Mensagens de Inês de Castro

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Capítulo XI

A Vida na Idade Média

Embora à época em que nos detemos, em torno de 1350, século XIV, estivéssemos caminhando para a Renascença, os fortes liames entre o obscuro primeiro período medieval e o início do segundo, com a organização das monarquias pós-carolíngeas, não ofereciam risonhas perspectivas à vida social.

Para que o leitor compreenda o que significaram os tempos medievais, no que tange à vida em si das pessoas, faço uma breve síntese:


A Idade Média tradicionalmente divide-se em dois períodos. A primeira parte, que vai de 400 a 800 d.C., é considerada por muitos uma noite de nossa história.

Essa fase inicial do período medieval permanece mais esquecida, porque a estruturação político-administrativa, que deu grande impulso à futura definição das diversas nacionalidades, surgiu apenas em seu último século, o oitavo de nossa era, com a dinastia carolíngia, fundada por Carlos Martel e cujo mais destacado representante foi o imperador Carlos Magno.

Nesse período lúgubre, fermentaram as ideias maniqueístas de Céu e Inferno, que se perpetuaram até a Renascença, nos séculos 15 e XVI, e avançaram pelos séculos posteriores, com as profundas marcas religiosas da Reforma e da Contrarreforma. Como nos assevera Mário Domingues:


(…) nunca chegaremos a conhecer o Homem medieval sem nos integrarmos mentalmente na época em que ele viveu, sem respirarmos, por um esforço prodigioso de vontade, a atmosfera em que ele se criou, toda povoada de anjos e demônios, de visões luminosas do Paraíso e aparições tenebrosas do Inferno.


Destaca-se, no fim desse período medieval, de modo especial na França, o surgimento e crescimento progressivo do feudalismo, que fortaleceu o poder dos nobres. Estes, encastelados em seus feudos, arrostavam a autoridade real.

De 800 até 1453 d.C. — ano da tomada de Constantinopla pelos turcos e queda do Império Bizantino — temos o segundo período da Idade Média.

A partir do ano 1000, o feudalismo começou a enfraquecer-se com o fortalecimento das monarquias nacionais e consequente aumento do poder real, que atingiu seu ápice com o absolutismo francês de , o Rei Sol, no século XVII — absolutismo, aliás, contestado e revisto pela burguesia por meio da Revolução Francesa em 1789.

É preciso ressaltar que, no pequeno pedaço de terra, Portugal, onde ocorreu a triste história de Inês de Castro, o poder feudal não alcançou os extremos que observamos na França.

Chegamos a 1350, epicentro de nosso livro, com as classes sociais divididas em nobreza, clero e povo. Essas classes formavam os três Estados, que participavam das Cortes, denominação das assembleias periódicas, que se realizavam com a presença real.

No clero não me deterei, porquanto há numerosos estudos históricos e religiosos a respeito. Ressalto que, na vida de Inês e D. Pedro, há a participação de membros da Igreja que, com seu respeito à dor, escreveram belas e comoventes páginas de amor e solidariedade.

Haja vista, naqueles momentos de agudo sofrimento, a nobre presença da freira do Convento de Santa Clara, ataviando o corpo de Inês deformado pelo cepo, e a do Bispo da Guarda, D. Gil [Gil Cabral de Viana], que coonestou, já durante o reinado, em 1360, o casamento de Pedro e Inês, realizado antes do falecimento da bela galega bastarda.

Vale lembrar que o clero atuava, do ponto de vista político e militar, em Portugal, por meio de ordens armadas: as Ordens dos Hospitalários, de Avis, de Santiago (esta com raízes em Castela) e a Ordem do Cristo, fundada por D. Dinis.

Todas com importante participação na vida do reino, não obstante seu natural declínio com a expulsão dos sarracenos e o fim das Cruzadas.

Falando da nobreza e da realeza, recordemo-nos dos castelos de pedra frios, escuros, úmidos, sem conforto. As condições de higiene e as agruras da vida ascética limitavam a idade útil das gentes, com os sofrimentos físicos e morais e as mortes prematuras.


Os filhos dos nobres muito precocemente participavam de exercícios militares incompatíveis com sua idade. Pela ausência de perspectivas, atingiam o fim da juventude limitados pelos poucos ideais inerentes à nobreza:

— a defesa de suas terras, a inaudita violência na pilhagem do vizinho ou de caravanas descuidadas que passavam em seus domínios e as guerras forjadas com outros nobres mais fracos para de seus bens se apropriar;

— as guerras maiores, ora com o inimigo de outros reinos, como em Portugal ocorria com respeito aos reinos hispânicos da Península, sobretudo Castela, ora com o inimigo maior com que toda a Península convivia desde 709: a invasão sarracena;

— a cobrança de impostos e taxas humilhantes, cerceando a vida aos pobres camponeses e pequenos artesãos (algumas dessas taxas feudais somente foram abolidas na França alguns séculos mais tarde, a partir de 1789);

— a importante presença da nobreza na Cavalaria, com seu respeitável código de ética.


À exceção de suas atividades bélicas e da cavalaria, os nobres não estimulavam os filhos ao exercício de profissões, não cultivavam o comércio e muitas vezes se viam constrangidos a empenhar as filhas em casamento com agiotas de que se socorriam.

Essa visão distorcida, entre outros aspectos, fez com que a nobreza perdesse terreno à crescente influência da burguesia, composta de artesãos, pequenos proprietários, comerciantes e profissionais especializados, como médicos e juristas, oriundos de universidades criadas na época, sob a influência dos reis, como a Universidade de Coimbra, fundada por D. Dinis.

Os monarcas pretendiam provocar, com sua ação no campo da cultura, também o enfraquecimento do poder dos nobres e do clero.

A burguesia foi, assim, sedimentando-se com maior vigor, fortalecendo o Terceiro Estado e aumentando-lhe o poder nas já citadas Cortes.

Com sua composição heterogênea, essa classe social emergente era mais aliada dos reis, na época que destacamos, do que a própria nobreza, perdida em sua acanhada meta de preservar o estômago, o relativo conforto e as suas terras.

Quanto ao povo, fundamentalmente representado por camponeses e pequenos artesãos, o sofrimento era muito maior.

Se poucos nobres davam-se ao luxo de lavar as mãos em uma bacia de prata, enxugando-as com toalhas debruadas de dois palmos de largura, igualmente poucos membros do povo se destacavam da condição miserável que lhes infligia duros sofrimentos.

Moravam mal, sem o mínimo conforto, passavam frio e fome e eram os primeiros a sofrer os embates das crises frequentes, decorrentes dos rigores do inverno, das guerras e das pestes.

As crianças deixavam de sê-lo em tenra idade, trabalhando escravizadas por superiores que não eram necessariamente nobres.

Os jovens continuavam a saga de seus pais sem estudo ou outras perspectivas além das suas atribuições rotineiras e desgastantes.

Entre os pequenos artesãos, comerciantes e camponeses, aqueles que conseguiam destacar-se sofriam tais agruras em menor intensidade, mais assemelhados à nobreza.

Na Idade Média, a vida era difícil para todos, independendo da classe social a que pertenciam. Sobreviver aos 40 anos já era privilégio, até porque as guerras e as pestes faziam parte das desilusões cotidianas. Sob a luz mortiça dos candeeiros, contabilizavam-se as perdas inelutáveis, e se excogitava sobre os efeitos das frequentes pestes.

Mesmo dentro do período central deste livro, entre 1347 e 1352, a Europa prestou contas à Peste Negra, provavelmente trazida da longínqua Crimeia por navegantes genoveses.

A Grande Peste atingiu em peso a Europa Ocidental, com incursões pela Sicília, França, Inglaterra, Península Ibérica e Europa Central, avançando até a Escandinávia e confins da Polônia e Rússia. Ceifou 25 milhões de vítimas, número correspondente a 1/3 da então população da Europa Ocidental.

Em Portugal, agravando os efeitos da peste, terrível seca assolou o país dois anos antes da morte de D. Afonso IV, creditando o povo tal flagelo à decapitação de Inês de Castro.

Não era fácil viver na 1dade Média, com a privação de tudo e até dos anseios afetivos…




Caio Ramacciotti
Francisco Cândido Xavier


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