Mensagens de Inês de Castro

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Capítulo XII

Casamento de Pedro e Constança — O Início…

Em agosto de 1340, sob o reinado de Afonso IV, celebram-se em Lisboa as cerimônias de casamento entre o infante D. Pedro e D. Constança Manoel, do vizinho reino de Castela.

A união foi sacramentada segundo as razões de Estado, e não do coração, envolvendo interesses recíprocos de Portugal e Castela.

O esponsalício nada trouxe de novo em suas feições pragmáticas.

Estavam presentes o rei e sua consorte D. Beatriz, a nobreza que abarrotava a catedral e os noivos atônitos, perplexos diante de tanta pompa e pouco amor.

Pelo inusitado desses fatos, mais tarde voltaremos a eles. Se não para justificar o amor extemporâneo que já se manifestava entre D. Pedro e Inês de Castro (filha ilegítima de influente nobre da corte de Castela e dama de companhia de D. Constança, a esposa escolhida), ao menos para mostrar como eram tratados os assuntos do sentimento no período medieval, em que se tolhia a liberdade ao homem e à mulher, fosse na corte e na nobreza ou entre a população humilde.

Vejamos a descrição do casamento de Pedro e Constança, feita, do Plano Espiritual, pela testemunha ocular de então, Inês de Castro, que, chocada, apercebeu-se de que quem se casava com D. Constança Manoel era alguém cuja presença lhe magnetizara as fibras recônditas do coração:




Minha memória voltou no tempo a fim de rever-vos pela primeira vez, na Sé de Lisboa, quando se vos confirmou a união com a Rainha Dona Constança Manoel. Lembrei-me de que todos os aparatos da solenidade, com que El-Rei D. Afonso IV e a sua Real Esposa, a Rainha Dona Beatriz, quiseram marcar com grandeza inesquecível o grande acontecimento, desapareceram de minhas impressões, via apenas a Vós, amado rei, a Vós, que me povoáveis todos os sonhos, herói e soberano, que eu supunha existir exclusivamente no mundo iluminado de minhas esperanças. De espírito surpreso, qual se vos visse, como num sonho, após sairdes de mim mesma, para se me revelar ali, no seio da multidão, compreendi, de súbito, que éreis a corporificação de todo o Amor a que eu aspirava, mas o êxtase não me anulou a noção da realidade.

A jovem bastarda dos Castro deveria sufocar o enlevo nos recessos do coração, da mesma forma com que aferrolhava o sonho nas profundezas da alma.

E chorei, dando a ideia de que as emoções da festividade me dominavam, quando, no íntimo, me reconhecia em lágrimas, à frente das muralhas invisíveis das leis humanas, que ainda hoje separam as criaturas com mais impenetrabilidade que a dos muros de pedra.

Via-vos sem a possibilidade de tocar-vos, extasiava-me com a vossa presença, sem a mínima esperança de respirar-vos a convivência.

Debalde, procurei afastar-me de vossa real presença, receando trair-me ou ferir a benfeitora que me situara no séquito em que se fazia representar.

Todas as circunstâncias, amado rei, me contrariaram os propósitos, e as obrigações da função me colocavam diante de vós, sentindo-me na condição da criatura que, de certo modo, vos enodoava a real aparição, com o amor oculto que vos devotava.

Ignoro, amado soberano, se vos recordais do dia em que dissestes amar-me, dia em que caí no leito, como se um raio me houvesse traspassado o coração. As vossas palavras eram tudo o que eu queria ouvir, mas também tudo o que não me seria permitido escutar.

Uma febre desconhecida me queimou as entranhas, e em delírio chamei por vós, como sendo meu anjo guardião e meu salvador.

Amigas prudentes foram suficientemente leais para se compadecerem de mim, sem me comentarem as alucinações, e, desde então, começou para mim a vida nova, na qual se entrechocavam o meu reconhecimento pela Senhora que me colocara em serviço e a paixão por vós, que me governou a vida e o coração para sempre.

Refiro-me a isso, amado soberano, para reafirmar que não vos esqueço, que gravitarei sempre em torno de vós, com a força do destino que caracteriza a movimentação de um satélite caudatário de um astro.

Amado rei, não tenho outra vida que não seja a vossa própria vida em mim. E amo-vos não só a beleza angélica, mas igualmente a vossa formação espiritual e a vossa justiça, a vossa integridade de caráter e grandeza de coração. Amado rei e senhor meu, sede bendito por toda a felicidade que me trouxestes. Confio em vossa firmeza de ânimo e estou em preces a Deus para que todos os vossos deveres para com os vossos entes queridos, que são igualmente amados meus, se façam valorosamente cumpridos.

Amado rei e senhor meu, estais em meu pensamento dia e noite. Penso, muitas vezes, que sou um fragmento de vossa grandeza ou uma pequenina parcela de vosso coração magnânimo e sei que sou um singelo feixe de vossos reflexos.

Amado rei, eu vos amo!

Somente a vós, unicamente a vós e tão somente por vós, atravessei longos caminhos, às vezes, encharcados de lágrimas, para encontrar-vos. Nunca vos esqueço, nunca vos esquecerei. Como deixar-vos sendo eu vós mesmo dentro de mim?

Se estiverdes tranquilo, a paz estará igualmente em mim, vossa alegria é a minha alegria, e um pingo de vossa tristeza, quando essa tristeza aparece, tem o tamanho de uma nuvem no meu coração.

Amado Soberano, Deus vos abençoe e vos guarde, assim como vos rogo proteger e lembrar sempre quem vive de vós e por vós.

Sempre convosco para sempre.

Inês de Castro



Anexo


— Onde nasceu Inês de Castro. Nela observamos do alto a vista da planície, com o rio, os charcos espalhados pelas várzeas e os montes mais apagados no horizonte. No poema que colocamos no capítulo que se inicia, nota-se a semelhança entre a vista panorâmica da cidade e o cenário que Inês descreve em seus belíssimos versos. Certamente trazia ela guardada do Castelo de Lemos, [hoje, no local, só existem os vestígios do antigo castelo, com parte da muralha e dos cubos defensivos da Torre de Mensagem] em Monforte, em sua memória prodigiosa, a imagem da cidade que deixou ainda criança.



Fonte: www.concellodemonforte.com/wercontenido.asp?id=9&sec=2 (Link expirado)

[v. ]


Caio Ramacciotti


Inês de Castro
Francisco Cândido Xavier


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