Maria Dolores

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Capítulo XXII

A lição do dinheiro


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Ele era salteador pela primeira vez.

O cofre agora aberto estava à mão.

E, lá dentro, ele viu, ante a casa vazia,

Um pacote mostrando que trazia

A soma respeitável de um milhão.


Dispunha-se a empalmar toda a quantia…

Quando o dinheiro lhe falou

Em forma de conselhos e queixumes:


— Pensa, amigo,

Na obrigação que assumes,

Ao levar-me daqui, nas condições de um louco,

Já que podes buscar-me em compromisso

Entre a força da fé e a bênção do serviço

Retirando-me em paz, lidando pouco a pouco,

Não quero ser motivo

Para que sejas preso como eu vivo.


Fui criado por Deus para fazer o bem,

Não desejo aumentar as lutas de ninguém

Quero sair daqui para ser agasalho

Aos que gemem sem teto e sem trabalho.


Anseio consolar as mães que padecem na estrada,

De alma aflita e cansada,

Ante a dor dos filhinhos

A esmolarem socorro em remotos caminhos;

Espero ser o apoio do homem triste

Que de tanto sofrer necessidade,

Já não sabe se resiste

À tentação da morte que o invade.


Sonho doar auxílio ao doente sem nome

A fim de que suporte

Ao duro sofrimento que o consome

Livrando-se, por fim, das lâminas da morte,

Quero sair daqui para que alguém me aceite

De modo a ser o amigo sorridente,

Que ofereça uma xícara de leite

À criança doente.


Quero ser cobertor para quem sente frio,

Prato que nutra, força que refaça,

Algo que plante amor no coração vazio,

Instrumento do bem que ajuda, serve e passa.

Mas ouve, amigo meu, não me faças razão

De largar este cofre e levar-te à prisão.


Trabalha e vem buscar-me

Sem calúnia, sem crime, sem alarme,

Quero ser luz e ação em tudo o que progrida

E seiva a circular nas árvores da vida.


Vê onde a sovinice me prendeu,

Não te desejo o cárcere em que moro

Na prova rude que me aconteceu.

Quero ser livre e forte, assim como és,

Caminhar com teus pés

Aspiro a ser-te amigo e companheiro…


Calara-se o Dinheiro

E o pobre salteador inexperiente,

Recuando, atingiu grande portão à frente.


Nisso, o dono da casa, envolto em grande escolta,

Veio à mansão de volta;

Vendo o lar violentado e o cofre aberto

Com o dinheiro intocado,

Saudou o salteador que via perto

E acreditando nele a presença de alguém

Que lhe guardara a casa para o bem,

Agradeceu-lhe o gesto

De homem leal e honesto…


Sustentando o silêncio e a tristeza no olhar,

O pobre sem vintém começou a chorar…


Ali mesmo, porém, começou vida nova,

Transformado por dentro, alterou-se-lhe a prova;

Passando a servidor da mansão que arrombara,

Agia com firmeza, nobre e rara…

Trabalhou a formar, de tostão a tostão,

Os bens com que sabia socorrer

Quem achasse a sofrer…

E quando auxiliava aos semelhantes

Em provações alucinantes

Nos quais dizia ver os próprios irmãos seus,

Rememorava a fala do milhão

E clamava, em voz alta, ao lembrar-lhe a lição:

— Obrigado, meu Deus!…




Maria Dolores
Francisco Cândido Xavier


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