ENTRE DUAS VIDAS
Versão para cópiaCharles Wandenberg Fernandes Cerboncini
Mãezinha, Deus nos ampare!
Este é um momento em que preciso agradecer a Deus e lembrar de Deus. Consigo falar alguma coisa no lápis e isto é muito para seu filho.
Rogo ao seu carinho e ao carinho dos nossos: não chorem mais. Esqueçamos o quadro a que a senhora se prendeu; naquela madrugada de maio, o dia raiou de novo para nós.
A via Anchieta foi para mim uma estrada maior. A vida, mãezinha, será sempre assim: um caminho que se abre em outro caminho, até que cheguemos a Deus.
Sei quanto se passou, agora que a calma se fez. Reporto-me ao assunto unicamente para informar.
O choque dos veículos foi quase que uma explosão nos meus ouvidos. Quis reagir, mas não consegui.
A hemorragia não era simples, o cérebro cedera, desejei falar à companheira que me seguia, mas o pensamento de improviso se tornou nebuloso e a expressão verbal impossível.
Ouvi gritos que se lançaram dentro da noite a terminar; mas depois foi um sono quase suave, sonhava que me via de regresso à casa para festejar o seu dia.
Sonhava… Sonhava… até que despertei em nosso próprio ninho doméstico. Suas lágrimas e o choro dos entes queridos caíam sobre o meu corpo físico.
Nada mais vi e nem sei quantas horas de anestesia consegui desfrutar.
Ainda hoje, na ânsia em que me vejo de responder aos seus apelos, ainda não sei medir o tempo.
Abeirei-me de seu regaço e pedi-lhe para não chorar; entretanto, houve um silêncio entre nós que eu não soube explicar a mim próprio.
Nossas lágrimas se misturaram sem se tocarem. De repente, um amigo surgiu e me afirmou que era o vovô Frei Wandenberg.
Aqueles olhos doces e serenos me inspiraram confiança e acolhi-me nos braços deles! Novamente dormi para acordar na escola-hospital, onde me encontro ainda.
Tenho pedido a Deus que me desse este instante.
Não pensem na morte. Vivam! É preciso viver.
Lembrei-me facilmente de nossas leituras e de nossas conversações sobre o mundo espiritual e tudo isso me auxiliou.
Luto ainda para equilibrar-me. Familiares do papai me visitaram e me ampararam. Também muitas dedicações dos queridos Fernandes.
Agora, mãezinha, se lhes posso pedir alguma coisa, além dos sacrifícios que fizeram por mim, ajudem-me com a paz e com a resignação.
Preciso retomar os meus estudos, mas isso exige serenidade. Perdoe-me se me decidi a descer para Santos, naquela noite. Desculpem por tudo.
Orem pela companheira que não tem qualquer culpa e que no íntimo ainda sofre.
Mãezinha, o amor é luz de compreensão. Abençoe o seu filho e abençoe também quantos me compartilharam a experiência.
Aqui vejo que só o bem faz a conta da vida que permanece.
Pensemos nisso e auxilie agora a nossa Valéria na realização de seus ideais e aspirações de menina. Deus abençoará a irmãzinha para que ela lhe seja um tesouro de bênçãos que há de nos enriquecer de confiança e alegria.
Conforte os nossos do coração, diga-lhes que não morri, que estou forte e sonhando novas formas de ser útil às criancinhas, aos doentes, aos necessitados e aos cegos.
Sei que posso esperar a sua cooperação e a cooperação dos nossos, e aguardarei esse amparo. Quanto pudermos, mãezinha, estendamos o bem aos outros.
A passagem na Terra é muito rápida; caminhemos plantando flores de paz e amor; sua ternura assim me ensinou e assim prosseguiremos.
Peço a Jesus, agora que valorizo a prece sentindo-lhe a importância real, para que fortaleça minha querida mãezinha e abençoe meu querido pai, a fim de que todos os amigos, embora em Planos diferentes, consigamos avançar no rumo da vida superior.
Mãezinha, agradeço de todo o meu coração as suas orações junto de minhas lembranças, porém, não chore mais; recorde que a vejo pelas forças do coração e ajude-me a ser forte tanto quanto preciso ser.
Agradeço as flores queridas que seu filho encomendara para o seu formoso dia, o Dia sublime das Mães, e que ficaram para mim mesmo. De tudo soube depois que a tempestade das ideias conflitantes cessou em meus pensamentos.
Nossa vida prosseguirá, nosso amor não tem despedida. Reflitamos nisso e confiemos em Deus, sempre unidos.
Amigos espirituais me auxiliam a escrever e agora, minha querida mãezinha, devo encerrar esta prova de carinho e fidelidade.
Não fique triste. A medicina prosseguirá onde estou e como estou com o amparo de Jesus e dos sábios mensageiros do bem, crescerei em conhecimentos novos para servir.
Agradeça a todos de casa por mim. Fale por mim, querida mãezinha, aquilo que continuo desejando escrever em matéria de carinho e não posso.
Através da oração e da saudade, do serviço aos nossos semelhantes e da fé viva em Deus, estaremos mais juntos. Isto, mãezinha, é tudo o que hoje posso dizer.
Guarde a nossa paz, a nossa alegria e receba aquele beijo de seu filho, sempre seu filho do coração,
(Uberaba, 8 de junho de 1973)
A “Mensagem Consoladora”, recebida pelo médium Xavier, na madrugada de 8 para 9 de junho de 1973, em reunião pública da Comunhão Espírita Cristã, em Uberaba, Minas, foi primeiramente publicada em “A Nova Era”, de Franca, Estado de São Paulo, de 31-7-1973, com ligeira nota da Redação afirmando que “a mensagem em si e os dados nela contidos são autênticos e totalmente comprovados pela família de Charles”.
O Sr. Murilo Matias de Faria, que titulou a página mediúnica, enriqueceu-a com dados substanciais que absolutamente não deixam margem a qualquer dúvida, em “O Semeador”, órgão da Federação Espírita do Estado de São Paulo, de agosto de 1973, dados estes que tomamos a liberdade de transcrever, na íntegra, eliminando apenas a disposição numérica no corpo da mensagem, por motivos óbvios.
Estudemos estas dramáticas
“EXPLICAÇÕES NECESSÁRIAS”:
“1. O DESASTRE — Na madrugada de 14 de maio de 1972, às 4:30 horas, houve um grande acidente na 5ia Anchieta, na altura do quilômetro 22,5 e o Volks placa BZ-8158 que Charles dirigia bateu em um ônibus. No acidente, veio o jovem a desencarnar.
2. A COMPANHEIRA — Estava com Charles no veículo sinistrado, uma acompanhante que, por motivos particulares e desconhecidos por todos, se evadiu no momento do acidente, permanecendo até o presente com a sua identidade ignorada, coisa que deixou a mãezinha de Charles muito constrangida.
3. O DIA DAS MÃES — O dia da desencarnação de Charles era “O Dias das Mães”, 14 de maio, do ano passado.
4. O NOME — Esmeralda Cerboncini, obstetra, atualmente residente à Rua Guapeva, 188 — Água Rasa — São Paulo, mãe de Charles, quando estava em trabalho de parto para dar à luz a Charles, no Hospital da Escola Paulista de Medicina, pensando que fosse desencarnar, pois há 15 dias vinha sofrendo desesperadamente e sem solução, desejou confessar-se e solicitou a presença de um padre. Acontece que naquele Hospital havia um frei em tratamento do coração e foi este quem a atendeu em confissão e lhe disse que, antes de ele tornar a vê-la, ela já teria tido um belo garoto, e este frei, tão logo saiu da sala, teve uma parada cardíaca, vindo a desencarnar. Como a presença daquele frei lhe fora tão confortadora e estimulante, encorajando-a e dando-lhe muita confiança e por motivo de ter o mesmo acertado no prognóstico do sexo da criança, D. Esmeralda quis que ele a visitasse já que começava a estimá-lo. Protelaram esse encontro; e tanto ela insistiu que veio a saber do ocorrido. Isto marcou-lhe fundo no sentimento de mãe reconhecida e grata. Solicitou da Madre Fontenele o nome daquele bondoso Frei Wandenberg e se empenhou com o seu marido, Sr. Reynaldo Cerboncini, a darem à criança o nome daquele que lhe fez a última confissão e que desencarnava enquanto seu filho nascia… D. Esmeralda já tinha um nome para dar à criança, caso fosse homem, o de Charles, em memória de um bondoso mestre de música que tanto a ajudara na sua infância pobre de menina amante da sétima arte. Depois de muita luta no cartório conseguiram registrar a criança com o nome de Charles Wandenberg Fernandes Cerboncini. Quando Charles, já no Grupo, quis saber o porquê desse Wandenberg no seu nome, a mãe — para não entrar em tais detalhes que talvez ele não fosse compreender —, disse-lhe ser o nome do vovô. Mas, quando Charles, já no Ginásio, verificou que os seus avós não tinham esse nome, soube de toda a verdade e corroborou o já aceito: Vovô Wandenberg. Somente seus pais e ele, Charles, sabiam deste pormenor, mais ninguém.
5. FERNANDES — Nome da família da mãe de Charles. Pai de D. Esmeralda.
6. O CURSO — Charles desencarnou com 22 anos e 28 dias. Era um jovem dinâmico, estudioso, formado em música pelo Conservatório Santa Cecília e desejava formar-se em Medicina
7. A VIAGEM TRÁGICA — Toda a família descera para Santos no dia 13 de maio de 1972, e Charles ficou em São Paulo estudando, pois iria para lá no domingo logo de manhã. Acontece que uma jovem pediu aos amigos de Charles o endereço dele e encontrando-o, solicitou-lhe que a levasse para Santos, o que ele fez, saindo de São Paulo no sábado de madrugada, quando ocorreu o desastre.
8. EXPERIÊNCIA — Daqueles que sofreram e sentem a partida de um ente querido e daqueles que também desencarnaram naquele acidente, pois vários veículos foram envolvidos e muitos sucumbiram.
9. VALÉRIA CERBONCINI — Irmã de Charles, com 13 anos de idade.
10. AJUDA FRATERNA — Charles sempre ajudou aos cegos, aos necessitados e às crianças em geral, pois seu coração de jovem detinha sentimentos de fraternidade que eram uma constante em toda a sua curta vida. Fazia muito mais do que aquilo que a sua própria família sabia, em esforços pessoais no sentido de ajudar a minorar os sofrimentos de seus semelhantes.
11. BUQUÊ DE FLORES — Charles havia encomendado à floricultura, na sexta-feira, um lindo ramalhete de flores para a sua adorada mãezinha, e quando ele desceu para Santos, naquela madrugada, não esquecera de levá-lo para ela, e este mesmo buquê serviu para ele mesmo, conforme diz a mensagem.
12. O BEIJO — Era um costume sadio e carinhoso que Charles tinha, toda a vez que se dirigia à sua mãe através de bilhetinhos, ele colocava no fim dos dizeres: um beijo do seu filho, sempre seu filho do coração… A mensagem assim termina.
Pelos doze itens acima, comprova-se a identidade do Espírito, uma vez que D. Esmeralda nada disse a Chico Xavier. Ela foi sozinha para Uberaba, ainda em roupa de trabalho, a fim de, mais uma vez, tentar em indo lá, receber alguma mensagem, um consolo, e saber do querido Chico como poderia ajudar ao Charles além de suas preces… porque, apesar de católica, D. Esmeralda acreditava que os chamados mortos poderiam comunicar-se com os vivos na carne (e agora ela tem certeza…) e a mensagem veio, em 52 páginas psicografadas em alta madrugada, num ambiente de orações, tranquilidade, em que o Alto chega a nós como dádiva do Pai.
Quero, ainda, comentar a narração de um detalhe importante de toda esta linda história que fez D. Esmeralda acreditar e ter esperanças na pessoa e na mediunidade cristalina do médium de Uberaba, o humilde Chico. Quando Charles desencarnou, devido à hemorragia, pois que não sofreu nenhuma fratura, seu corpo estava perfeito, somente havia dois cortes nas suas faces e esses cortes não foram devidamente suturados, e esvaiu-se em sangue por mais de 5 horas, pois o corpo ficou como que abandonado até que a família o localizasse. D. Esmeralda, com tanto conhecimento entre médicos, vira seu amado filho morrer por falta de assistência e então se revoltou e abandonou tudo, ficando assim como que desarvorada, à cata de consolações, à procura dos porquês, querendo explicações… e quando soube que o Chico Xavier estaria autografando livros na Casa Transitória em São Paulo, no mês de maio último, pediu ao seu marido que a levasse a ele. Ela queria vê-lo. O casal chegou lá pelas 9 horas e recebeu o cartão nº 4.366; pelos seus cálculos, estariam perto do Chico dali a umas 20 horas. Não poderiam esperar e ela necessitava falar-lhe. Soube então que o Chico estava numa reunião particular, com várias personalidades, deputados, vereadores, pois tratavam da concessão do título de “Cidadão Paulistano” ao médium, e ela conseguiu, por fim, se adentrar no recinto, com muita dificuldade, segurando entre as mãos e com a capa apertada e virada para o seu colo, o livro que o seu marido lhe comprara na entrada. Assim que ela se alojou muito mal entre aqueles que estavam por detrás do Chico, um rapaz lhe disse: “Dona, agora não é hora, o Chico só vai autografar livros depois das 14 horas”. Ela respondeu-lhe: “Mas não me interessa autógrafo, pois eu já tenho o livro, eu queria era cumprimentar o Chico!” Nisso, entre toda aquela barulheira e apertos e empurrões, Chico ouviu o que ela disse e voltando-se, sem a mirar, tocando-lhe nos ombros, por entre outros ombros, lhe diz: “Filha, você tem o livro? Então leia a página 107…” (ele não tinha visto o livro e nem sabia qual livro era…), e incontinenti, os presentes os distanciaram pelo acúmulo de gente e ela saiu da sala e, no carro com o marido, abriram o livro naquela indicada página e ambos com os olhos marejados, leram o seguinte:
Não olvides que, além da morte, continua vivendo e lutando o Espírito amado que partiu…
Tuas lágrimas são gotas de fel em sua taça de esperança.
Tuas aflições são espinhos a se lhe implantarem no coração.
Tua mágoa destrutiva é como neve de angústia a congelar-lhe os sonhos.
Tua tristeza inerte é sombra a escurecer-lhe a nova senda.
Por mais que a separação te lacere a alma sensível, levanta-te e segue para a frente, honrando-lhe a confiança, com a fiel execução das tarefas que o mundo te reservou.
Não vale a deserção do sofrimento, porque a fuga é sempre a dilatação do labirinto em que nos arroja a invigilância, compelindo-nos a despender longo tempo na recuperação do rumo certo.
Recorda que a lei de renovação atinge a todos e ajuda quem te antecedeu na grande viagem, com o valor de tua renúncia e com a fortaleza de tua fé, sem esmorecer no trabalho — nosso invariável caminho para o triunfo.
Converte a dor em lição e a saudade em consolo, porque, de outros domínios vibratórios, as afeiçoes inesquecíveis te acompanham os passos, regozijando-se com as tuas vitórias solitárias, portas a dentro de teu mundo interior.
Todas as provas objetivam o aperfeiçoamento do aprendiz e, por enquanto, não passamos de meros aprendizes na Terra; amealhando conhecimento e virtude, em gradativa e laboriosa ascensão para a vida eterna.
Deus, a Suprema Sabedoria e a Suprema Bondade, não criaria a inteligência e o amor, a beleza e a vida, para arremessá-los às trevas.
Repara em torno dos próprios passos. A cada noite no mundo segue-se o esplendor do alvorecer.
O inverno áspero é sucedido pela primavera estuante de renascimento e floração.
A lagarta, que hoje se arrasta no solo, amanhã librará em pleno espaço com asas multicolores de borboleta.
Nada perece. Tudo se transforma na direção do Infinito Bem.
Compreendendo, assim, a verdade, entesourando-lhe as bênçãos, aprendamos a encontrar na morte o grande portal da vida e estaremos incorporando, em nosso próprio Espírito, a luz inextinguível da gloriosa imortalidade.
“A Nova Era”, 31/7/1973, ano XLVI, N° 1.390.
“O Semeador”, agosto de 1973, ano 30, nº 355.
Francisco Cândido Xavier, , pelo Espírito de Emmanuel, Casa Editora “O Clarim”, Matão, Estado de São Paulo, pp. 107-108.
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