Na Era do Espírito

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Capítulo XXIV

O filho excepcional


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Chico Xavier

“O poema “Romance na 5ida” foi recebido em nossa reunião pública. O Evangelho Segundo o Espiritismo () nos deu o item 8 de seu capítulo XIV e O Livro dos Espíritos () a questão 372 para estudo.

Feitos os comentários por companheiros presentes, quem se comunicou foi o poeta Alphonsus de Guimaraens, doando-nos a peça poética que passo às suas mãos. Consideramo-la adequada e comovente.

Com surpresa, porém, na manhã seguinte à reunião, ao sair de casa, fomos procurados por uma senhora que nos trouxe o filhinho excepcional para conhecermos, solicitando o amparo do Dr. Bezerra de Menezes em seu favor.

Essa senhora, em quase penúria, disse-nos haver estado presente na reunião pública da véspera; só não trouxera o pequeno enfermo por ter chegado já muito tarde, procedente de Ouro Preto. Deixara o doentinho em descanso numa pensão.

Conquanto muito sofredora, prestara atenção à mensagem e viera pedir uma cópia.

Comovi-me muito e fiquei meditando no assunto.”

NOTA — O item 8 do capítulo XIV de O Evangelho Segundo o Espiritismo () trata do parentesco corporal e espiritual, mostrando que os Espíritos não se ligam pelos chamados laços de sangue, mas por afinidades espirituais. O item 372 de O Livro dos Espíritos () consiste na seguinte pergunta de Kardec: “Qual o objetivo da Providência ao criar seres desgraçados como os cretinos e os idiotas?”. A resposta dos Espíritos é a seguinte: “São os espíritos em punição que vivem em corpos de idiotas. Esses Espíritos sofrem com o constrangimento a que estão sujeitos e pela impossibilidade de manifestar-se através de órgãos não desenvolvidos ou defeituosos”.



Alphonsus de Guimaraens

No campo, em que o luar engrinalda a escumilha,

O par freme de amor, a noite dorme e brilha.


Ele, o poeta aldeão, era humilde pastor;

Ela, a fidalga, expunha a mocidade em flor.


Ao longe da mansão, quantos beijos ao vento!…

Quantas juras de afeto à luz do firmamento!


Em certa noite, a eleita envia antigo pajem

Que entrega ao moço ansioso imprevista mensagem.


“Perdoe — a carta diz — se não lhe fui sincera

Desposarei agora o homem que me espera.


“Nunca deslustrarei o nome de meus pais.

Nosso amor foi um sonho… Um sonho. Nada mais.”


Chora o moço infeliz, sem ninguém que o conforte,

Surdo à razão, anseia arrojar-se na morte.


Corre à choça de taipa. A gesto subitâneo,

Arma-se em desespero e arrasa o próprio crânio.


Foi-se o tempo… E, no Além, o menestrel suicida

Era um louco implorando um novo corpo à vida.


Um dia, a castelã, no refúgio dourado,

Morre amargando, aflita, as lições do passado.


Pendem alvos jasmins do féretro suspenso,

Filhos clamam adeus em volutas de incenso.


Largando-se, por fim, dos enfeites de prata,

Sente-se agora a dama envilecida e ingrata.


Lembra o campo de outrora e o pobre moço aldeão,

Pede para revê-lo e rogar-lhe perdão.


Encontra-o, finalmente, em vasta enfermaria,

Demente, cego e mudo em angústia sombria.


Ela suporta em pranto a culpa que a reprova,

Quer voltar para a Terra e dar-lhe vida nova.


A eterna Lei de Amor no amor se lhe revela,

Retorna ao corpo denso em aldeia singela.


Hoje, mãe a sofrer, fina-se, pouco a pouco,

Carregando no colo um filho mudo e louco…


E enquanto o enfermo espraia o olhar triste e sem brilho,

Ela vive a rogar: “Não me deixes, meu filho!…”


O romance prossegue e os momentos se vão…

Bendita seja a dor que talha a perfeição.



Irmão Saulo

Cabe reproduzir aqui estas palavras de Fernando Góes sobre o poeta comunicante: “Alphonsus de Guimaraens foi sempre um tímido que nunca ambicionou outra coisa senão compor seus versos místicos e de amores tristes, na solidão das montanhas de Minas”.

A solidão das montanhas de Minas está mais cheia de assombros do que pode supor o ensaísta e historiador do nosso Simbolismo, no volume IV de “Panorama da Poesia Brasileira”. Alphonsus de Guimaraens continua a vagar por ali, onde agora descobre histórias mais tristes de amor para cantá-las através da harpa mediúnica de Chico Xavier, o estilo e a temática do poeta o identificam nesse poema que nos envia inesperadamente do Além.

Diz o médium que ficou “meditando no assunto” ao ser abordado pela pobre mãe que lhe pedia cópia do poema. Na sua modéstia e na sua humildade, Chico não quis chegar por si mesmo às conclusões que vamos tirar desse episódio mediúnico. As aparentes coincidências que o marcam revelam a verdade oculta. São o que hoje se chama em Parapsicologia de coincidências significativas, mas num sentido mais amplo.

Os dois livros de Kardec citados por Chico Xavier são sempre abertos ao acaso e os dois ofereceram trechos coincidentes para a leitura e o estudo da noite. O poema de Alphonsus de Guimaraens, após os diversos comentários cada comentarista encarando o tema a seu modo — restabeleceu o fio das coincidências ao contar uma história antiga, de amor triste frustrado, ao gosto do poeta quando em vida.

Chico não sabia da presença da mãe infeliz na sessão. A mãe, entretanto, apesar de sua situação de miséria e aparente ignorância, captou no poema a sua própria história, vivida em encarnação anterior, nos tempos medievais. É assim que a verdade oculta se revela para os que têm, como ensinava Jesus, olhos de ver e ouvidos de ouvir. Na solidão das montanhas de Minas uma tragédia europeia veio ter o seu desfecho em nossos dias. E o poeta dos amores tristes, que nasceu, viveu e morreu em Ouro Preto, incumbiu-se de revelá-lo em seus versos límpidos, perfeitos, carregados da mesma melancolia que impregna toda a sua musa, usando agora a psicografia de Chico Xavier.



Francisco Cândido Xavier


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