Mãe Antologia Mediúnica

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Capítulo LXXV

Seara de ódio

— Não! não te quero em meus braços! — dizia a jovem mãe, a quem a Lei do Senhor conferira a doce missão da maternidade, para o filho que lhe desabrochava do seio — não me furtarás a beleza! Significas trabalho, renunciação, sofrimento…

— Mãe, deixa-me viver!… — suplicava-lhe a criancinha no santuário da consciência — estamos juntos! Dá-me a bênção do corpo! Devo lutar e regenerar-me. Sorverei contigo a taça de suor e lágrimas, procurando redimir-me… Completar-nos-emos. Dá-me arrimo, dar-te-ei alegria. Serei o rebento de teu amor, tanto quanto serás para mim a árvore de luz, em cujos ramos tecerei o meu ninho de paz e de esperança…

— Não, não….

— Não me abandones!

— Expulsar-te-ei.

— Piedade, mãe! Não vês que procedemos de longe, alma com alma, coração a coração?

— Que importa o passado? Vejo em ti tão somente o intruso, cuja presença não pedi.

— Esqueces-te, mãe, de que Deus nos reúne? Não me cerres a porta!…

— Sou mulher e sou livre. Sufocar-te-ei antes do berço…

— Compadece-te de mim!…

— Não posso. Sou mocidade e prazer, és perturbação e obstáculo.

— Ajuda-me!

— Auxiliar-te seria cortar em minha própria carne. Disputo a minha felicidade e a minha leveza feminil…

— Mãe, ampara-me! Procuro o serviço de minha restauração…

Dia a dia, renovava-se o diálogo sem palavras, até que, quando a criança tentava vir à luz, disse-lhe a mãezinha cega e infortunada, constrangendo-a a beber o fel da frustração:

— Torna à sombra de onde vens! Morre! Morre!

— Mãe, mãe! Não me mates! Protege-me! Deixa-me viver…

— Nunca!

— Socorre-me!

— Não posso.

Duramente repelido, caiu o pobre filho nas trevas da revolta e, no anseio desesperado de preservar o corpo tenro, agarrou-se ao coração dela, que destrambelhou, à maneira de um relógio desconsertado…

Ambos, então, ao invés de continuarem na graça da vida, precipitaram-se no despenhadeiro da morte.

Desprovidos do invólucro carnal, projetaram-se no Espaço, gritando acusações recíprocas.

Achavam-se, porém, imanados um ao outro, pelas cadeias magnéticas de pesados compromissos, arrastando-se por muito tempo, detestando-se e recriminando-se mutuamente…

A sementeira de crueldade atraíra a seara de ódio. E a seara de ódio lhes impunha nefasto desequilíbrio. Anos e anos desdobraram-se, sombrios e inquietantes, para os dois, até que, um dia, caridoso Espírito de mulher recordou-se deles em preces de carinho e piedade, como a ofertar-lhes o próprio seio. Ambos responderam, famintos de consolo e renovação, aceitando o generoso abrigo…

Envolvidos pela carícia maternal, repousaram enfim.

Brando sono pacificou-lhes a mente dolorida.

Todavia, quando despertaram de novo na Terra, traziam o estigma do clamoroso débito em que se haviam reunido, reaparecendo, entre os homens, como duas almas apaixonadas pela carne, disputando o mesmo vaso físico, no triste fenômeno de um corpo único, sustentando duas cabeças [Xipofagia].


(.Humberto de Campos)


Irmão X
Francisco Cândido Xavier


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