Enxugando Lágrimas

Versão para cópia
Capítulo II

Sonhos de noivado desfeitos na Terra


Temas Relacionados:

Meu querido pai, minha querida Maria José, nossa querida Zezé, meu bom irmão Antônio Garcia, rogo a bênção de Deus em nosso favor.

Venho pedir aos meus para que não chorem assim com tanta mágoa.

Há quase dois anos, a lei de Deus me trouxe para a vida nova, mas, querida irmãzinha, seu mano está preso, preso às aflições em casa. Não chorem mais com essa dor que mais nos parece um braseiro no coração.

Querida Maria José, preciso de sua conformação junto da mãezinha Laura e de meu pai.

Naquele dia de agosto, eu devia passar por Mogi-Mirim, alcançando a Anhanguera perto de Limeira, mas entendi que por Mogi-Guaçu seria um atalho e a viagem seria de menor tempo e arrisquei. Saí de Itapira alegre, mas tudo aconteceu como devia acontecer. Querida irmã, tudo aquilo que não depende de nós e que sucede contrariamente aos nossos desejos, vem da lei de Deus. Quando o choque dos veículos me abateu, senti-me num sono profundo e só acordei quando ouvi que me chamaram em casa, com muitas lamentações. A princípio, nada compreendi. Parecia-me num sonho-pesadelo, mas o amparo do vovô Manoel que me acolheu carinhosamente era para mim um socorro que não sabia como receber. Não conhecia as pessoas no começo de meu novo caminho, pois tive a ideia de me achar num hospital do mundo, no entanto, aos poucos, meu avó Manoel e a vovó Gabriela me esclareceram. Desde então, estou lutando muito para retornar à tranquilidade.

Estou ligado à nossa casa por fios que desconheço e hoje que sou trazido a lhes dar notícias, rogo as preces da conformação e da fé em Deus, em meu auxílio.

Zezé, minha querida irmã, peço a você fazer este meu pedido, finalmente à nossa Regina. Em verdade, os nossos sonhos de noivado se desfizeram na Terra, mas acima de tudo, somos irmãos. Nossa querida Regina é uma criatura admirável e logo que eu estiver tranquilo, tentarei colaborar para vê-la feliz.

Aí, não somos preparados na Terra para enfrentar o problema da vinda para cá. Penso que a falta de conhecimento coloca noventa por cento de dificuldades nos problemas que a morte do corpo nos obriga a aceitar.

Papai amigo e querida irmã, como peço igualmente a você, meu caro Garcia, ajudem-me com as orações da esperança e lembrem-se de que ninguém morre.

Nossos familiares nos auxiliam tanto em nossas doenças e provações do mundo… Por que não nos auxiliarem na renovação em que nos vemos, nós, os que perdemos uma estrada para entrarmos em outra? Tenham confiança em Deus e amparem-me.

Estou precisando muito da paz em vocês para encontrar a paz em mim. Estarei com vocês nas orações. Vovó Gabriela, aqui comigo, abraça-os e eu, querido pai e querida irmã, lembrando a mãezinha e todos os nossos, deixo-lhes nestas escritas o coração reconhecido de filho e de irmão que pede a Jesus nos fortaleça e nos abençoe.


João Jorge


Antes que passemos ao estudo da mensagem a que demos o título de “Sonhos de Noivado Desfeitos na Terra”, vejamos o que diz a questão 936 de O Livro dos Espíritos: ()

“— Como as dores inconsoláveis dos sobreviventes afetam os Espíritos que lhe são objeto?

O Espírito é sensível à lembrança e aos lamentos daqueles que amaram, mas uma dor incessante e irracional o afeta penosamente, porque ele vê nessa dor excessiva uma falta de fé no futuro e de confiança em Deus e, por conseguinte, um obstáculo ao progresso, e, pode ser, ao reencontro.”


O Espírito, estando mais feliz no Além que na Terra, naturalmente dispensa lamentações.

Dois amigos são prisioneiros e encerrados no mesmo cárcere prossegue Kardec () — ambos devem um dia readquirir a liberdade, mas um deles a obtém antes do outro. Seria caridoso, àquele que fica, descontentar-se porque o amigo seja libertado antes dele? Não haveria mais egoísmo que afeição em semelhante atitude?

Em seguida, anotemos um capítulo da Revista Espírita — Primeiro Ano — 1858 — “Evocações Particulares” —, ao qual Allan Kardec deu o título de “Mamãe, aqui estou!”: ()

“A Sra. XXX havia perdido, meses antes, a filha única, de quatorze anos, objeto de toda sua ternura e muito digna de seus lamentos, pelas qualidades que prometiam torná-la uma senhora perfeita. A moça falecera de longa e dolorosa enfermidade. Inconsolável com a perda, dia a dia a mãe via sua saúde alterar-se e repetia incessantemente que em breve iria reunir-se à filha. Informada da possibilidade de se comunicar com os seus de além-túmulo, a Sra. XXX resolveu procurar, na conversa com a filha, um alívio para a sua pena. Uma senhora de seu conhecimento era médium; mas, pouco afeitas uma e outra a semelhantes evocações, principalmente numa circunstância tão solene, pediram-me assistência. Éramos três: a mãe, o médium e eu. Eis o resultado dessa primeira sessão.

A Mãe: “Em nome de Deus Todo-Poderoso, Espírito de Júlia, minha filha querida, peço-te que venhas, se Deus o permitir.”

Júlia: “Mamãe, aqui estou!”

A Mãe: És tu, minha filha, que me respondes? Como posso saber que és tu?

Júlia: Lili. (Era o apelido familiar, dado à moça em sua infância. Nem o médium o sabia, nem eu, pois há muitos anos só a chamam Júlia. Com este sinal a identidade era evidente. Não podendo dominar sua emoção, a mãe rebentou em soluços).

Júlia: Mamãe, por que te afliges? Eu sou feliz, muito feliz. Não sofro mais e vejo-te sempre.

A Mãe: Mas eu não te vejo! Onde estás?

Júlia: Aí a teu lado, com a minha mão sobre a Sra. X (o médium) para que escreva o que te digo. Vê a minha letra (A letra era realmente a da moça).

A Mãe: Tu dizes: minha mão. Então tens corpo?

Júlia: Não tenho mais o corpo que tanto me fez sofrer; mas tenho a sua aparência. Não estás contente porque não sofro mais e porque posso conversar contigo?

A Mãe: Se eu te visse reconhecer-te-ia então?

Júlia: Sim, sem dúvida; e já me viste muitas vezes em teus sonhos.

A Mãe: Com efeito, eu te revi nos meus sonhos; mas pensei que fosse efeito da imaginação; uma lembrança.

Júlia: Não; sou eu mesma, que estou sempre contigo e te procuro consolar; fui eu quem te inspirou a ideia de me evocar. Tenho muitas coisas a te dizer. (…)

A Mãe: Estás entre os anjos?

Júlia: Oh! ainda não: não sou bastante perfeita.

A Mãe: Entretanto, não te conhecia nenhum defeito; eras boa, meiga, amorosa e benevolente para com todos. Então isto não basta?

Júlia: Para ti, mãe querida, eu não tinha defeitos, supunha eu, pois mo dizias tantas vezes! Mas agora vejo o que me falta para ser perfeita.

A Mãe: Como adquirirás essas qualidades que te faltam?

Júlia: Em novas existências, que serão cada vez mais felizes.

A Mãe: É na Terra que terás novas existências?

Júlia: Nada sei a respeito.

A Mãe: Desde que não fizeste o mal em tua vida, por que sofreste tanto?

Júlia: Prova! Prova! Eu a suportei com paciência, pela minha confiança em Deus. Hoje, sou muito feliz por isto. Até breve, querida mamãe!

Ante fatos que tais, quem ousará falar do nada do túmulo, quando a vida futura se nos revela, por assim dizer, palpável? Essa mãe, minada pelo desgosto, experimenta hoje uma felicidade inefável em poder conversar com a filha; entre elas não mais separação; suas almas confundem-se e se expandem no seio uma da outra, pela troca de seus pensamentos.

A despeito do véu com que cercamos esta relação, não a teríamos publicado se não tivéssemos tido autorização formal. Aquela mãe nos dizia: Possam todos quantos perderem suas afeições terrenas experimentar a mesma consolação que experimento!

Acrescentaremos apenas uma palavra aos que negam a existência dos bons Espíritos. Perguntamos como poderiam provar que o Espírito desta jovem fosse um demônio malfazejo?”


Servindo-nos das notas que acompanharam a publicação da mensagem sob nossa análise, na Folha Espírita de novembro de 1976, com o título “Mensagem de João Jorge para o pai”, concluamos este já longo capítulo.


1. “Maria José, nossa querida Zezé”: Sra. Maria José Lima dos Santos, irmã do missivista desencarnado, cujo apelido familiar, de fato, é o citado na mensagem — Zezé.


2. “Meu bom irmão Antônio Garcia”: Antônio Garcia dos Santos, cunhado de João Jorge.


3. “Mãezinha Laura”: Sra. Laura Martins Pereira Lima, genitora do comunicante.


4. Mogi-Guaçu: cidade paulista, local do acidente.


5. Itapira: cidade do Estado de São Paulo, onde trabalhava João Jorge.


6. Vovô Manoel: Trata-se do Sr. Manoel Cândido de Lima, desencarnado a 22 de janeiro de 1926, avô paterno do autor da mensagem.


7. Vovó Gabriela: O Espírito se refere à sua avó paterna, Sra. Gabriela Inocência da Conceição, desencarnada a 1º de abril de 1973.


8. “Em verdade, os nossos sonhos de noivado se desfizeram na Terra, mas acima de tudo, somos irmãos. Nossa querida Regina é uma criatura admirável e logo que eu estiver tranquilo, tentarei colaborar para vê-la feliz”. João Jorge faz alusão àquela que lhe fora noiva na Terra: Srta. Regina Yara Di Giorgio.


9. Nome do pai do comunicante: Sr. João Cândido de Lima, residente em São Joaquim da Barra, Estado de São Paulo.


Concluindo, convidamos a atenção do leitor amigo apenas para dois pontos da mais alta importância.

a) a mensagem psicografada pelo médium Xavier, ao final da reunião pública do Grupo Espírita da Prece, na noite de 23 de julho de 1976, em Uberaba, alerta-nos quanto à necessidade da preparação para a morte, já “que a falta de conhecimento coloca noventa por cento de dificuldades nos problemas que a morte do corpo nos obriga a aceitar”;

b) necessidade da conformação, da confiança em Deus, por parte dos que ficam. Depois de tantas considerações, numa tentativa de compreender a mensagem de João Jorge e revesti-la do valor que merece, não nos furtamos ao prazer de encerrar nosso estudo com um trecho que sempre nos oferecerá motivo para meditações profundas:

“Nossos familiares nos auxiliam em nossas doenças e provações do mundo… Por que não nos auxiliarem na renovação em que nos vemos, nós, os que perdemos uma estrada para entrarmos em outra?”


Elias Barbosa


O Livro dos Espíritos, Trad. de Salvador Gentile, 3ª edição, Instituto de Difusão Espírita, Araras (SP), 1977, p. 364.

Revista Espírita — Jornal de Estudos Psicológicos — Primeiro Ano — 1858, Trad. de Júlio Abreu Filho, Editora Cultural Espírita Ltda. — EDICEL — São Paulo, 1964 — pp. 16-17.

, São Paulo, Novembro de 1976, Ano II, nº 32, p. 4.



João Jorge
Francisco Cândido Xavier

Este texto está incorreto?