Emmanuel
Versão para cópiaA Igreja de Roma na América do sul
A Igreja Romana movimenta-se na América do Sul. Sentindo os perigos da Europa, onde os produtos ideológicos de novas doutrinas lhe criaram uma situação profundamente embaraçosa, a organização política do Catolicismo volta-se para a América Meridional, onde os neolatinos, vivendo a existência reflexa dos grandes centros ocidentais, trabalham ainda por adquirir uma personalidade coletiva.
Os últimos congressos eucarísticos na Argentina e no Brasil representam o apogeu das suas atividades, no sentido de manter a sua falsa posição à custa de exterioridades suntuosas, dentro daquela megalomania característica das águias dominadoras do império romano.
Vivendo à custa da economia dos que trabalham, a Igreja Romana é a atual usurpadora de grande percentagem do esforço penoso das coletividades.
Sem dúvida, a sua influência no passado beneficiou a civilização, muito embora tenha sido essa influência saturada de movimentos condenáveis, à sombra do nome de Deus e em nome do Evangelho. As guerras santas, a inquisição, as renovações religiosas dos séculos pretéritos, apoiam a nossa assertiva. As obras beneficentes da Igreja estão ainda cheias do sangue dos mártires. Quase todos os bens que o Vaticano conseguiu trazer à civilização nascente, fizeram-se acompanhar de terríveis acontecimentos.
A Europa moderna, pobre de possibilidades econômicas e compreendendo de perto a ação defraudadora da Igreja Católica, tornou-se campo quase estéril para as suas explorações. As tendências da mentalidade geral para uma organização econômica, sobre a base da justiça que deve prevalecer em todas as leis do futuro, fizeram dos países europeus terreno impróprio para a indústria religiosa. Com exceção da política de Berlim e de Roma, outras nacionalidades europeias custariam a tolerar esses movimentos de audaciosas explorações. A mística fascista é a única que procura o amparo das ilusões religiosas do Catolicismo, com o objetivo de manter a coesão popular, em torno da idolatria do Estado. Ainda agora, existem pronunciadas tendências da nova Alemanha para que se crie, nos bastidores da política hitlerista, uma igreja nacionalizada. Mas, os países democráticos, que se encaminham, com os seus estatutos de governo, para o socialismo cristão do porvir, sentiriam dificuldade em suportar tutelas dessa natureza. Trabalhados por doutrinas libertárias, eles vêm pagando com sangue os seus progressos penosamente obtidos. Longe de nós o aplaudirmos a política nefasta de Stalin ou as suas atividades nos gabinetes de Léon Blum ou de Azaña, apenas salientamos a tendência das massas para a liberdade, sacudindo o jugo milenar do Catolicismo, que, a pretexto de prosseguir na obra cristã, apossou-se do Estado para dominar e escravizar as consciências. A Igreja, se bem haja desempenhado missão preponderante no destino desta civilização que, na atualidade, toca ao apogeu, fez mais vítimas que as dez perseguições mais notáveis, efetuadas pelos imperadores da Roma antiga contra os adeptos da abençoada doutrina do Crucificado.
Integrada no conhecimento dessas grandes verdades é que a Europa de agora se apresenta como um campo perigoso para as grandes concentrações católicas; e os sacerdotes romanos que, com escassas exceções, desempenham as suas funções dentro do automatismo de sibaritas, bem compreendem que a visão dos seus faustos e de suas grandezas açulam o instinto terrível das massas, trabalhadas pelas necessidades mais duras, reconhecendo intimamente que a sua Igreja tem favorecido, de modo extraordinário, os movimentos homicidas dos extremismos da atualidade, cujas lutas nefastas vêm amargurando a alma dos povos. Ninguém ignora a fortuna gigantesca que se encerra, sem benefício para ninguém, nos cofres pesados do Vaticano; os capitais que para eles se canalizam, com fertilidade assombrosa, ali repousam sem se converterem em benefício dos que trabalham, conquistando com penoso suor o pão de cada dia. Os milhões de liras que ali se arquivam, em detrimento da economia de todas as classes que produzem, têm apenas uma utilidade, que é a do engrandecimento da obra suntuária dos humildes continuadores de Jesus.
Enquanto há fome e desolação no mundo, Sua Santidade distribui bênçãos e títulos nobiliárquicos, compensados com os mais pingues tributos de ouro. As canonizações custam verdadeiras fortunas aos países católicos. Para que a França conseguisse o altar para a sua heroína de Domremy, muitos milhares de francos foram arrancados à economia popular. A América do Sul ainda não conseguiu alguns santos do Vaticano, em virtude da sua carência de recursos financeiros à consecução de tal projeto. Enquanto o Vaticano se entende com o Quirinal sobre as mais pesadas somas de ouro, destinadas às atividades guerreiras, os padres se reúnem e falam de paz; enquanto Pio XI se debruça nos seus ricos apartamentos, passeando pelas suas galerias de arte de todos os séculos e pelas suas vastas bibliotecas, exibindo a imagem do Crucificado nas suas sandálias, ou entregando-se ao repouso no Castel Gandolfo, há criaturas morrendo à mingua de trabalho, entregues a toda sorte de misérias e de vicissitudes.
Inspirando-se na inteligência de Leão XIII, que deixou a sua “Rerum Novarum” como alto documento político de conciliação das classes proletárias e capitalistas, Pio XI publicou a sua “Quadragesimo Anno”, tentando estabelecer barreira às doutrinas novas, que vêm por em cheque a falsa posição da Igreja Católica. Alguns países vêm inspirando-se nessas bulas pontifícias, para a criação de dispositivos constitucionais aptos a manter o equilíbrio social; todavia, importa considerar que a Igreja é impotente e suspeita para tratar dos interesses dos povos. Na sua situação parasitária, não pode falar aos que trabalham e sofrem, aprendendo nas experiências mais dolorosas da vida.
A vossa civilização sente necessidade da prática evangélica, tem sede do Cristo, fome de idealismo genuinamente cristão e, diante desse surto novo de fé das coletividades, nada valem os congressos eucarísticos, porquanto é chegado o tempo de se fecharem as portas da indústria da cruz. O Cristo terá de ressurgir dos escombros em que foi mergulhado pela teologia do Catolicismo. O dogma conhecerá o seu fim com o advento das verdades novas e é para esse movimento grandioso do porvir que os mortos vêm dar as mãos aos vivos de boa vontade.
Que a Igreja Romana se transforme, buscando guardar a essência dos exemplos terríveis desta última revolução espanhola; que as provações coletivas hajam chegado ao seu termo, sem necessidade de mais sangue, de mais lágrimas e de mais vidas; que Roma compreenda tudo isso e esclareça os seus tutelados, antes que os escravos de suas ilusões se recordem de sacudir as algemas por si mesmos; que a lei de Jesus impere desde já, sem precisar das grandes dores que, por tantas vezes, têm lacerado o coração sofredor da humanidade terrestre.
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