Momentos de Ouro

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Capítulo III

Retrato de mãe

Depois de muito tempo,

Sobre os quadros sombrios do Calvário,

Judas, cego no Além, errava solitário…


Era triste a paisagem,

O céu era nevoento…

Cansado de remorso e sofrimento,

Sentara-se a chorar…

Nisso, nobre mulher de Planos superiores,

Nimbada de celestes esplendores,

Que ele não conseguia divisar,

Chega e afaga a cabeça do infeliz.

Em seguida, num tom de carinho profundo,

Quase que, em oração, ela lhe diz:

— Meu filho, por que choras?


Acaso, não sabeis? — replica o interpelado,

Claramente agressivo,

Sou um morto e estou vivo.

Matei-me e novamente estou de pé,

Sem consolo, sem lar, sem amor e sem fé…

Não ouvistes falar em Judas, o traidor?

Sou eu que aniquilei a vida do Senhor…

A princípio, julguei

Poder faze-lo rei,

Mas apenas lhe impus

Sacrifício, martírio, sangue e cruz.

E em flagelo e aflição

Eis a que a minha vida agora se reduz…

Afastai-vos de mim,

Deixai-me padecer neste inferno sem fim…

Nada me pergunteis, retirai-vos senhora,

Nada sabeis da mágoa que me agita,

Nunca penetrareis minha dor infinita…

O assunto que lastimo é unicamente meu…


No entanto, a dama calma respondeu:

— Meu filho, sei que sofres, sei que lutas,

Sei a dor que te causa o remorso que escutas,

Venho apenas falar-te

Que Deus é sempre amor em toda parte..

E acrescentou serena:

— A Bondade do Céu jamais condena;

Venho por mãe a ti, buscando um filho amado.

Sofre com paciência a dor e a prova;

Terás, em breve, uma existência nova…

Não te sintas sozinho ou desprezado.


Judas interrompeu-a e bradou, rude e pasmo:

— Mãe? Não me venhais aqui com mentira e sarcasmo.

Depois de me enforcar num galho de figueira,

Para acordar na dor,

Sem mais poder fugir à vida verdadeira,

Fui procurar consolo e força de viver

Ao pé da pobre mãe que me forjara o ser!…


Ela me viu chorando e escutou meus lamentos,

Mas teve medo de meus sofrimentos.

Expulsou-me a esconjuros,

Chamou-me monstro, por sinal,

Disse que eu era

Unicamente o Espírito do mal;

Intimou-me a terrível retrocesso,

Mandando que apressasse o meu regresso

Para a zona infernal, de onde, por certo, eu vinha…

Ah! detesto lembrar a horrível mãe que eu tinha…

Não me faleis de mães, não me faleis de amor,

Sou apenas um monstro sofredor…


— Inda assim — disse a dama docemente —

Por mais que me recuses, não me altero;

Amo-te, filho meu, amo-te e quero

Ver-te, de novo, a vida

Maravilhosamente revestida

De paz e luz, de fé e elevação…

Virás comigo à Terra,

Perderás, pouco a pouco, o ânimo violento,

Terás o coração

Nas águas de bendito esquecimento.

Numa nova existência de esperança,

Levar-te-ei comigo

A remansoso abrigo,

Dar-te-ei outra mãe! Pensa e descansa!…


E Judas, nesse instante,

Como quem olvidasse a própria dor gigante

Ou como quem se desagarra

De pesadelo atroz,

Perguntou: — quem sois vós?

Que me falais assim, sabendo-me traidor?

Sois divina mulher, irradiando amor

Ou anjo celestial de quem pressinto a luz?!…

No entanto, ela a fitá-lo, frente a frente,

Respondeu simplesmente:

— Meu filho, eu sou Maria, sou a mãe de Jesus.




Maria Dolores
Francisco Cândido Xavier


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