Estrelas no Chão
Versão para cópiaDesengano de cantador
Cantador que vem da morte, Quando se põe a lembrar, Não sei se sente conforto, Se tem prazer ou pesar, Mas de visita aos amigos Tem muita cousa a contar. No sertão, onde eu morava, Guardava o que mais queria: Plantação de jirimum, De cana e de melancia, Lavoura cercando o engenho E casa na freguesia. Trazia minha mulher Toda enfeitada de fita, De filhos, tinha uma dupla Que nunca vi tão bonita; Em casa, tinha oratório Em honra de Santa Rita. Mantinha dinheiro em cofre, Barra de ouro e dobrão, Meu grande anel com brilhante Não me saía da mão; Tinha caçamba de prata Em meu cavalo alazão. Para mim, todo mendigo Parecia muquirana, Carregava sempre aceso O meu charuto de Havana; Merenda de minha mesa Era feita em porcelana. Do meu alpendre florido, Sentado num canapé, Negava comida aos pobres Mesmo que fosse a coité; Para criança andrajosa Tinha grito e pontapé. Tempo chega, tempo passa, Em certo dia agourento, Chegou a Morte e me disse: — Patrão, não seja birrento, Não me recuse o serviço Que é chegado o seu momento. O choque me derrubou, A cabeça ficou fria, Caí num sono danado No qual nem sonho sentia; Minha prosa terminara, Acabou-se a valentia. A casa que eu construíra Era tapera sem trato, Minha lavoura de engenho Sumira, dentro do mato; Meu nome era ponto certo Para surra e desacato. Por fim, chorei sem remédio; Ali não tinha mais vez E afastei-me compreendendo, Com medonha lucidez, Que a gente colhe no mundo E a vida que a gente fez. Conto aqui a minha história A quem possa acreditar; A quem não possa, desejo As bênçãos que Deus mandar, Porque a morte vem a todos Sem distinção de lugar. Adoto nome trocado E assino como convém; Sei que a vaidade da Terra Não tem valor de um vintém, Mas tenho amigos no mundo, Não quero ferir ninguém. |
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