Notáveis Reportagens com Chico Xavier

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Capítulo I

Frente a frente com Francisco Cândido Xavier,

Histórias da meia-noite — Plágios de fantasmas — “Esse Chico Xavier é um caso bem interessante” — O homem confidente da morte.


PEDRO LEOPOLDO, 23 (Do enviado especial do GLOBO, Clementino de Alencar) — As histórias de fantasmas narradas por várias horas, ao fim do jantar de ontem, nos deixaram uma impressão que, confessamo-lo, nos perturbaram um pouco o sono…

Principalmente esta, contada com muita arte, por um dos presentes:

“Um proprietário dos arredores de Sabará recebeu, certo dia, a visita de um seu amigo e compadre vindo de Belo Horizonte, e, como de hábito, ofereceu-lhe “posada”. O quarto reservado ao visitante dava para uma dessas amplas varandas típicas das fazendas do interior e era dessa separado por larga porta envidraçada.

“O hóspede e amigo recolheu-se ao seu aposento cerca das 23 horas e, como a noite estivesse frio, fechou à chave a porta envidraçada. Estendido na cama pôs-se, depois, a ler jornais que trouxera da capital. Silêncio. De repente, porém, ouviu ele um toc-toc lento de passos na varanda.

“— Aí vem ainda o diabo do compadre — pensou — encurtar-me as horas de sono com suas conversas que não acabam mais…

“E, rápido, soprou a chama da lamparina fingindo que já dormia. Mas, do escuro, ficou à espreita. Quem vinha não era o compadre. Era um sujeito alto, espadaúdo, de expressão severa. Com a maior sem-cerimônia, empurrou a porta e entrou. Apesar de estar o quarto às escuras, começou a dar, no seu interior, passadas tranquilas de um lado para outro. E, os polegares enfiados na cava do colete, tamborilavam com os dedos no peito, produzindo um som cavo:

“— Tun-tun-tun… tun-tun-tun

“Depois, percebendo ali uma presença, parou junto à cama e inclinou-se para examinar com o olhar o homem que dormia…

“Foi só. Fez, depois, meia-volta e saiu, com a mesma naturalidade e o mesmo toc-toc lento, pela varanda a fora desaparecendo no silêncio e na noite.

“O hóspede então ergueu-se e correu à porta. Esta continuava fechada. Impressionado com a estranha visita, quase não dormiu e, no outro dia, comunicou o fato ao compadre. Este levou-o ao salão da fazenda e, mostrando-lhe retratos pendurados pelas paredes, perguntou se o misterioso visitante era um dos retratados.

“— É este! — apontou afinal o hóspede.

“— Está certo — considerou o compadre. — Esse era meu irmão e morreu há anos. Outras pessoas daqui já o viram naquele quarto. Julguei que fosse sugestão. Mas não. Você, que ontem o viu, chegou de longe, não conhecia a lenda e não podia estar sugestionado.”

Como se vê, a versão é a mesma que serviu ao . Apenas, o fantasma mudou de sexo e continente. Mesmo assim, torna-se evidente que até entre fantasmas há plágio de hábitos e atitudes… O seu poder, porém, é tal que mesmo a ideia dessa aparição decalcada nos trouxe sobressaltos ao sono. E foi com alívio que demos com os olhos ao dia, esta manhã…

“Implorar! Implorar! Só a Deus!”…

São as crianças que cantam na varanda. A alma do morro chegou até Pedro Leopoldo.


O Imprevisto


— “Bom dia. Dormiu bem?”

Café. Rua.

À frente do cinema, ouvimos uma frase mais longa de cumprimento. Voltamo-nos.

Diante de nós está uma figura idosa, simples e simpática. O professor Tão Júnior. É rápido no prender-nos para a palestra. Filho de Sete Lagoas, já lecionou até no Rio. Gosta de Pedro Leopoldo. Fala com entusiasmo da simplicidade e pureza dos costumes locais e dos fatores que dão à cidade riqueza e vida própria.

Depois, faz uma pausa e olha-nos com curiosidade.

Valemo-nos do pretexto:

— Estamos à espera do Coletor.

— Já voltou. Chegou à noite passada — acode o professor com um sorriso de boa notícia.

E apressa-se a mostrar-nos, com o dedo, a casa, que dali se avista, onde mora o Sr. Maurício Azevedo e a da Coletoria ao lado.

— Vá lá agora, que ele já deve estar na Coletoria.

Colhidos assim de imprevisto resolvemos seguir o conselho do professor. Mas o Sr. Maurício estava dormindo. Que voltássemos depois do meio-dia.


Lápis e objetiva à mostra


À tarde, pois, encontramo-nos com o Coletor federal.

Na véspera, tínhamos sido informados de que as sessões espíritas se realizavam aqui às quartas e sextas-feiras.

Hoje é terça. Amanhã há sessão. Estamos em cima da hora.

Por isso, quando nos vimos diante do Sr. Maurício, resolvemos por, de vez, à mostra, a objetiva e o lápis da reportagem.

Depois, tudo se desenrolou rapidamente.


“Um caso que fica sem solução”


O Sr. Maurício atende, amavelmente o repórter, que lhe pede informações sobre o famoso médium de Pedro Leopoldo.

A certa altura, diz-nos:

— Eu, francamente, não me interesso por assuntos espíritas nem ponho muita crença a respeito. Mas esse Chico Xavier é um caso bem interessante. Fica-se assim como quem nem acredita nem nega. Deixa-se o assunto na esfera das coisas vagas, das coisas que não podemos compreender. Esse rapaz, pelo menos para mim é um caso que fica sem solução.

Oferece-nos um cigarro e acrescenta:

— Mas os senhores julguem por si. Vou convidar o homem a vir aqui, agora mesmo.

Um garoto parte, correndo, com o convite.


O confidente humilde da Morte


O Coletor debruça-se sobre os papéis que enchem sua mesa.

Passam-se alguns minutos de silêncio e espera.

Depois, timidamente uma cabeça, quase risonha, quase assustada, surge à porta.

— Pronto, doutor…

— Entre, Chico Xavier.

Ele atende. Está agora à nossa frente, encostado à parede, [v. ] evidentemente embaraçado diante daquela cara estranha e daqueles olhos curiosos.

Não traz chapéu nem gravata e todo o seu traje é um atestado de pobreza. É moreno, de um moreno carregado, e tem cabelos muito negros, compridos, crespos. Baixo, compleição forte. Caboclo. Mas no físico, não na expressão. Esta é de estranha humildade e doçura. Com o sorriso leve que mostra agora, seu rosto tem até um ar de ingenuidade. Lá longe, na cidade grande, diriam dele:

— “Um bobo!”

Seu embaraço se acentua quando lhe pomos o olhar no casaco surrado, na camisa aberta, nas calças de brim remendadas, nos sapatos cambaios.

Com a mesma timidez da entrada, ele observa-nos:

— Desculpem ter eu vindo nestes trajes. Estava trabalhando. A vida tem que ser assim. Trabalhar…

O Coletor fala em “jornalistas”. Preferíamos que a apresentação não fosse tão pronta. Mas a palavra está dita.

Justificamos nossa presença ali: as mensagens divulgadas no Rio.

Na confusão em que está, seu sorriso e suas frases se desdobram, com intermitências bruscas, reticências sem malícia:

— Ah! Sim… Foi um senhor do Rio… Mas eu sou um pobre rapaz do mato… Não convém tanta notícia… Por favor… deixem-me assim mesmo, na obscuridade…

Observamos-lhe que a notícia, o assunto, já está lançado no Rio. As mensagens estão sendo muito comentadas e discutidas. Os esclarecimentos e impressões que vimos colher não lhe farão mal.

— Mas eu tenho receio… Os jornais falam, depois toda gente por aí se põe a discutir, não me deixam mais tranquilo no meu canto… Além disso, depois, quererão de certo que eu faça coisas que não poderei fazer… o impossível…

Por um momento, meditamos sobre essas palavras. Chico Xavier é bom psicólogo, também… Fama de faculdades extraordinárias?… Multidões à porta… Romarias de doentes e desesperados… Solicitação de prodígios… Corpos em busca da cura, almas em busca de consolo… A humanidade ainda não pôde prescindir dos deuses, dos magos e dos milagres.

E até no mistério da morte ela vai procurar socorro e consolação para a vida…


As confidências


A audiência, ali, na sala da Coletoria, é rápida. , e “seu” Zé está doente. O balcão ficou abandonado. Chico Xavier tem que voltar já para lá; mas ali estará à nossa disposição, ou mais tarde, em sua casa, às 20 horas, quando deixa o trabalho.

Indagamos, antes dele ir-se, se tem já mensagens ulteriores às publicadas no Rio, isto é, recebidas depois de 28 de março último.

Ele diz que tem mensagens, versos, etc., ainda inéditos, de antes e depois da data citada.

Fala com um tom de sinceridade que impressiona.

— Se o senhor espera aqui, eu lhe mandarei já todas essas mensagens e versos, para o senhor ler.

E foi-se, apressadamente, para o balcão pobre da venda sertaneja. Pouco depois recebíamos, numa pasta de papelão, uma série de produções: crônicas, versos e produções outras enviadas de Além-Túmulo, segundo a declaração escrita ao pé, por , , , , , , , , , , , , , J. P. d’Oliveira Martins [Joaquim Pedro d’Oliveira Martins, 1845-1894 — ], , , Eça de Queiroz , , Camilo Castelo Branco , Martha (?) e um , guia do médium.

À vista daquelas páginas alvoroça-nos um pouco.

Voltamos ao hotel.

E com uma estranha sensação de mistério e de milagre o repórter se entrega à leitura daquelas confidências comovidas da morte.


(Do jornal O Globo, Rio de Janeiro, RJ, 1°/maio/1935.)




Houve grande repercussão na imprensa quando o médium Chico Xavier começou a receber belas páginas do renomado escritor (25/10/1886 — 05/12/1934), em seu estilo inconfundível, pouco meses após a sua desencarnação. (Nota do Organizador.)



Clementino de Alencar
Francisco Cândido Xavier


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