Excursão de Paz

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Capítulo XIV

Cantoria da Morte


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Hoje, preciso enfrentar

Problema de grande porte,

Há quem me peça este assunto

Supondo que eu seja forte,

Mas não há quem forte seja,

Ante a presença da morte.


Não é a morte a megera

Dos quadros de antigamente,

Uma forma de esqueleto

Com foice mirando a gente,

A morte em cada pessoa

Mostra face diferente.


Conheço um homem que, um dia,

Foi procurado por ela,

Parecia uma enfermeira

Que lhe escorava a espinhela;

Trazia sono… e o coitado

Caiu logo na esparrela.


Quando ele quis acordar

Do sono que ela trazia,

Os pés estavam parados,

Na geada que sentia,

Quis falar, porém, a boca

Estava selada e fria.


Enxergava o próprio corpo

Que ele mesmo havia usado,

Tão quieto que parecia

Um velho tronco espinhado,

No entanto, não descobria

Nenhuma bruxa de lado.


Imaginando que a morte

Ali pousasse escondida,

Ele gritou: “Dona Morte,

Não entro nesta partida,

Tenho muito que fazer,

Não posso perder a vida.


“Tenho muitos compromissos,

Deveres para tratar,

Pedidos de clientela,

Obrigações em meu lar,

Quero o meu corpo, de novo,

Para a vida regular.”


A bruxa estava invisível,

Nem de leve apareceu,

Mas uma voz esquisita

Logo, logo, respondeu:

“Não me peças o impossível,

Que teu corpo já morreu.”


O homem apavorado

Replicou, na mesma hora:

“Eu quero o meu corpo vivo,

Não sei andar de demora,

Suplico na confiança

Em Deus e Nossa Senhora.”


Mas a voz falou mais firme:

“Largaste o corpo no mundo,

Quando a vida se transfere,

A mudança é num segundo,

A tua prece de agora

Parece um cheque sem fundo.


“Nada tens a reclamar,

O teu pedido não vinga,

Viveste como quiseste

Catando caso e mandinga,

Mesa farta e rede fofa,

Fandango e trago de pinga.


“Nasceste de boa gente,

Mas não vês o tempo gasto,

Em que mais te parecias

A touro novo no pasto,

Se vias qualquer morena,

Seguias cheirando o rasto.


“Algum bem trazes contigo,

Isso, porém, é. dever,

Mas quantas horas perdidas

Que não podes devolver!…

Cala-te e pensa na conta

Do que deixaste a fazer…”


“Qual será o meu lugar?”

Indagou o pobre amigo.

A voz pronta esclareceu:

“Deus não aprova castigo;

Estarás no purgatório

Que já carregas contigo.


“Muito serviço te espera

Para a conquista da paz.

Trabalha, não te lastimes,

O tempo não volta atrás.

Céu, inferno e purgatório

Cada um tem os que faz.”


Ele, aí, falou à voz:

“Serás a morte na essência?”

Ela, porém, respondeu

Com firmeza e paciência:

“A morte é caso passado…

Sou a tua consciência.”


De repente, despertando,

Vi que tudo em mim tremeu,

Larguei, correndo, assustado

O corpo que fora meu…

Então, descobri que o homem

Não era outro… Era eu.




Leandro Gomes de Barros
Francisco Cândido Xavier


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