Coração e Vida
Versão para cópiaO culpado vê culpas
Ele, bonacheirão, era amigo de farras, Tinha esposa, dois filhos, compromissos, Entretanto, apesar dessas amarras, Prazeres para ele eram doces feitiços. Homem robusto e rico sustentava, Companheiras diversas de alegria, Qual senhor que somente as percebia De escrava para escrava. Em certa ocasião, O nosso cavalheiro, Dava-se por inteiro A certo festival de comemorações, Em cerimônias desdobradas… Brotavam nas estradas Palavras e atitudes estragadas, Era quase a loucura em muita gente… Dois dias com três noites De fogos de artifício em céu luzente, E o nosso amigo usava, instante a instante, O tempo disponível, Sem se importar, sequer, com mudanças de nível, E aparecia sempre acompanhado Por uma das parceiras Que trazia de lado… Por fim, depois de longas bebedeiras, E de extravio deprimente, Ei-lo, de volta ao lar, dentro da noite alta… Era a terceira noite em que estivera ausente Entretanto, Não se sentia em falta… A esposa era a esposa, a mulher diferente, Que devia viver, atirada num canto, Sem direito nenhum de reclamar, Porque sempre dispunha Do que fosse preciso para o lar. Ele destranca a porta, de mansinho, Pé ante pé, segue devagarinho Para o aposento conjugal… Mas, avançando, vê que a esposa se debruça Nos ombros de outro homem, — Um homem que lhe afaga a cabeleira espessa… Ele sente-se mal Nas ideias sombrias que o consomem O incêndio do ciúme invade-lhe a cabeça, Saca de bolso oculto um revólver pequeno E atira sobre os dois, qual se estivesse louco, Sob a ação de algum veneno… O homem tomba morto, após giro instantâneo A bala lhe arrasara os recessos do crânio… A senhora, porém, está ferida… O marido aproxima-se, interroga, Ela, contudo, vê que se lhe esvai a vida, Perdendo o próprio sangue a lhe vazar do peito; Tenta, em vão, expressar-se e não encontra o jeito… Mas colocando as mãos, debalde, sobre o corte Ela fita no esposo o triste olhar da morte E responde somente, Como quem se revela muito dificilmente, Ao morrer, em seguida a prolongado “ai!” — O homem que você achou comigo É mais que amigo, Era o seu próprio pai. |
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