Chico Xavier Pede Licença
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Amor! Rememora a luz Que do Cristo se descerra… Um berço, um barco, uma cruz E o bem redimindo a Terra… |
Auta de Souza, a poetisa de “Horto”, foi considerada por Jackson de Figueiredo como: “A mais alta expressão do nosso misticismo, pelo menos do sentimento cristão, puramente cristão na poesia brasileira”. Atualmente, Alceu de Amoroso Lima confirma essa opinião e acrescenta: “Auta de Souza viveu em estado de graça e os seus versos o revelam de modo evidente”. Olavo Bilac, que prefaciou a primeira edição do “Horto”, acentuou: “A nota mais encantadora do livro é a do misticismo”.
A poetisa mística, nascida em Macaíba, no Rio Grande do Norte, a 12 de setembro de 1876, descobriu na vida espiritual a dimensão maior da caridade, que é o amor em ação. E tanto cantou a caridade em seus poemas enviados do Além, que no meio espírita fez surgir a Campanha Auta de Souza, dedicada à coleta de alimentos para os desamparados, que se faz de casa em casa em várias cidades, como um chamado constante a todas as criaturas para a prática da fraternidade.
Na quadra acima temos uma síntese da sua poesia do Aquém e do Além. A simplicidade dos versos, a espontaneidade da inspiração, que levaram Bilac a escrever: “aqui a alma vibra em liberdade, sem a preocupação dos efeitos da forma”, bem como “o estado de graça” e o “sentimento de absoluta pureza” notados por Amoroso Lima, brilham com luz mais intensa nessa minúscula centelha poética.
A razão de publicarmos essa quadra solitária está no seu poder de síntese conceptual e histórica. Esses quatro versos valem por um poema, por um sermão, por um ensaio ou por uma aula, revelando da maneira mais simples todo o imenso poder de síntese da poesia e particularmente da trova. No plano conceptual temos a visão global, gestáltica, num insight, do impacto do Cristianismo na Terra. No plano histórico temos a visão do desenvolvimento temporal da mensagem cristã, toda ela sugerida em apenas três tempos, como no frêmito de uma fuga musical.
Bastaria essa trova para atestar a autenticidade da psicografia de Francisco Cândido Xavier. Porque Auta de Souza projetou-se nela de corpo e alma, através da forma e da essência, dando o nó que mostra a unidade da sua poesia terrena e da sua poesia celeste. Lembrando a célebre definição do Tétaro por Victor Hugo, podemos dizer que essa quadra é o point d’optique de toda a poética de Auta de Souza. É o mesmo que ocorreu com no soneto “Número Infinito”, publicado em “Parnaso de Além-Túmulo”, e com Castro Alves no poema “”, recebido no final do segundo “Pinga Fogo” do Canal 4.
A palavra amor soa como um estampido no começo da trova, deflagrando os dois primeiros versos na síntese da iluminação cristã do mundo. No terceiro verso, passada a explosão que veio do Céu, temos o aparecimento de um berço na Terra, simplesmente um berço — síntese da encarnação. A seguir, um barco balança sobre as águas e simboliza toda a pregação do Evangelho. Depois, em apenas duas palavras: “uma cruz”, temos o fim trágico e ao mesmo tempo glorioso do ministério divino. E no quarto verso a expressão do Cristianismo, já não mais histórico, mas transcendente na sua imanência, simbolizado no Bem platônico — a ideia suprema que se encarna na Redenção.
Note-se bem a dinâmica dessa micro-forma poética em que as palavras funcionam, cada uma delas e todas em seu conjunto, como elementos assindéticos de significação conceptual e histórica. O poeta atinge a sua plena realização num momento como esse, que é o aboutissement [resultado] de toda a sua vivência lírica. Auta de Souza não pôde atingir esse momento supremo na sua trajetória terrena, mas o fato de atingi-lo no após morte, oferece-nos a prova cabal da continuidade da existência. Não se pode atribuir ao médium esse resultado superior — na forma evidente de uma síntese dialética — de toda uma vivência lírica específica, a vivência testemunhada pela obra poética do “Horto”.
Assim, toda a poesia do “Horto” se torna propedêutica, uma preparação existencial dessa mini-eclosão poética do gênio de Auta de Souza que se dá no intermúndio mediúnico, à semelhança das façanhas místicas dos deuses gregos e romanos. A ligação interexistencial se evidencia no amadurecimento poético do após-morte.
Nunca a trova provou de maneira mais positiva a sua equivalência, na poesia ocidental, ao haicai japonês. E o poder da palavra, na sua concentração significativa, na sua carga conceptual, jamais se revelou tão absoluto como nesse isolamento que o contexto da trova lhe permitiu ou até mesmo lhe impôs.
Aos críticos da poesia mediúnica tem sempre faltado a boa vontade e isenção de ânimo para encará-la objetivamente. Essa falta de objetividade leva-os a menosprezar de antemão o fato poético paranormal. Se encarassem a obra em si, como objeto de exame, libertando-se do preconceito e da precipitação no julgamento, como Descartes já ensinava, não cometeriam tantas injustiças para com os médiuns autênticos e os autênticos autores espirituais. Falta-lhes, por estranho que pareça, a noção de que a obra literária é produto do espírito e não do corpo.
Este soneto não foi encontrado, há o poema “”.
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