Mensagens de Inês de Castro

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Capítulo III

A Decisão Real. Julgamento Sumário de Inês de Castro

Como começar pelo início, se as coisas acontecem antes de acontecer? — (Clarice Lispector, 1925-1977)


Estamos nos primeiros dias de janeiro de 1355, em pleno inverno português.

Na alcáçova do Castelo de Montemor-o-Velho, arredores de Coimbra, Afonso IV meditava, alongando o olhar pelos campos do Mondego, cujas águas frias embalavam plácidas e pacientes seu melancólico destino de perder-se no Atlântico.

O último quartel de seu reinado não estava sendo fácil, pensava o rei, cofiando a barba em desalinho.

Assumira o reino em 1325, com a morte de D. Dinis. As lutas contra a invasão moura prosseguiam após o decesso do pai, embora já mais distantes de Portugal, e teriam seu epílogo quinze anos depois de sua posse, com a Batalha do Salado ao sul da Península, praticamente cessando, então, o envolvimento árabe na região.

Em 1328 casara sua filha dileta, Maria, a Formosa, com o rei da vizinha Castela, Afonso Onzeno, que a repudiaria dois anos depois por Leonor de Gusmão, não obstante dividisse sua alcova com ambas, tendo delas filhos reis que o sucederam.

Ao longo da década de 1330, tivera outros problemas com Afonso Onzeno [Afonso XI].

Logo no início, contratara D. Afonso IV o casamento de Constança Manoel — que o rei castelão havia repudiado no início de seu reinado — com seu filho Pedro, o herdeiro do trono. Mas, para conseguir trazê-la a Portugal, precisou encetar, em 1336, guerra de quase quatro anos contra Afonso Onzeno.

Mesmo assim, o conflito não terminou por causa de Constança, e sim porque Castela enfrentava dificuldades em suas lutas próximas ao Estreito de Gibraltar, com os muçulmanos concentrados no sul da Península Ibérica, e não teve alternativa o rei castelão senão pedir socorro a Afonso IV.

Constança, enfim, foi liberada para dirigir-se a Portugal. Sua união com Pedro consolidou-se com o matrimônio de agosto de 1340 na Sé de Lisboa, e, já nas horas seguintes às cerimônias nupciais, o Rei-Guerreiro pôde partir para as terras do sul, a fim de ajudar o soberano castelão, destacando-se como o herói da Batalha do Salado.

Tudo isso, no entanto, era passado, e, apreensivo, naqueles momentos de reflexão, Afonso IV por vezes desviava o olhar perdido dos campos de Montemor-o-Velho para o interior do palácio, onde se realizaria, em poucos minutos, a reunião extraordinária com seus conselheiros. Mas as recordações do passado não o deixavam…

Justamente quando imaginava poder dedicar-se às questões administrativas do reino, após o casamento do filho e o sucesso das refregas no sul, eis que surge um novo problema:

Na Catedral de Lisboa, Pedro, em vez de envolver-se com as cerimônias ao lado da futura esposa, não conseguia despegar os olhos a Inês, dama de companhia de Constança.

O insucesso do casamento de Pedro e sua inesperada paixão por Inês de Castro atormentavam-no muito, por razões de natureza política, sobretudo as alianças celebradas em decorrência do matrimônio contratado com a vizinha Castela.

Nada separava Pedro de Inês, e o rei chegou, alguns anos depois, em 1344, a exilar a jovem galega em território castelão, no Solar dos Albuquerques.

Sem resultado…

Os contatos continuaram e, com a morte de Constança, em fins de 1345, decorrente do parto de Fernando, D. Pedro vai buscar Inês em Albuquerque, logo no início de 1346, e juntos passam a viver pelos dez anos seguintes, contrariando o príncipe os apelos do pai.

O casal procura isolar-se da corte, próximo ao mar, a oeste da região central de Portugal, e posteriormente ao Norte, na Quinta de Canidelos, em Vila Nova de Gaia, na foz do Douro.

Pedro, em 1354, deixa, porém, o estratégico anonimato e muda-se para Coimbra, vivendo com Inês e os filhos no Paço de Santa Clara, tornando-se o casal mais visível ao reino.

Os irmãos de Inês ali se hospedavam com frequência, constituindo-se, assim, de certa forma, um simulacro de pequena corte estrangeira dentro de Portugal.

Era demais para o rei, também às voltas com a recente Peste Negra, cujas consequências — os ingentes sofrimentos à população do reino — ainda enfrentava.

Excogitações políticas de toda natureza o preocupavam. Assombravam-no a proximidade afetiva de Pedro com Castela e o eventual risco de um dos filhos do infortunado casal se tornar, no futuro, rei de Portugal.

Era preciso decidir sobre aquela união espúria, segundo os seus conceitos rígidos, que o futuro mostrou serem baldos de razão.

Com a cabeça envolvida nesse mar de apreensões, inquieto, a passos lentos, o rei de estatura gigante e habituado a decisões firmes voltou à sala do Paço Real.

Aguardavam-no para a reunião adrede convocada os membros de seu conselho real a fim de juntos definirem a sorte de Inês.

O processo encerrou-se rapidamente. Não teve começo, meio ou fim. A ponderação e o sentimento não estavam efetivamente presentes ao soturno diálogo entre o rei e seus conselheiros. Três deles insistiram na condenação da jovem mãe: Diogo Lopes Pacheco, Álvaro Gonçalves e Pero Coelho.

Determinou-se que Inês seria degolada, e com rapidez, pois o rei já sabia que o príncipe se ausentaria de Coimbra para caçar, como era do seu gosto, acompanhado do cunhado Álvaro Pires de Castro.

Nas páginas seguintes, surgem, em toda a sua dor, a tragédia e seus desdobramentos.




Caio Ramacciotti
Francisco Cândido Xavier


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