Na Era do Espírito

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Capítulo V

Autógrafos na Bienal do Livro

Francisco Cândido Xavier esteve no encerramento da II Bienal Internacional do Livro autografando livros por ele psicografados. Entre essas obras figura um volume de poemas intitulado “Flores de Outono”, de autoria de Jesus Gonçalves, poeta hanseniano que desencarnou no Sanatório de Pirapitingui, neste Estado. O livro se divide em três partes: 1.°) poemas da fase em que o poeta era materialista; 2º) poemas da fase espírita do poeta; 3º) poemas do após morte, psicografados por Chico Xavier.

A essa última parte pode agora ser acrescentado o soneto “Mensagem de Companheiro” que Chico nos conta como recebeu:

“Essa página foi produzida numa de nossas reuniões públicas recentes. Tínhamos conosco vários visitantes ligados a entes queridos, atualmente na condição de hansenianos. A nossa conversação, antecedendo as tarefas espirituais da noite, versava sobre companheiros transitoriamente separados do lar e da família. Iniciada a reunião, O Evangelho Segundo o Espiritismo () nos ofereceu para estudo o item 27 do capítulo V, intitulado “Dever-se-á pôr termo às provas do próximo?”, que nos deu oportunidade a muitas reflexões.

Ao fim das tarefas nosso amigo Jesus Gonçalves escreveu a poesia que passo às suas mãos amigas, na ideia de que ela tenha utilidade para os seus sempre valiosos comentários.”



Jesus Gonçalves

A ti, meu irmão, que assumiste comigo os pesados encargos da existência num sanatório de hansenianos, sem possibilidades de cura física; a ti, para quem a ciência da Terra não conseguiu trazer, tanto quanto a mim, o medicamento salvador; a ti, que não tiveste, qual me ocorreu, a consolação dos egressos; a ti, que sofres entre a fé viva e a dúvida inquietante, entre a tentação a revolta e a aceitação da prova, acreditando-te frequentemente esquecido pelas forças do céu, ofereço a lembrança fraternal destes versos.


Não te admitas réu de afrontosa sentença,

Largado de hora em hora à sombra em que te esmagas,

Varando tanta vez humilhações e pragas

A feição de calhaus da humana indiferença.


Crueldade, paixão, injúria, crime, ofensa

Criaram-nos, um dia, a estamenha de chagas!…

No pretérito abriste o espinheiro em que vagas

E, embora a provação, trabalha, serve e pensa.


Ânsia, tribulação, abandono, amargura,

São recursos da lei com que a lei nos depura

O coração trancado em nódoas escondidas…


Bendize, amado irmão, as feridas que levas,

A dor extingue o mal e o pranto lava as trevas

Que trazemos em nós dos erros de outras vidas.



Irmão Saulo

Jesus Gonçalves utiliza em seus versos expressões como essas: túnica de chagas e estamenha de chagas para figurar a condição em que viveu no final da sua última existência terrena. A túnica de estamenha, grosseiro tecido de lã, era vestimenta comum na Judeia do tempo de Jesus. Evidente o simbolismo poético dessas expressões. Os judeus pobres vestiam-se de estamenha, enquanto os ricos usavam túnicas refulgentes dos mais finos tecidos. Mas na vida espiritual essa situação se invertia, como vemos na parábola evangélica de Lázaro e o rico.

No soneto de Jesus Gonçalves vemos o mesmo processo. A estamenha de chagas é tecida no passado da própria criatura pela sua crueldade e a sua arrogância. .No tear do destino os fios da loucura humana são tecidos pelas nossas ações. E aquilo que tecemos é precisamente o que iremos vestir em próxima existência. Ninguém, portanto, está sujeito na Terra a uma “afrontosa sentença”, mas apenas submetido às consequências de seu próprio comportamento em vida anterior. A cada um segundo as suas obras, porque somente assim aprenderemos a vencer o mal, a superar nossas tendências inferiores, nosso egoísmo criminoso.

Os “recursos da lei” não representam condenação implacável, mas corrigenda necessária. Por isso escrevia Léon Denis: “A dor é uma lei de equilíbrio e educação”. Mas nem por isso devemos pensar que os sofredores não devem ser socorridos. A lei maior da caridade nos obriga a ajudar os que sofrem. É o que ensina o item 27 do capítulo V de O Evangelho Segundo o Espiritismo. () É verdade que “a dor extingue o mal e o pranto lava as trevas”, mas a indiferença ante a dor e o pranto do próximo é também um mal que pode e deve ser extinto pela caridade. Socorrendo os que sofrem estaremos tecendo, no tear do nosso destino, os fios da sensatez e da bondade que nos preparam uma túnica de luz para o futuro.



Realizada de 17 a 25 de junho de 1972 no Pavilhão Armando Arruda Pereira, Ibirapuera, São Paulo — Capital.



Jesus Gonçalves
Francisco Cândido Xavier


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