pratos de ostentação, recheios, ambrosias, Licores, moscatéis, confeitos, doces raros, Opíparo jantar regado a vinhos caros. E após se abastecer pantagruelicamente, Em paz sacramental, seu cérebro indolente Desejou meditar nas cenas do Calvário… Mas o sono roubou-lhe as preces e o breviário. Terminada que foi a sacra pantomima, Esquecido Jesus, olvidou-lhe a doutrina. Sereno, adormeceu sem pensar que pusera Em cada coração um coração de fera, Com o seu rubro sermão, cavando um negro abismo, Propagando a cegueira, a guerra e o fanatismo. Olvidou o que Jesus obrara com o exemplo, Dos atos a lição, da caridade o templo, Sem artigos de fé, sem bispo e vaticano. Não se lembrou que houvera o bom samaritano, Porque a verdade pura, o lídimo evangelho, Era um livro escurril, inadequado e velho. Da doutrina cristã, a sacrossanta essência Ficou em pregação de mágica eloquência. Jesus apenas fora a máscara piedosa, Para tanta extorsão impune e criminosa. Por isso, ó meus irmãos do altar e da batina, A Igreja que foi pura e que já foi divina, Morre sem remissão de horrível carcinoma, Nos pântanos letais e lúgubres de Roma, Lá onde a cupidez fatídica se entrapa E morre às próprias mãos sacrílegas do Papa! |
Produção do dia 20-03-1934.
Nesse livro manuscrito a poesia termina nesse verso, pois a folha subsequente extraviou-se, mas no ela está completa, por isso acrescentamo-la aqui.
Essa mensagem foi também publicada pela FEB e é o 6ª poema do 30º capítulo do livro “”
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