Nas Pegadas do Mestre

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CAPÍTULO 116

A Justiça humana e a Justiça Divina

O Dr. Franklin Piza, digno e correto diretor da penitenciaria ultimamente construída na capital do Estado, proferiu, no dia da sua inauguração, o seguinte discurso: “Coube-me a mim, o mais modesto dos servidores do Estado, a insigne honra de ser o primeiro diretor da Penitenciaria de S. Paulo. Há três anos estudo os vários regimes penitenciários, procurando, no emaranhado das múltiplas opiniões, a corrente mais consentânea com os nossos hábitos, com o nosso clima, com o nosso temperamento, tendo sempre em vista a melhoria moral do delinquente, a sua reeducação e consequente readaptação ao meio social. “Porque, meus senhores, já não há mais quem, de espírito livre e desapaixonado, veja, na pena, o fito do castigo. “Nos tempos atuais, e desde fins do século passado, as teorias sobre o direito de punir têm-se sucedido umas às outras, mas com tendências todas para as doutrinas de Becária, cheias de ensinamentos humanitários. “Nenhum rigor, na frase de Ad. Franck, deverá considerar-se eterno ou imutável. Já vimos desaparecer o estigma, a morte civil, a degradação e o suplício brutal das galés;

havemos de ver ainda suprimida a própria pena de prisão, se a instrução se difundir, se os costumes se apurarem, quando os sentimentos de honra se tornarem vulgares. As penas atuais serão, então, substituídas, ou pelo sofrimento moral, ou, quando muito, pela perda dos direitos políticos.

"Constituindo no momento uma risonha expectativa, esse sonho é, entretanto, a suprema aspiração dos espiritualistas da ciência penal, dos que crêem quase dogmaticamente na corrigibilidade dos delinquentes e no poder prestigioso da disciplina, da instrução educativa e do trabalho para o aperfeiçoamento moral da espécie humana.

"O fim da pena é a educação da vontade do delinquente, pois que, no interior do homem, na sua vontade, reside, exclusivamente, tanto o fundamento da pena, como o da recompensa, e daí a condenação dos meios contraproducentes para a reforma dos delinquentes, como sejam as humilhações, as afrontas, os tormentos, as penas corporais, as penas perpétuas e as execuções públicas.

"A modificação da índole dos delinquentes, por processos educativos, é o fundamento da escola penal, correcionalista, cujo chefe é o filósofo germânico Roeder.

"Minha não pequena experiência e alguma leitura sobre este assunto me têm convencido, entretanto, de que, salvo os casos de estigmas congênitos, que denunciam, no delinquente, uma herança psico-fisiológica, refratária a toda reversão benéfica, a maior parte dos infelizes habitantes das prisões é suscetível de emenda, e de ser, assim, devolvida à sociedade, em boas condições morais.

"Basta, para esse fim, que se apliquem os remédios aconselhados peta experiência e pela observação; e essa terapêutica resume-se nos seguintes princípios:


I

"Se a pena tem por objetivo a defesa social, e não é mais considerada como castigo, o que se deve ter em mira não é o crime, e sim o criminoso.

"A razão suprema de ser das prisões está, pois, na reforma do delinquente, e não na imposição do sofrimento, da dor física ou moral. A esperança é um agente mais poderoso que o temor; e, pois, ela deve ser mantida, continuamente, diante do condenado. Por um sistema bem combinado de notas, pela disciplina, pela aplicação aos estudos e dedicação ao trabalho, coloca-se a sorte do recluso em suas próprias mãos, estimulando-o de forma a que ele procure alcançar, progressivamente, a melhoria de sua situação, e, mais tarde, sua libertação definitiva.

"Assim, mantém-se a disciplina, mais pelas recompensas, que pelos castigos.


II

“O pessoal de um instituto de tal natureza necessita possuir altas qualidades morais e especial educação. “Para que se consiga a melhoria moral do sentenciado, é necessário que os funcionários da casa procurem, com fé viva, esse objetivo, pois não pode haver ardor em uma empresa de cujo êxito se desespera.


III

"A disciplina, para ser reformadora, deve ser mantida por meios brandos, suasórios e convenientes até que se obtenha a obediência, como hábito consciente. A dignidade do sentenciado deve ser respeitada e cultivada incessantemente. A degradação destrói as aspirações elevadas e os impulsos generosos, abate o débil, e irrita o forte, indispondo, ambos, para a submissão e para a reforma. Ao invés de de corrigir e melhorar, a humilhação aniquila o ânimo do recluso, tendo tanto de anticristã, em princípio, quanto de estéril em suas consequências. A administração precisa manter-se, mais pela força moral, que pela força física; e, assim, conseguirá obter homens dignos, íntegros e laboriosos, ao invés de réprobos obedientes e submissos, mas fingidos e hipócritas. A força bruta poderá produzir bons presos, a força moral produzirá bons cidadãos.


IV

“A instrução e a educação são forças vitais na reforma dos delinquentes, pois avivam a inteligência, inspiram a noção de dignidade pessoal, estimulam a elevação de vistas, desenvolvem o espírito de observação, de decisão, de disciplina e de solidariedade. “O trabalho não é tão somente um agente lucrativo, uma fonte de proveitos materiais. O trabalho é o mais poderoso auxiliar da moral. Um sistema reformado não pode deixar de se basear no trabalho sadio, contínuo, ativo, honroso. Já Howard dizia:


"Tornai os homens diligentes, e eles se farão virtuosos. "
* * *

Dos conceitos sobre penalidade, acima expostos pelo Dr Franklin Piza, conceitos esses que são a síntese da opinião geral de todos os criminalistas modernos, depreendese clara e insofismavelmente que a justiça humana se torna muito superior à justiça divina, uma vez que se admita, como pretendem certas igrejas, o dogma das penas eternas.

Sim, enquanto a justiça humana tem por objetivo corrigir e reabilitar o delinquente, aplicando para isso, penas brandas e transitórias, inteligente e caridosamente organizadas; a justiça divina, segundo a ortodoxia, aplica torturas infindas, sujeitando os pecadores a um martirológio cruel e bárbaro, com o fito único e inominável de punir e vingar atrozmente os pecados cometidos durante uma existência, que, em relação à eternidade, é menos que um segundo na ordem geral do tempo.


Enquanto a justiça humana busca acoroçoar e promover a regeneração do culpado, esforçando-se por lhe despertar os bons sentimentos que naturalmente jazem adormecidos – porque o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus -, a justiça divina limita-se a tiranizar eternamente o pecador, submetendo-o a angústias e sofrimentos, que se sucedem num desencadear sem fim, “per omnia secula seculorum. "

Enquanto a justiça humana concebe a admite a comutação, o indulto e o perdão para os culpados que se tornem humildes e submissos à disciplina, a justiça divina não admite nenhuma modalidade de misericórdia, conservando-se fria, impassível, impiedosa!


Fica, pois, bem patente, para os que tiverem olhos de ver, que a justiça de Deus não pode ser aquela pregada pela escolástica, visto como esta justiça é até inferior à justiça da Terra; e Jesus disse: "Se a vossa justiça não for superior à dos escribas e fariseus, não entrareis no reino de Deus. "
"Summum jus, summa injuria. "


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