Feliz Regresso

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Capítulo IV

Mirna Lagorga


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Querida mãezinha, meu querido papai Ubirajara. Sou eu a pedir-lhes para que me abençoem. Reúno o Maurício e o Cuca no mesmo abraço.

Isto que faço agora é de uma surpresa sem tamanho. Não esperava pudesse chegar até aqui, à maneira de uma aluna em massacre de vestibular. Não me levem a mal. Não estou subestimando a reunião de amigos. É o inabitual, o imprevisto. Chorar, já o fiz de modo quase terrível. Agora, esforço-me para comparecer com serenidade nesta janela de notícias para alô do coração.

Mãezinha Edith, o que foi meu espanto na queda não posso escrever. Acostumara-me aos passeios e às pequenas excursões, absolutamente sem medo de perigo. O nosso querido Cuca sabe disso.

Temperamento de menina insatisfeita. Não sei explicar. Lá por dentro de mim, andava aquela ansiedade de inovação.

Aí está meu companheiro dileto, aquele mesmo com quem meus sonhos estavam combinados.

Conversamos sobre novos processos de vida e quanto a melhores aberturas de relacionamento. Para mim, estava encerrada no mundo, tanto quanto me via encarcerada em mim própria.

A sede de libertação digna, a fome de padrões que nos renovassem a existência me castigavam as emoções. Isso tudo me fazia parecer extrovertida.

Emoções abertas para um ambiente fechado de nuvens. Lâmpada constantemente acesa, na força da alegria, querendo quebrar as sombras que aparecessem no caminho.

Assim era eu, uma espécie de mariposa que se embriagava na luz da amizade e da esperança.

No íntimo, queria a felicidade de toda gente e, por isso, me exteriorizava por qualquer ocorrência a que procurava aplicar as lentes de meu otimismo.

Aí está o querido Maurício, irmão e amigo. Lembro-lhe os conselhos. Aquele olhar ensaiando severidade na face do garoto maravilhoso que é meu irmão prodígio! Sabia ouvir os seus apontamentos e avaliar respeitosamente a sua austeridade de menino perfeito…

Às vezes, compreendia que não chegava a convencê-lo, mas esperava sempre um amanhã no qual o querido Cuca me auxiliasse a tranquilizá-lo a meu respeito… E os dias passaram, até que, ao buscar um ingrediente qualquer para amaciar os cabelos, a queda do veículo me deixou nas condições que recordamos…

Pai querido e querida mamãe, se fui estouvada, perdoem-me. Este não era meu plano. Queria a vida plena, mas sabia guardar-me na liberdade que me ensinaram a usar com responsabilidade e nobreza.

Sofri muito, a princípio. Ouvia-lhes os comentários em voz baixa, as notas de oração em pessoas amigas, até que o sono me favoreceu. Um sono grande e sem sonhos.

Quando me vi restituída ao próprio discernimento, alguém velava comigo, entre as enfermeiras desconhecidas, que me amparavam, vovó Maria, aquela que foi para a mãezinha Edith um anjo guardião, me afagava e me pedia esquecer…

Não era fácil. Todos de casa, incluindo o companheiro dos ideais de noivado, estavam comigo.

Ainda ignoro como esclarecer de que modo me achava ali, numa paisagem diferente e em casa ao mesmo tempo. Hoje creio que o pensamento é um laboratório de milagres, porque a divisão de minhas impressões coincidia com a perfeita identidade pessoal de mim para comigo.

O susto prolongado com os choques retardados na memória me atribularam por muitas semanas, até que os amigos novos de minha nova moradia me avisaram que vocês me esperavam a palavra.

Tentei abreviar o processo de autodisciplina e me vejo aqui, nesta sala em que tanta gente boa irradia luz e bondade.

Mãezinha, papai, querido Maurício e querido Cuca, a mudança de Plano não nos altera. Sou a mesma, mas realmente passada a limpo. Quero pensar mais e ajustar-me com mais segurança aos ensinamentos novos. Preciso ser útil aos que amo.

Com o auxílio dos instrutores que me esclarecem, espero a possibilidade de colaborar com o Cuca na descoberta da felicidade.

Não podemos duvidar disso. Felicidade não é artigo de aquisição exclusiva. O querido amigo será feliz sem que eu lhe tome a frente ou a retaguarda, todos os dias, dentro de uma casa. Entre nós não foi cultivada qualquer ideia de afeição egoísta e possessiva. Já sei que se fosse ele o objeto da transferência em que me vi, de inesperado, teria desejado a mim o que peço a Deus para ele agora — a felicidade com alguém que lhe faça o caminho terrestre menos áspero. Isso não é ausência de amor e nem desapego. É compreensão com amor muito maior. Se todos nos encerrássemos numa concha de afeição unicamente a dois, realmente nem filhos poderiam surgir na Terra e isso não vem de Deus. Cuca e Maurício serão felizes tanto quanto meus pais o serão cada vez mais.

Sinceramente, ainda estou aturdida. O tempo é estreito para assimilar tudo o que ouço e vejo por fora de mim. Espero que conseguirei ampliar as faixas do meu gravador de lições. Por agora, no entanto, posso dizer-lhes que o meu amor é sempre maior.

Estou grata por não criarem qualquer contratempo para os meus amigos de motos e carros, passeios e vivências. Maurício querido, agradeço tudo o que você me disse, fixando-me o retrato em suas lembranças, depois dos tratamentos finais a que me submeteram.

Querido irmão, saiba você que nunca desci da sua confiança e nem me afastei de tudo o que nossos queridos pais me ensinavam. Voltei para cá ao esperar por uma vida que realmente não cheguei a viver. Entretanto, hoje sei que não podia ser de outra maneira. O gongo me retiraria muito cedo do cenário de minhas representações.

Estou conformada, não sem que saudades muitas me sigam ainda, mas vocês me auxiliarão como sempre e creio que os professores daqui podem claramente fornecer-me um atestado com boas notas de reação.

Quero aprender e trabalhar por aqui, adquirindo conhecimento e valor:

Ajudem-me, a me lembrarem fora de moto e morte. Recordem-me na alegria de que Deus nos enriqueceu e serão meus sustentáculos na reforma que vou realizando em mim com o vagar necessário.

Se fosse escrever tudo o que desejo, tenho a ideia de que traria esta noite para o papel. Pensando nisso, não posso abusar.

Querida mãezinha Edith e querido papai, creiam que não me perderam. Sinto-me mais viva do que nunca, embora em condições muito diversas.

Maurício e Cuca abracem-me no pensamento, retribuindo o carinho em que busco envolvê-los e aos pais queridos, um beijo longo de longas saudades marcadas de imenso amor, de constante amor que lhes oferece a filha que procura guardá-los no cofre do coração,


Mirna

COMENTÁRIOS

A felicidade que a família Lagorga perdera no desalento, voltou no calor da alegria.

A formação de sentimentos novos, com a segurança e a certeza entre as duas vidas, estimulou-a ao receber do Mais Além a mensagem dessa jovem, que procura ressaltar os valores do dia a dia.

Os pais se reconfortam.

No diálogo com seu irmão Maurício, preocupada, tenta aclarar-lhe os pensamentos e abre-lhe novos horizontes. Confirma realidades.

Ao sair à procura de um shampoo para amaciar os cabelos, a jovem encontrou a morte do corpo, em Ocian, cidade praiana. Esse detalhe trouxe para sua mãe momentos difíceis. Mirna lhe dissera precisar sair em busca de um bronzeador. Sua prima, que se acidentara também no choque com a moto, esclareceu que Mirna, no ato da compra, trocara de produto. Esse observação valoriza sobremaneira as suas palavras impressas.


PESSOAS E FATOS

Mirna Lagorga: Nascimento: 5.8.1961. Desencarnação: 27.10.1977.

Pais: Ubirajara Lagorga e Antônia Edith Lagorga — Rua do Centro, 973 — Camilópolis, Santo André — SP.

Irmão: Maurício Lagorga

Vovó Maria: Bisavó materna.

Edemir Rodrigues Lima (Cuca): Na ocasião seu namorado.


Rubens S. Germinhasi


Mirna
Francisco Cândido Xavier


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