Momentos de Ouro

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Capítulo X

História de um violino

Parei, fitando um acervo de sucata

Que iria arder em fogo breve,

Por um fósforo leve,

Cuja chama pequena incendeia e consome,

Qualquer montão de peças estragadas,

Mesmo aquelas que trazem doces nomes

De pessoas amadas…


Dentre as centenas de objetos,

Vasos, portões e móveis incompletos,

Cuja destruição era o destino,

Encontrei um violino

Que mais me parecia

Uma relíquia em agonia

No resto de instrumento que ele fora…


De onde procederia

— Perguntei a mim mesma, altamente intrigada —

Aquela peça desprezada?

Sob que mão renovadora

Teria sido, um dia,

Perfeitamente manejada?


Então, aquele traste,

Em rude desconforto,

Falou-me ao coração:


— Não lastime a sorte que me espera.

Quanto anotas no mundo,

Desde o campo relvoso ao deserto infecundo,

Tudo é renovação!…


Eu fui um tronco verde, o mais belo de um horto,

Que mais brilhava ao sol da primavera.

Era visto, de longe, nos caminhos

Em que passasse alguém que amasse

Os pássaros e os ninhos…

Minhas flores vermelhas

Eram a adoração dos enxames de abelhas…

Orgulhava-me, sim, de ser forte e robusto…

Veio, um dia, porém,

Um homem frio e armado

De serrote e machado

E esfacelou-me os pés, agindo a custo…

Depois, tombei vencido sobre a Terra.


Fui, logo após, levado, serra em serra,

Em terrível viagem,

Largado muito tempo ao desprezo e à secagem…


Certa feita, um artesão

De tato delicado, estranho e fino,

Transformou-me em violino

E fui vendido a um moço artista,

Que me deu cordas, vida e coração…


A princípio, chorei com saudades do chão

Em que subia ao firmamento

Na viva emanação de meu próprio perfume,

Entre flores bailando, ante as flautas do vento;

Recordava, a chorar, a presença das aves,

Que falavam comigo em cânticos suaves,

Agradecendo a Deus, cada manhã,

A beleza e a alegria da alvorada

Que mais nos parecia uma festa dourada,

À luz do sol nascente…


Mas o artista abraçou-me docemente

E manejando as cordas que me dera,

Fez-me sentir, por fim, o instrumento que eu era…

Muita gente me ouvia,

Embargada de pranto,

Sem que fizesse algo para tanto…


Mães que houvessem perdido algum filhinho,

Ante o poder da morte,

Choravam com saudade e com carinho,

Pondo-se a relembrar

Os sonhos de outro tempo e as canções de ninar…


Muito doente em prece

Pensava em Deus, onde eu me achava,

Sem que eu mesmo soubesse

Explicar a razão…

Notando que tornava as almas que sofriam

Mais consoladas e felizes,

Não mais me lamentei de me haver afastado

Do bosque bem amado

Em que deixara as últimas raízes…

Depois de muitos anos,

Vi muita desventura e muita dor

Transformando-se em preces ao Senhor.


Vendo, enfim, que servia e consolava,

O artista mais me quis, quanto mais me tocava.

Até que, um dia,

O moço enfermo, trêmulo e alquebrado

Foi coberto num túmulo fechado…

Então alguém me achou inútil para a vida

E me guardou aqui num cova escondida,

À espera da fogueira

Em que eu possa também

Encontrar minha hora derradeira…


Nesse justo momento,

Alguém ateou fogo ao monturo opulento…

E vi outro alguém descer das imensas alturas:

Um moço belo e forte

Que arrancou, de improviso,

A forma do instrumento à labareda e à morte…

E ao colocar no braço o violino refeito

Em matéria de luz,

Dele extraía sons… Era um hino perfeito

Que o fazia esquecer a cinza transitória

Na música de vida, esperança e vitória!…


Então, eu me lembrei de vós, médiuns amigos!

Entregai-vos às mãos dos Artistas do Bem,

Que eles façam em vós a música do Além.

E, um dia,

Qual se fosseis desprezados,

Por trastes relegados

Ao frio dos museus,

Braços de amor virão

Para traçar convosco o Novo Dia

Que trará para os homens

O Caminho de Luz da Perfeita Alegria,

Entre a bênção da Paz e a proteção de Deus.




Maria Dolores
Francisco Cândido Xavier


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