ENTRE DUAS VIDAS
Versão para cópiaAugusto Cezar Netto
Minha mãe, minha querida mamãe!
Primeiro, um pensamento de gratidão a Deus pelas bênçãos recebidas sempre.
Aqui não é muito diferente daí, embora seja diferente daqui. Explicar como é isso não sei ainda. Falo assim para dizer que tenho estado nas disciplinas necessárias. Tratamento intensivo a princípio, refazimento, escola e trabalho depois.
Que eu tenha desejado escrever com uma ansiedade igual à sua, não duvide. Mas não é fácil. Creia, porém, que lá no reduto abençoado de serviço da nossa Acácia, tenho estado presente sempre e sempre. Estou agindo. Seu filho já consegue fazer alguma cousa. Não é muito não, como não pode deixar de ser. Sou ainda um estudante nas primeiras faixas do ensino. Nem sei dizer como tudo vai sucedendo.
Parece, mamãe, que a vida é como um rio. As águas do tempo nos levam para diante e a gente vai seguindo, fazendo o que pode para não submergir e trabalhar de algum modo na viagem. Será que esta imagem me ocorreu, por lembrar aquele dia? Aquele dia que nós não queremos lembrar? Sei hoje apenas que, se a minha prova, ao partir, foi o desfalecimento na água, nós já derramamos muitas lágrimas para esquecer tudo o que deve ser esquecido…
Graças a Deus, vejo-a firme e valorosa, vivendo e servindo. Não avalia o que foram para mim os primeiros tempos… As suas aflições e as suas angústias. Suas palavras de pergunta e de dor buscando saber a razão do que acontecera me feriam profundamente, porque eu desejava explicar sem conseguir expressar-me.
Se o seu coração querido se colocar em lugar do meu, saberá como doíam aquele pranto e aquelas orações sentidas que recebia de seu carinho, ante o meu retrato e à frente do lugar onde as últimas lembranças ficaram entre nós. Não julgue que eu não ouvia. Chorei com as suas lágrimas, por muito tempo, e quando as suas primeiras esperanças vieram surgindo na alma, aceitando realmente a vida além da morte, a luz nascente em seu amor foi também minha luz. Agradeço hoje por tudo.
Não estou triste ao falar assim, mas é muito importante para mim exprimir agora o que sinto, com a possível demonstração de meus impulsos mais íntimos.
Agradeço o seu esforço para sairmos de nós mesmos ao encontro da fé; agradeço a sua obediência a Deus, procurando resignar-se com o problema que me assaltou quando eu menos esperava; agradeço a fortaleza que o seu carinho nos deu a todos; conquanto, às vezes, fugindo para a solidão do quarto, depois de muitas das nossas reuniões de família, para chorarmos a sós; agradeço o seu apoio valioso a meu pai e, sobretudo, a paz que hoje ilumina o coração de seu filho.
Peço-lhe. Continuemos trabalhando, plantando o bem… Aqui, mãezinha, o que trazemos, é o que permanece conosco. E estejamos alegres. A vida é segurança e felicidade, trabalho e progresso para nós todos, conforme as leis de Deus. O sofrimento é semelhante à lagarta destruidora que, com invigilância, colocamos na flor da vida. Felizmente, ao ver o seu coração mais tranquilo, pude asserenar-me e realmente reformar-me para viver.
Cada criança que a sua bondade ampara sou eu mesmo; cada peça de socorro aos necessitados que sai de suas mãos é bênção sobre mim. E aprendamos a esquecer todas as sombras que, porventura, hajam caído entre nós e a Vida — a Vida que é luz de Deus.
O trabalho crescerá para nós. Estou em seus braços, aprendendo a servir e estou em seu pensamento, conversando sobre os melhores caminhos que nos cabem seguir. Compreender, mamãe querida, e auxiliar sempre para o bem.
Seu apoio a meu pai, o nosso companheiro devotado de sempre, é para mim confiança e alegria. Às vezes, pensamos que seria melhor eu ter ficado para colaborar de algum modo nas tarefas que o Senhor nos deu a cumprir; entretanto, sabe Deus o que faz e vim mais cedo, para cooperar na construção de nosso futuro. A vida, mãezinha, é também uma espécie de livro em que lemos, a pouco e pouco, as circunstâncias em que nos encontramos enlaçados.
Somos hoje uma família maior. A princípio, quase quatro fevereiros de retaguarda, supúnhamos ser um grupo único, em nosso bairro feliz de São Paulo. Depois, de semana a semana, fomos descobrindo que somos muitos. Hoje, costumo rir de mim mesmo. Fantasiava escrever uma carta, revelando detalhes de casa e família, mas antes que eu pudesse grafar o que pensava, eis que o Chico veio a nós. Temos tudo em comum. Os conhecimentos do lar e os entes amados. Não consegui transitar nos fenômenos para reconhecer que o maior fenômeno é este profundo amor que nos reúne uns aos outros. Mesmo assim, envio lembranças às meninas e a todos — todos os nossos, desejando que a paz e a bênção de Deus estejam conosco em todos os passos. Aqui estão comigo vários companheiros e benfeitores.
Que ainda estou sendo auxiliado para escrever, não tenha dúvida. Não consigo relacionar os nomes de todos, porque a lista é grande, mas de amigos presentes destaco o amigo Salathiel e o amigo Oswaldo com parentes aqui e que se fazem sentir com muito carinho às nossas irmãs. Não sei ainda ser mensageiro, embora aqui me encontre firme nesta mensagem. Começamos bem neste mês de aniversário e espero, querida mamãe, estarmos sempre mais juntos.
Dos casos em que a sua ternura me recorde nas alegrias de moço, peço as suas orações por todos aqueles laços de afeto que tanto se impressionaram com a minha vinda, quanto ao modo pelo qual fui compelido a vir. No silêncio, nós dois estaremos rogando a Jesus por todos. Tenhamos confiança no futuro e prossigamos.O trabalho no bem dos outros é o caminho certo.
Agradeço o amparo de nossos amigos de Sacramento.
Seu carinho planta e seu filho vai colhendo. Um dia, com o amparo de Jesus, poderei plantar para a sua felicidade. Até lá, seu filho é seu filho, seu tutelado e seu menino também.
Hoje, como antigamente, sinto-me chegando devagarinho para um abraço do coração e ouça-me de novo a dizer: “mamãe, eu estou com muita saudade, mas com muita saudade de você…”
Seu sorriso me iluminará, como acreditando e não acreditando no que eu dizia, para acentuar ainda mais o meu desejo de abraçá-la, mas, abraçando a meu pai e a todos os nossos, no carinho que trago ao seu carinho, posso repetir: “mamãe, é mesmo, eu estou com muitas saudades de você, mas o meu coração está com o seu coração para sempre”.
Sempre seu,
(Uberaba, 3 de fevereiro de 1973)
Augusto Cezar Netto, nascido em São Paulo, Capital, a 27 de setembro de 1942, desencarnou na Praia Grande, a 27 de fevereiro de 1968, na companhia de amigos, exatamente às 12:30 horas. Era químico formado pelo Colégio Eduardo Prado, da Capital Bandeirante, e trabalhava no Laboratório Squibb.
Filho de Raul Cezar e de D. Yolanda Cezar, deixou as irmãs Marly, Maria Otília e Zuleika. Era o segundo filho, “carinhoso, maravilhoso”, no dizer de sua genitora.
Era desportista de mérito, tendo a revista “Ipê Clube” dedicado a ele expressiva homenagem, destacando, inclusive, o seu amor à Poesia autêntica.
De sua bela mensagem, recebida pelo médium Xavier, a 3 de fevereiro de 1973, há um trecho para o qual solicitamos a atenção do leitor:
“Aqui não é muito diferente daí, embora aí seja muito diferente daqui. Explicar como é isso não sei ainda. Falo assim para dizer que tenho estado nas disciplinas necessárias. Tratamento intensivo a princípio, refazimento, escola e trabalho depois”.
Semelhante passo, efetivamente, confirma com exatidão as palavras de Allan Kardec, quando diz:
“A vida espiritual é, realmente, a verdadeira vida, a vida normal do Espírito. Sua existência terrena é transitória e passageira, uma espécie de morte, se comparada ao esplendor e à atividade da vida espiritual. O corpo é uma vestimenta grosseira, que envolve temporariamente o Espírito, verdadeira cadeia que o prende à gleba terrena, e da qual ele se sente feliz em libertar-se”.
Algo importante que todos os pais terrestres precisam meditar, esforçando-se pela desvinculação construtiva dos laços afetivos, enquanto na Terra:
“Somos hoje uma família maior. A princípio, quase quatro fevereiros de retaguarda, supúnhamos ser um grupo único, em nosso bairro feliz de São Paulo. Depois, de semana a semana, fomos descobrindo que somos muitos”.
Em verdade, no Mundo Espiritual, temos a família maior a nos aguardar, quando ocorre o fenômeno natural da morte, no Plano físico.
A tristeza daqui é contrabalançada pela indizível alegria dos que nos esperam no Além.
Com notável propriedade, assevera Augusto Cezar:
“O maior fenômeno é este profundo amor que nos reúne uns aos outros”, acrescentando: “Mesmo assim, envio lembranças às meninas e a todos — todos os nossos, desejando que a paz e a bênção de Deus estejam conosco em todos os passos”.
Allan Kardec, , cap. XXII, “Moral Estranha”, item 8, trad. de J. Herculano Pires, Edição Comemorativa do I Centenário (Paris, 1864 — São Paulo, 1964), Edição Calvário, 1965, p. 413.
Acima, está sendo listado apenas o item do capítulo 16.
Para visualizar o capítulo 16 completo, clique no botão abaixo:
Ver 16 Capítulo Completo
Este texto está incorreto?