Enxugando Lágrimas

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Capítulo X

A grande transformação


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Uberaba, 20-05-1972.


Querida Lélia, Deus nos proteja.

O tempo corre como sempre, e o que é mais importante é que continuamos vivos com o tempo. Estranho isso, hoje em que falo a você, escorado em amigos, como quem abre uma janela de um mundo para outro. Se alguém me dissesse aí que passaríamos por isso, de certo não teria acreditado.

Mas a vida é a vida, e nós somos nós. Paciência, minha querida.

O que temos sofrido em saudade, sabe Deus. As horas contadas de recordação em recordação, a dor da ausência sem meios de reencontro no mesmo nível, são aflições que as palavras não exprimem.

Ainda assim, querida Lélia, é preciso reconhecer que o reencontro existe, mas em que base! Você e eu chorando tantas vezes juntos, sem que nos identifiquemos um perante o outro. Agora, porém, a serenidade vai sendo restaurada.

Compreendemos a luta, e compreender é tudo para começarmos ou realizarmos um trabalho seguro. E o trabalho seguro para nós dois hoje é o da conformidade com os desígnios da Lei de Deus.

Estimaria falar muito, relacionar muita coisa, conversar, contar novidades, mas escrever assim como estou fazendo, exige muita atenção. Pelo menos em meu caso é assim. Para dirigir a você o meu pensamento, devo fixar-me de modo quase que absoluto em sua presença. Creio que me vejo ao modo de um menino de escola aprendendo e reaprendendo.

Auxilie-me sempre. Os seus pensamentos e preces têm sido para mim um alimento indefinível.

Sei tudo o que você tem experimentado no capítulo da transformação de nossa casa. Às vezes eu, muitas vezes, estou ao seu lado na expectativa como acontece com você mesma, isto é, abençoando os filhos queridos e aceitando-lhes as deliberações. Confiemos. Todos são bons, corretos, amigos. E sabem o que temos sofrido, desde o nosso passeio à Bela Vista. Você imagine. O casamento de nossa Simone era uma festa, uma festa que durou vários dias e saímos da festa para a grande transformação.

O que sucedeu, em pormenores, não sei. Ainda não posso conhecer tudo. Sei apenas que quando despertei, procurei por você com desespero, até que soube do fato fundamental.

Não estava mais em nossa casa e nem me achava em qualquer hospital de Goiânia, como supus a princípio. Meu mundo era outro, mas, graças a Deus, você ficara por saldo de paz e esperança para mim, depois de tanto resgate em sofrimento.

Nossos amigos aqui, os que me auxiliam, afirmam que não devo escrever a palavra “sofrimento”, mas me perdoam porque ainda não tenho outra para significar o que senti no acidente para nós dois inesquecível.

Felizmente, Lélia, você ficou para sustentar os nossos meninos, abençoá-los com o seu carinho e com a sua presença.

Tudo o que pude fazer, embora fraco e inseguro quanto me achava, vim a fazer para vê-la recuperada: Graças a Deus, você está firme e valorosa como sempre. Não tema.

Quando você conversa comigo em pensamento, buscando trocar ideias, estou ouvindo, não receie.

Tudo o que você tem feito pela tranquilidade de nossos filhos está certo. Ajude a todos para que a ponderação e a tolerância nos guardem.

As lutas e os problemas são inevitáveis. São cadernos de lições em cujas folhas devemos lançar as equações da experiência construtiva que já possamos adquirir.

Abençoe sempre, somos pais, perante Deus, e Deus nos dará inspiração e força.

Tenhamos fé. Você e eu sabemos, hoje, que todos os planos e realizações podem ser alterados por Deus, num simples minuto.

Quem de nós poderia saber naquela manhã de adeus, que uma visita suposta ligeira às jabuticabas, iria criar tanta mudança para nós dois?

Continue agora com o nosso programa, aliás, continuemos, porque estou com você. O bem aos que sofrem mais que nós, é hoje o nosso objetivo. Prossigamos.

Tudo o que você está fazendo é aquilo que você me ensinava, sem que eu pudesse de pronto compreender. Presentemente, estou mais apto.

Você não é somente a esposa e companheira de todos os momentos, é também a professora e benfeitora com quem preciso me renovar.

Querida Lélia, minha querida Lélia, a memória já não aguenta a carga de muita emoção. Escrevi o que pude. Mais não consigo. Perdoe-me se termino. Estimaria continuar, dirigindo-me aos nossos, mas devo parar a fim de não perder o fio dos meus pensamentos certos.

Abrace os nossos filhos queridos, por mim, incluindo a todos os familiares que nos são abençoado apoio nos caminhos da vida. Seu pai e outros amigos estão comigo. Até breve, minha querida, apesar deste “até breve” estar significando três palavras do coração e estarmos sempre “juntos”.

Com você, todo o coração e toda a saudade com a gratidão e carinho do seu


Alvicto


Alvicto, nosso conhecido de capítulos anteriores, apenas acrescenta na mensagem que esperou cinco anos para escrever, fazendo-o, ainda, com dificuldade, “ao modo de um menino na escola aprendendo e reaprendendo”, segundo afirma com humildade, que sua desencarnação se deu quando se dirigia com a esposa, D. Lélia, para Bela Vista, cidade próxima de Goiânia, à cata de jabuticabas, fato confirmado pela família do comunicante, reiterando as dificuldades antes apontadas pelo seu sogro — Antenor —, logo após o acidente automobilístico, em companhia da esposa, que sobreviveu com algumas fraturas, quatro dias após o casamento da filha Simone.

Cientes quanto aos detalhes da experiência de Alvicto, detenhamo-nos no ponto seguinte:

“Nossos amigos aqui, os que me auxiliam, afirmam que não devo escrever a palavra “sofrimento”, mas me perdoam porque ainda não tenho outra para significar o que senti no acidente para nós dois inesquecível.”

Em torno do sofrimento, não nos furtemos à oportunidade de citar algumas palavras do Espírito de Madame de Staël (Anne Luise Gemaine Necker, nascida em Paris, em 1766 e aí desencarnada, em 1817), transmitidas espontaneamente, a 28 de setembro de 1858, na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, pela médium psicógrafa senhorinha E.:

“Viver é sofrer. Sim: mas a esperança não segue ao sofrimento? Não pôs Deus maior dose de esperança no coração dos infelizes? Criança, o prazer e a decepção acompanham o nascimento; mas à sua frente marcha a Esperança, que lhe diz: Avança! A felicidade está no fim. Deus é clemente.

“Por que, perguntam os Espíritos fortes, por que vir ensinar-nos uma nova religião, quando o Cristo estabeleceu as bases de uma tão grandiosa caridade? de uma felicidade tão certa? Não pretendemos reformar aquilo que o grande reformador ensinou. Não: vimos apenas reafirmar nossa consciência, aumentar nossas esperanças. Quanto mais se civiliza o mundo, mais deveria ele ter confiança e mais ainda temos necessidade de o sustentar. Não queremos mudar a face do universo: vimos ajudar a torná-lo melhor. Se neste século não viermos em auxílio do homem, este será muito infeliz, pela falta de confiança e de esperança. Sim, homem sábio, que lês nos outros, que procuras conhecer aquilo que pouco te importa e que afasta aquilo que te concerne: abre os olhos e não desesperes; não digas que o nada pode ser possível, quando em teu coração deverias sentir o contrário. Vem assentar-te a esta mesa e espera, pois aí serás instruído quanto ao teu futuro e serás feliz. Aí há pão para todos: Espírito, todos vos desenvolvereis; corpo, todos vos alimentareis; sofrimento, vós vos acalmareis; esperança, florescereis e embelezareis a verdade, para faze-la suportar.” ()


Depois de se referir ao sogro presente — Sr. Antenor de Amorim do Nascimento — e a outros amigos, Alvicto alude às “três palavras do coração”, significando, a nosso ver, os três filhos — Simone, Luiz Manoel e Antenor.


Elias Barbosa


Revista Espírita, Primeiro Ano — 1858, Trad. de Júlio Abreu Filho, EDICEL, São Paulo, 1964, p. 319.



Alvicto
Francisco Cândido Xavier


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