Coração e Vida

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Capítulo XXII

História de um cão


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Falávamos de amor, de heroísmo e ternura,

Nos caminhos da Terra, em lutas naturais,

Quando um amigo lembrou: “não se deve esquecer

O amor dos animais”.


E contou comovido:

— Quando na Terra, um pobre cão rafeiro

Que eu nunca soube de onde vinha,

Fez-se meu companheiro

Na tapera isolada que eu mantinha.

Era um cão vagabundo, um desses cães,

Cujo medo de banho desconsola,

Vendo-lhe a boca enorme e as bochechas caídas,

As crianças chamavam-no Beiçola.

Bernento e preguiçoso, muitas vezes,

Procurei desterrá-lo,

Mas Beiçola voltava e me seguia

Estivesse eu a pé ou trotando a cavalo.

Já não sabia o que fazer do cão,

Que já me habituara a suportar

Num misto de amizade e de aversão.

Certa manhã de sábado, eu devia,

Ir do campo à cidade,

A fim de resgatar antiga conta

Cujo prazo vencia.

Montei no meu pequira muito cedo

De merenda robusta na sacola,

E pus-me alegremente no caminho

Acompanhado por Beiçola.

Desmontei-me às dez horas para o almoço,

Transportando a merenda para baixo,

Ao pé de velha ponte que cobria

Um pequeno riacho…

Alimentei-me à farta e dei ao cão

Tudo o que me sobrou da refeição…

Tomei de novo a montaria

Açoitei o animal para seguir depressa,

O débito a pagar era daquele dia,

Mas uma cena estranha então começa.

Beiçola, de ordinário, pachorrento,

Intentava correr, de lado a lado,

Em uivos e latidos…

Depois correu à frente,

Como a querer parar o pequira assustado.

O cão dependurava-se nos freios,

Enquanto eu lhe gritava nomes feios;

Espanquei-o a chicote, mas em vão…

E cansado de vê-lo a pular, doidamente,

Conclui, de repente,

Que a doença da raiva atacara meu cão…

Agi sem medo, rápido e seguro,

Dei-lhe um tiro com o fim de eliminá-lo,

De modo a defender-me e a livrar meu cavalo.

Beiçola então soltou doloroso gemido,

Caminhou para trás, claramente ferido,

Enquanto fui em frente…

Mas atingindo o banco e buscando o gerente,

A fim de resgatar a minha conta inteira,

Debalde procurei minha carteira…

No assombro que me toma,

Notei que me faltava grande soma…

Decerto que perdera o dinheiro em caminho

Pois saíra com ele da fazenda…

Deliberei voltar ao local da merenda,

Pedi ao chefe amigo aguardar mais um pouco

E aflito, semi-louco,

Remontei o cavalo e voltei de corrida…

Regressando ao lugar em que estivera…

E o amigo rematou, emocionado:

— Só então compreendi quão ingrato que eu era…

Sabem o que encontrei?

Após seguir pequeno espaço

Todo ele marcado em sangue, traço a traço,

Achei Beiçola já sem vida…

E ao arrastá-lo para um canto,

Vi, sob o corpo dele, a estremecer de espanto,

A carteira perdida…

Ah! como me doeu o coração

De susto e de emoção!…

Não sei dizer tudo o que sinto,

Por muito que lhes conte,

Meu pobre cão rafeiro,

Cuja lembrança está sempre comigo,

Arrastou-se ferido e, após ganhar a ponte,

Morreu fiel e amigo,

Guardando o meu dinheiro.




Maria Dolores
Francisco Cândido Xavier


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