Educandário de Luz
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Há muitas semanas guardo a permissão de escrever-lhes, relacionando o noticiário do velho companheiro, já no “outro mundo”.
Aliás, isto não é novidade para vocês, nem para mim.
Quando se me esvaía a resistência orgânica, formei o projeto de endereçar-lhes um correio de amigo logo que a morte me arrebatasse.
O Espiritismo fora para mim não só simples crença religiosa. Tornara-se o clima constante em que minhalma respirava, constituía elemento integrante de meu próprio ser. Daí o entusiasmo vibrante com que me entregava aos serviços da doutrinação e a certeza com que esperava o contentamento de fazer-me sentir aos irmãos de ideal, após a desencarnação.
Mas, o serviço não é tão fácil quanto parece à primeira vista. Podemos certamente visitar amigos e influenciá-los; todavia, para isso, copiamos o esforço dos profissionais da telepatia. Emitimos o pensamento, gastando a potência mental em dose alta e, se a pessoa visada se mostra sensível, à maneira do rádio que se liga à emissora, então é possível transmitir-lhe ideias com relativa facilidade. Por vezes a deficiência do receptor, aliada às múltiplas ondas que o cercam, impede a consumação de nossos propósitos. Se o instrumento de intercâmbio permanece absorto nas preocupações da luta comum, é difícil estabelecer a preponderância de nossos desejos.
A mente humana atrai ondas de força que variam de acordo com as emissões que lhe caracterizam as atividades. No aparelho mediúnico esse fenômeno é mais vivo. Pela sensibilidade que lhe marca as faculdades registradoras, o médium projeta energias em busca do nosso campo de ação e recebe-as de nossa esfera com intensidade indescritível.
Calculem, pois, os obstáculos naturais que nos cerceiam as intenções. Se não há combinação fluídico-magnética entre o Espírito comunicante e o recipiente humano, realizar-se-á nosso intento apenas em sentido parcial.
É quase impossível impormos nossa individualidade completa.
Ainda mesmo em se tratando da materialização, o visitante do “outro mundo” depende das organizações que o acolhem.
Se o médium relaxa a obrigação de manter o equilíbrio fisiopsíquico e se os companheiros que lhe integram o grupo de trabalho vivem estonteados, sem o entendimento preciso dos deveres que lhes competem, torna-se impraticável o aproveitamento dos recursos que se nos oferecem para o bem.
Venho recebendo agora preciosas lições quanto a isto, porque cheguei à leviandade de prometer a mim mesmo que prosseguiria, depois do sepulcro, a corresponder-me regularmente com os leitores de minhas páginas doutrinárias.
Considerava a escrita e a incorporação mediúnicas ocorrências triviais do nosso aprendizado; no entanto, vim de reconhecer, neste Plano em que hoje me encontro, a desatenção com que assinalamos semelhantes dádivas. Esses fatos amplamente multiplicados, em nossos agrupamentos, traduzem imenso trabalho dos Espíritos protetores, com reduzida compreensão por parte dos que a eles assistem.
Passei a observar o porquê de muitas promessas de amigos que se não realizaram.
Companheiros diversos haviam partido antes de mim, convencidos de que poderiam voltar quando quisessem, trazendo informações da nova Esfera e, embora lhes aguardasse a palavra esclarecedora através de reuniões respeitáveis, a solução parecia adiada indefinidamente.
O homem encarnado é tido em nossos Círculos por arrendatário das possibilidades terrestres e de modo algum podemos absorver-lhe a autoridade e a direção da experiência física, tanto quanto não lhe será possível determinar na zona de trabalho que nos é própria.
Em vista disso, por mais que desejemos, somos obrigados a depender de vocês em nossas comunicações e interferências.
Os amigos da vida superior necessitam da cooperação elevada para se manifestarem nas obras de amor e fé, na mesma proporção em que as entidades votadas ao mal reclamam concurso de baixa espécie das criaturas perversas ou ignorantes no cenário carnal. Verifica-se a mesma disposição em nossa zona de serviço. Vocês conseguirão isto ou aquilo em nosso ambiente, dependendo, porém, das entidades que puderem mobilizar.
Retomando a mim mesmo após desvencilhar-me do corpo grosseiro, a preocupação de voltar ao reino dos amigos era o meu anseio de cada minuto. Habituara-me na existência última, fértil de trabalho intensamente vivido, a concretizar os menores desejos em nos referindo à luta exterior.
O homem prático que se mantém no corpo terrestre por mais de cinquenta anos, acostuma-se a ser invariavelmente obedecido.
Isso cria enormes prejuízos para ele, por enclausurar-se instintivamente em roda viciosa de preconceitos nocivos que se lhe cristalizam, vagarosamente, na organização mental. Os melindres passam a torturá-lo. A conveniência é interpretada por desrespeito, a prudência por ingratidão.
Quase me considerei ofendido quando os benfeitores espirituais me cortaram a probabilidade do retorno apressado.
Afinal, pensava de mim para comigo, o que pretendia não era, de maneira nenhuma, a admiração alheia, nem tencionava aproveitar o ensejo para a propaganda de meu nome. Interessava-me, sim, a prova da sobrevivência. Para tanto, se me fosse possível, tocaria um clarim mais alto que uma sirene festiva.
Amigos delicados, porém, fizeram-me saber que o ruído no âmbito da espiritualidade, é tão prejudicial quanto o barulho intempestivo na via pública e, depois de ouvir longa série de ponderações a me rearticularem os propósitos desordenados, entendi, graças a Deus, que minhas investidas se filiavam a pura ingenuidade.
As primeiras visitas que efetuei junto aos núcleos doutrinários, verificaram-se justamente no Rio. Minha atual situação, contudo, era muitíssimo diferente. Quando no corpo, identificava somente reduzida região de trabalho. Acompanhado de amigos que me conduziam solícitos, reparava agora um mundo novo, de aspecto intraduzível.
As casas espiritistas, em função de estudo e socorro, eram verdadeiras colmeias de entidades desencarnadas. Algumas, em serviço de benemerência evangélica; outras, e em número imenso, vinham à cata de alívio e esclarecimento, a lembrar-nos multidões de acidentados às portas dos hospitais de emergência.
O volume das obrigações agigantou-se aos meus olhos.
Compreendi, então, de quanta abnegação temos necessidade a fim de perseverarmos no bem, até ao fim da luta, segundo os ensinamentos de Jesus.
Minha primeira impressão foi negativa. No fundo cheguei a admitir, por alguns instantes, a incapacidade da colaboração humana ante a imensidão do serviço; todavia, a palavra de companheiros experientes reergueu-me o bom ânimo.
Sementes minúsculas produzem toneladas de grãos que abastecem o mundo; assim também, os germens da boa vontade improvisam atividades heroicas na edificação humana.
Essa conclusão tranquilizou-me e tive a alegria de fazer-me notado em vários centros da Doutrina, valendo-me da cooperação de alguns médiuns que me interpretaram a personalidade. As oportunidades, porém, não me ofereciam recursos ao noticiário mais completo. Comecei a guerrear meu individualismo gritante e, examinando a respeitabilidade dos interesses alheios não me senti suficientemente encorajado a interferências que redundassem no prejuízo do bem geral.
Depois de variadas experiências, vim a Pedro Leopoldo pela primeira vez, após a libertação.
Como se me afigurou diferente o grupo que eu visitara em agosto de 1937, em companhia do meu prezado Watson!
A casa humilde estava repleta de gente desencarnada.
Os companheiros, ao redor da mesa, eram poucos. Não excedia de vinte o número de pessoas no recinto. As paredes como que se desmaterializavam, dando lugar a vasto ajuntamento de almas necessitadas, que o orientador da casa, com a colaboração de muitos trabalhadores, procurava socorrer com a palavra evangélica.
Entrei, ladeando três irmãos, recebendo abraços acolhedores.
Notando os cuidados do dirigente, prevendo as particularidades da reunião, recordei os Espíritos controladores a que se referem comumente nossos companheiros da Inglaterra.
Estávamos perante equilibrado diretor espiritual. Todas as experiências e realizações da noite permaneciam programadas.
Incontáveis fios de substância escura partiam, como riscos móveis, das entidades perturbadas e sofredoras, tentando atingir os componentes da pequena assembleia de encarnados mas, sob a supervisão do mentor do grupo, fez-se belo traço de luz em torno do quadrado a que vocês se acolhiam, traço esse que atraía as emanações de plúmbea cor, extinguindo-as.
Explicou-me um amigo que as pessoas angustiadas, sem o corpo físico, projetam escuros apelos, filhos da tristeza e da revolta, nas casas de fraternidade cristã em que se improvisam tarefas de auxílio.
Enquanto vocês oravam e atendiam a solicitações entre os dois mundos, observei que trabalhadores espirituais extraíam de alguns elementos da reunião grande cópia de energias fluídicas, aproveitando-as na materialização de benefícios para os desencarnados em condições dolorosas. Não pude analisar toda a extensão do serviço que aí se processava, mas esclareceu-me dedicado companheiro que em todas as sessões de fé religiosa consagradas ao bem do próximo, os cooperadores dispostos a auxiliar com alegria são aproveitados pelos mensageiros dos Planos superiores, que retiram deles os recursos magnéticos que Reichenbach batizou por “forças ódicas”, convertendo-os em utilidades preciosas para as entidades dementes e suplicantes. Minha mente, contudo, interessava-se na aproximação com o médium, fixa na ideia de valer-se dele para contato menos ligeiro com o mundo que eu havia deixado.
Rompi as conveniências e pedi a colaboração do supervisor da casa, embora o respeito que a presença dele me inspirava. Não me recebeu o pedido com desagrado. Tocou-me os ombros, paternalmente, e acentuou, esquivando-se:
— Meu bom amigo, é justo esperar um pouco mais. Não temos aqui um serviço de mero registro. Convém ambientar a organização mediúnica. A sintonia espiritual exige trato mais demorado.
Lembrei-me, então, imperfeito e egoísta que ainda sou, de André Luiz. Ele não fora espiritista, no entanto, começara de pronto o noticiário do “outro mundo”. O diretor, liberal e compreensivo, mergulhou em mim os olhos penetrantes, como se estivesse a ler as páginas mais íntimas de meu coração e, sem que eu enunciasse o que pensava, acrescentou, humilde:
— Não julgue que André Luiz haja alcançado a iniciação de improviso. Sofreu muito nas Esferas purificadoras e frequentou-nos a tarefa durante setecentos dias consecutivos, afinando-se com a instrumentalidade. Além disto, o esforço dele é impessoal e reflete a cooperação indireta de muitos benfeitores nossos que respiram em Esferas mais elevadas.
E passou a explicar-me as dificuldades, indicando os óbices que se antepunham à ligação e relacionando esclarecimentos científicos que não pude guardar de memória. Em seguida, prometeu que me auxiliaria no instante oportuno.
Realmente, estava desapontado, mas satisfeito. Avizinhara-me dos amigos, incapaz de fazer-me percebido; entretanto, começava a entender, não somente os empecilhos naturais no intercâmbio entre ambas as Esferas, mas também a necessidade do desprendimento e da renúncia, na obra cristã que o Espiritismo com Jesus está realizando em favor do mundo.
Em agosto de 1937, o Autor esteve pessoalmente em Pedro Leopoldo, acompanhado de um amigo.
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