Contos e Apólogos
Versão para cópiaParábola simples
Diversos aprendizes rodeavam o Senhor, em Cafarnaum, em discussão acesa, com respeito ao poder da palavra, acentuando-lhe os bens e os males.
Propunham alguns o verbo contundente para a regeneração do mundo, enquanto outros preconizavam a frase branda e compreensiva.
Reparando o tom de azedia nos companheiros irritadiços, o Mestre interferiu e contou uma parábola simples.
— Certa feita — narrou, com doçura —, o Gênio do Bem, atendendo à prece de um lavrador de vida singela, emitiu um raio de luz e insuflou-o sobre o coração dele, em forma de pequenina observação carinhosa e estimulante, através de uma boca otimista. No peito do modesto homem do campo, a fagulha acentuou-se, inflamando-lhe os sentimentos mais elevados numa chama sublime de ideal do bem, derramando-se para todas as pessoas que povoavam a paisagem.
Em breve tempo, o raio minúsculo era uma fonte de claridade a criar serviço edificante em todos os círculos do sítio abençoado; sob a sua atuação permanente, os trigais cresceram com promessas mais amplas e a vinha robusta anunciava abundância e alegria.
Converteu-se o raio de luz em esperança e felicidade na alma dos lavradores e a seara bem provida avançou, triunfal, do campo venturoso para todas as regiões que o cercavam, à maneira de mensagem sublime de paz e fartura.
Muita gente acorreu àquele recanto risonho e calmo, tentando aprender a ciência da produção fácil e primorosa e conduziu para as zonas mais distantes os processos pacíficos de esforço e colaboração, que o lume da boa vontade ali instalara no ânimo geral.
Ao fim de alguns poucos anos, o raio de luz transformara-se numa época de colheitas sadias para a tranquilidade popular.
O Mestre fez ligeiro intervalo e continuou:
— Veio, porém, um dia em que o povo afortunado, orgulhando-se agora do poderio obtido com o auxílio oculto, se esqueceu da gratidão que devia à magnanimidade celeste e pretendeu humilhar uma nação vizinha. Isso bastou para que grande brecha se abrisse à influência do Gênio do Mal, que emitiu um estilete de treva sobre o coração de uma pobre mulher do povo, por intermédio de uma boca maldizente.
A infortunada criatura não mais sentiu a claridade interior da harmonia e deixou que o traço de sombra se multiplicasse indefinidamente em seu íntimo de mãe enceguecida… Logo após, despejou a sua provisão de trevas, já transbordante, na alma de dois filhos que trabalhavam num extenso vinhedo e ambos, envenenados por pensamentos escuros de revolta, facilmente encontraram companheiros dispostos a absorver-lhes os espinhos invisíveis de indisciplina e maldade, incendiando vasta propriedade e empobrecendo vários senhores de rebanhos e terras, dantes prósperos.
A perversa iniciativa encontrou vários imitadores e, em tempo curto, estabeleceram-se estéreis conflitos em todo o reino.
Administradores e servos confiaram-se, desvairados, a duelo mortal, trazendo o domínio da miséria que passou a imperar, detestada e cruel para todos.
O Divino Amigo silenciou por minutos longos e acrescentou:
— Nesta parábola humilde, temos o símbolo da palavra preciosa e da palavra infeliz. Uma frase de incentivo e bondade é um raio de luz, suscetível de erguer uma nação inteira, mas uma sentença perturbadora pode transportar todo um povo à ruína…
Pensou, pensou e concluiu:
— Estejamos certos de que se a luz devora as distâncias, iluminando tudo o que se lhe oferece à paisagem, a treva rola também, enegrecendo o que vai encontrando. Em verdade, a ação é dos braços, mas a direção vem sempre do pensamento, através da língua. E sendo todo homem filho de Deus e herdeiro d’Ele, na criação e na extensão da vida, ouça quem tiver “ouvidos de ouvir”. (Mt
(.Humberto de Campos)
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