Maria Dolores

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Capítulo XI

Drama de mulher


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O público, no júri, ouvia atento…


Um moço pobremente apresentado

Era o terrível réu em julgamento.


Prosseguia a falar o promotor:

— Senhores do conselho de sentença

A casa da justiça é uma casa que pensa.

Certo, já conheceis

O perigoso salteador que temos sob a vista,

É homicida e ladrão

Quer, por vezes, passar por jovem cientista,

Furtando assinaturas,

Falsificando documentação…

Não tem vinte e seis anos de contado

E não passa de reles celerado.


Se vos escravizais à compaixão cediça,

Que será da justiça?

Representais aqui toda a comunidade,

Examinai o delinquente,

Estudando à vontade

O processo que o mostra claramente.

E condenais sem medo,

Sem que o falso carinho vos degrade

O sentido de ordem, de defesa

Contra o império do mal

Que ameaça ferir a natureza,

De maneira fatal…


O silêncio pesou, na sala imensa,

Toda a assembleia escuta, extática e suspensa.

Por fim, o promotor, depois de grande pausa,

Anunciou em voz tonitroante:

— Aos senhores jurados neste instante,

Peço a condenação do réu em causa.


Antes, porém que o tribunal

Fosse parlamentar em confidência,

Uma senhora idosa da assistência

Extremamente pobre por sinal,

Ergue-se e diz:


Senhor Juiz, rogo o vosso perdão mas serei breve.

Sou eu a testemunha não ouvida,

Muito embora arrasada, ante os golpes da vida,

Eu sou a mãe do réu passível de sentença.

Há muito tempo, eu fui uma jovem simplória,

E o senhor promotor

Era um moço robusto, um jovem de talento.

Amamo-nos os dois, com redobrado ardor,

E tivemos um filho,

Fora do casamento:

— O réu que há nesta sala…


Mas, chegando a criança

Ele me abandonou, matando-me a esperança

De um lar que nunca tive e que sempre sonhei…

Entreguei-me ao serviço

E meu filho cresceu, sem saber disso.

Fiz-me, para criá-lo, humilde lavadeira,

Sofrendo privações a vida inteira…

Dei a meu filho a escola, o sustento, o agasalho,

Mas não pude guiá-lo às bênçãos do trabalho.

Faltou-lhe o pai à vida e para dar-lhe o pão,

Passei toda a existência em dura servidão…

Nunca vendi amor, nunca fui prostituta,

Vivi de sacrifício, entre a doença e a luta…


E aquela estranha voz

Que demonstrava em si padecimento atroz,

Prosseguiu: — Excelência,

Como julgar por nós as tramas da existência?

Meu filho, o triste réu, é um pobre vagabundo,

O promotor que acusa é o pai que o pôs no mundo…


E acrescentou, em pranto:

— Por que Deus fez as mães para sofrerem tanto?

Por que, senhor Juiz,

Tenho um filho que adoro

Para vê-lo tão triste e desprezado,

Tão sozinho e infeliz?


O silêncio caiu na sala imensa,

No promotor, a face era agora de cera,

Ninguém se levantou, nem se moveu,

Toda a comunidade emudecera…

Mas o Juiz discreto usa o lenço em que estanca

O pranto que lhe encharca a longa barba branca…

E homem de consciência limpa e nobre coração

Muito embora chorasse,

Mostrando a imensa dor que lhe cobria a face,

Declarou desejar a revisão

Do processo, de todo, ainda não julgado,

Depois, ergueu-se trêmulo, cansado,

E adiou a sessão.




Maria Dolores
Francisco Cândido Xavier


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