Coração e Vida

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Capítulo XXIX

O culpado vê culpas


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Ele, bonacheirão, era amigo de farras,

Tinha esposa, dois filhos, compromissos,

Entretanto, apesar dessas amarras,

Prazeres para ele eram doces feitiços.

Homem robusto e rico sustentava,

Companheiras diversas de alegria,

Qual senhor que somente as percebia

De escrava para escrava.


Em certa ocasião,

O nosso cavalheiro,

Dava-se por inteiro

A certo festival de comemorações,

Em cerimônias desdobradas…

Brotavam nas estradas

Palavras e atitudes estragadas,

Era quase a loucura em muita gente…

Dois dias com três noites

De fogos de artifício em céu luzente,

E o nosso amigo usava, instante a instante,

O tempo disponível,

Sem se importar, sequer, com mudanças de nível,

E aparecia sempre acompanhado

Por uma das parceiras

Que trazia de lado…


Por fim, depois de longas bebedeiras,

E de extravio deprimente,

Ei-lo, de volta ao lar, dentro da noite alta…


Era a terceira noite em que estivera ausente

Entretanto,

Não se sentia em falta…

A esposa era a esposa, a mulher diferente,

Que devia viver, atirada num canto,

Sem direito nenhum de reclamar,

Porque sempre dispunha

Do que fosse preciso para o lar.


Ele destranca a porta, de mansinho,

Pé ante pé, segue devagarinho

Para o aposento conjugal…

Mas, avançando, vê que a esposa se debruça

Nos ombros de outro homem,

— Um homem que lhe afaga a cabeleira espessa…


Ele sente-se mal

Nas ideias sombrias que o consomem

O incêndio do ciúme invade-lhe a cabeça,

Saca de bolso oculto um revólver pequeno

E atira sobre os dois, qual se estivesse louco,

Sob a ação de algum veneno…


O homem tomba morto, após giro instantâneo

A bala lhe arrasara os recessos do crânio…

A senhora, porém, está ferida…

O marido aproxima-se, interroga,

Ela, contudo, vê que se lhe esvai a vida,

Perdendo o próprio sangue a lhe vazar do peito;

Tenta, em vão, expressar-se e não encontra o jeito…

Mas colocando as mãos, debalde, sobre o corte

Ela fita no esposo o triste olhar da morte

E responde somente,

Como quem se revela muito dificilmente,

Ao morrer, em seguida a prolongado “ai!”

— O homem que você achou comigo

É mais que amigo,

Era o seu próprio pai.




Maria Dolores
Francisco Cândido Xavier


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