Nas Pegadas do Mestre

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CAPÍTULO 66

Cristo na arte e no coração

A figura do Mestre é intraduzível. Não há pincel, por mais privilegiado que seja, capaz de a reproduzir.

A arte consiste em copiar a natureza. A natureza de Jesus transcende a tudo que se conhece na Terra.

Imaginai a doçura da criança ao lado da profundeza do sábio; a humildade do simples aliada à fulguração do gênio; a candura da donzela a par da austeridade de um juiz integérrimo; as blandícias das mães extremosas confinando com a firmeza de uma vontade varonil; a personificação da justiça culminando na encarnação do amor, e tereis a imagem do Filho de Deus.

Quem ousará traçar as linhas e os contornos, que necessariamente tal caráter imprimiu à matéria com que se fez visível e tangível no cenário humano?

Os artistas têm procurado concebê-lo sob os aspectos mais interessantes de sua vida terrena. De todos os quadros que conhecemos, o Cristo no Horto é o que melhor nos impressiona, conquanto ainda não satisfaça plenamente a visão íntima que dele fazemos.

O Cristo, de Velasquez e outros, o de Limpias, cuja fama, como obra de arte, é muito justificada, não nos apraz, não nos impressiona bem. Será, talvez, falta de cultura artística de nossa parte. É bem possivel. Contudo, é um quadro que não nos agrada.

Representa o Cristo em agonia, tendo estampados no rosto os estigmas indeléveis da dor em seu paroxismo. É o Cristo morrendo, despedindo-se do mundo com o consumatum est.

É artístico, não há dúvida; mas, além de ser de um realismo brutal e feroz, não é, não pode ser a expressão da verdade quanto ao Mestre no transe da morte. Não dá ideia de Jesus com fidelidade, conforme o sinto, consoante o afirmo para mim mesmo, no meu interior. O quadro de Limpias imita perfeitamente um moribundo que se contorce, arquejante e dolorido, lábios descerrados, olhos revoltos nas órbitas.

Painel tétrico! Jamais minha alma sentiu o Cristo assim. Nunca meu entendimento concebeu o Mestre em tal atitude. É o Cristo morrendo como ele não podia ter morrido.

No entanto, poderão objetar: Jesus foi crucificado, foi um mártir que sucumbiu no patíbulo infamante. Sabemos de tudo isso; mas, que nos importa, uma vez que não é esse o Jesus que nos fala na alma? Todas as vezes que apelamos para ele, não é o moribundo que se debate nos estertores da morte, a figura que se apresenta em nossa mente. A imagem que ali sempre se desenha, e que ali trazemos gravada profundamente, é a do Cristo redivivo, amorável, doce, plácido, sereno, irradiando vida e luz, graça e poder. Nunca o invocamos que não sentíssemos logo sua influência através dos sublimes predicados que exornam seu adamantino caráter. Vemo-lo, através da energia que nos fortalece nos momentos de fraqueza; vemo-lo através da luz que nos ilumina espancando as trevas de nossa ignorância; vemo-lo através da graça que nos perdoa, que nos consola em nossas tribulações; vemo-lo através da mansuetude que acalma os arrebatamentos de nosso espírito; vemo-lo através da generosidade que dulcifica nossos sentimentos; vemo-lo finalmente no amor que nos eleva, purifica e salva. Jamais o sentimos morto, vencido, impotente; mas, antes, sempre cheio de vida, forte, varonil.

Que será que vêem os que o contemplam cravado na cruz? Em tal condição, só vejo, e disso me horrorizo, a iniquidade humana, tentando, em vão, emudecer o Verbo divino na sua obra de revelador da Verdade ao mundo.

Diante do Cristo vivo, nossa alma se curva reverente para acolher as impressões que a nosso respeito ele transmite. Diante do Cristo morto, os homens levantam a cabeça para lamentá-lo. Aqui, os homens se fazem juízes; ali, é o Senhor quem reflete, o juízo da soberana justiça. Por isso, muitos preferem vê-lo morto na tela e senti-lo vivo no coração.




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