Notáveis Reportagens com Chico Xavier
Versão para cópiaOutra crônica de Humberto de Campos
PEDRO LEOPOLDO, 26 (Do enviado especial do GLOBO, Clementino de Alencar) — A crônica de Humberto de Campos a que nos referimos, ao fim da correspondência enviada esta manhã, tem um título: “”. Conforme a observação escrita ao pé, foi psicografada por Chico Xavier a 9 do corrente.
Nela, nos é feita uma narrativa verdadeiramente curiosa e impressionante, e capaz de demonstrar como não estão definitivamente sepultados os segredos que a morte levou…
Essa crônica é a seguinte:
— O amigo sabe que os fotógrafos ingleses registraram a presença de no enterro de Lady Gaillard?
Esta pergunta me foi dirigida pelo coronel Cantidiano da Cunha que eu conhecera numa das minhas viagens pelo Nordeste. O coronel lia, por desfastio, as minhas crônicas e em poucos minutos nos tornamos camaradas. Há muito tempo, todavia, soubera eu da sua passagem para o outro mundo, em virtude de uma arteriosclerose generalizada. Tempo vai, tempo vem, defrontamo-nos de novo no vagão infinito da Vida, em que todos nós viajamos através da eternidade.
E, como o melhor abraço é o que podemos dar longe dos vivos, ali estávamos os dois, “tête-à-tête”, sem pensar no relógio que regulava os nossos atos no presídio da Terra, nem nos ponteiros do estômago que aí trabalham com demasiada pressa.
Cantidiano tinha no mundo ideias espíritas e continuava, na outra vida, a se interessar pelas coisas da sua doutrina.
— Então, coronel, a vida que levaremos por aqui não será muito diversa da que observávamos lá embaixo? Um morto, por exemplo, pode apresentar-se nas solenidades dos vivos participar das suas alegrias e das suas tristezas, como no presente caso? Aliás, já sabemos do capítulo evangélico que manda os mortos enterrar seus mortos. (Mt
— Pode sim, menino — replicou o meu amigo, como quem evocasse uma cena dolorosa —, mas, isso de acompanhar enterros, sobra-me experiência para não mais fazê-lo. Costumamos observar que, se os vivos têm medo dos que já regressaram para cá, nós igualmente, às vezes, sentimos repulsa de topar os vivos. O que lhe vou contar, porém, ocorreu entre os considerados mortos. Tive medo de dois espectros num ambiente soturno de cemitério.
E o meu amigo, com o olhar mergulhado no pretérito longínquo, monologava:
— Desde essa noite, nunca mais acompanhei enterros de amigos… deixo isso para os encarnados que vivem brincando de cabra-cega, no seu temporário esquecimento…
— Conte-me, coronel, o acontecido — disse eu, mal sopitando a curiosidade.
— Lembra-se — começou ele — da admiração que eu sempre manifestava pelo Dr. Antônio F. que você não chegou a conhecer em pessoa?
— Vagamente…
— Pois bem, o Antonico, nome pelo qual respondia na intimidade, era um dos meus amigos do peito. Advogado de renome na minha terra, já o conheci na elevada posição que usufruía no seio da sociedade que lhe acatava todas as ações e pareceres.
Pardavasco insinuante, era o tipo do mulato brasileiro. Simpático, inteligente, captava a confiança de quantos se lhe aproximavam. Era de uma felicidade única. Ganhava todas as causas que lhe eram entregues. O crime mais negro apresentava, pata a sua palavra percuciente, uma argumentação infalível na defesa. Os réus, absolvidos com a sua colaboração, retiravam-se da sala de sessões da justiça quase canonizados. O Antonico se metera em alguma pendência? O triunfo era dele. Isso era certo. Gozava de toda a nossa consideração e estima. Criara a sua família com irrepreensível moralidade. Em algumas cerimônias religiosas a que compareci, recordo-me de lá haver encontrado Antonico, como bom católico, em cuja personalidade o nosso vigário via um dos mais prestigiosos dos seus paroquianos.
Antonico chefiava iniciativas de caridade, presidia associações religiosas e primava pela austeridade intransigente dos costumes.
Quando voltei desse mundo que hoje representa para nós uma penitenciária, trouxe dele saudosas recordações.
Imagine, pois, o meu desejo de reencontrá-lo, quando vim a saber nestas paragens que ele se achava às portas da morte. Obtive permissão para excursionar pela Terra e fui revê-lo na sua cama de luxo, rodeado de zelos extremos numa alcova ensombrada de sua confortável residência. As poções eram ingeridas. Injeções eram aplicadas. Os médicos eram atenciosamente ouvidos. Contudo, a morte rondava o leito de rendas, com o seu passo silencioso. Depois de ter o abdômen rasgado por um bisturi, uma infecção sobreviera inesperadamente.
Apareceu uma pleurisia e todas as punções foram inúteis. Antonico agonizava. Vi-o nos seus derradeiros momentos sem que ele me visse na sua semi-inconsciência. Os médicos, à sua cabeceira, deploravam o desaparecimento do homem probo. O padre, que sustinha naquelas mãos de cera um delicado crucifixo, recitando a oração dos moribundos, fazia ao céu piedosas recomendações. A esposa chorava o esposo, os filhos o pai. Aos meus olhos, aquele quadro era o da morte do justo. Transcorridas algumas horas, acompanhei o fúnebre cortejo que ia entregar à terra aqueles despojos frios.
Desnecessário é que lhe diga das pomposas exéquias que a Igreja dispensou ao morto, em virtude da sua posição eminente. Preces. Aspersões com hissopos ensopados na água benta e latim agradável.
Mas, como nem todos os que morrem se desapegam imediatamente dos humores e das vísceras, esperei que o meu amigo acordasse para ser o primeiro a abraçá-lo.
Era crepúsculo. E naquela tarde de agosto, as nuvens estavam enrubescidas, em meio do fumo das queimadas, parecendo uma espumarada de sangue. Havia um cheiro de terra brava, entre as lousas silenciosas, ao pé dos salgueiros e dos ciprestes. Eu esperava. De vez em quando, o vento agitava a ramaria dos chorões, os quais pareciam soluçar, numa toada esquisita. Os coveiros abandonaram a tarefa sinistra e eu vi um vulto, de mulher, esgueirando-se entre as lápides enegrecidas. Parou junto daquela cova fresca. Não se tratava de nenhuma alma encarnada. Aquela mulher pertencia também ao reino das sombras. Observei-a de longe. Todavia gritos estentóricos ecoaram aos meus ouvidos:
— Antonio F.! — exclamou o espectro —, chegou o momento da minha vingança!… Ninguém poderá advogar a tua causa. Nem Deus, nem o Demônio poderão interceder pela tua sorte, como não puderam cicatrizar no mundo as feridas que abriste em meu coração. Todas as nossas testemunhas, agora, são mudas. Os anjos aqui são de pedra e as capelas de mármore, cheias de cruzes caladas, são estojos de carne apodrecida. Lembras-te de mim? Eu sou a Rosinha Sanches, que infelicitaste com a tua infâmia!
Já não és aquele moreno insinuante que surrupiou a fortuna de meus pais, destruindo-lhes a vida e atirando-me no meretrício abominável. A fortuna que te deu um nome foi edificada no pedestal do crime.
Recordas-te das promessas mentirosas que me fizeste?… Envergonhada, abandonei a terra que me vira nascer para ganhar o pão no mais horrendo comércio. Corri mundo sem esquecer a tua perversidade e sem conseguir afogar o meu infortúnio na taça dos prazeres.
Entretanto, o mundo foi teu. Réu de um crime nefando, foste sacerdote da justiça; eu, a vítima desconhecida, fui obrigada a sufocar a minha fraqueza nas sentinas sociais, onde os homens pagam o tributo das suas misérias. Tiveste a sociedade; eu, os bordéis. O triunfo e a consideração te pertenceram; a mim coube o desprezo e a condenação. Meu lar foi o hospital donde se escapou o último gemido de meu peito.
Meus braços, que haviam nascido para acariciar os anjos de Deus, como dois galhos de árvores cheios de passarinhos, foram por ti transformados em tentáculos de perdição. Eu poderia ter possuído um lar, onde as crianças abençoassem os meus carinhos e onde um companheiro laborioso se reconfortasse com o beijo da minha afeição. Venho condenar-te, oh! desalmado assassino, em nome da justiça eterna que nos rege, acima dos homens. Há mais de um lustro, espero-te nesta solidão indevassável, onde não poderás comprar a consciência dos juízes… Viveste com o teu conforto, enquanto eu penava com a minha miséria, mas o inferno agora será de nós dois!…
O coronel fez uma pausa, enquanto eu meditava tristemente naquela história.
— A mulher chorava — continuou ele — de meter dó. Aproximei-me dela, não sendo, porém, notada a minha presença. Olhei a cruz modesta e carcomida que havia sido arrancada poucas horas antes, daqueles sete palmos de terra, para que ali fosse aberto um novo sepulcro, e, não sei se por artes do acaso, nela estava escrito um nome com pregos amarelos, já desfigurados pela ferrugem: “Rosa Sanches — Orai por ela”.
Por uma coincidência sinistra, reencontravam-se os dois corpos e as duas almas. Procurei fazer tudo pelo Antonico, mas, quando atravessei com o meu olhar a terra que lhe cobria os despojos, afigurou-se-me ver um monte de ossos que se moviam. Crânio, tíbias, úmeros, clavículas se reuniam sob uma ação misteriosa e vi uma caveira chocalhando os dentes de fúria, ao mesmo tempo que umas falangetas de aço pareciam apertar o pescoço do cadáver do meu amigo.
— E ele, coronel, isto é, o Espírito, estava presente?
— Estava sim. Presente e desperto. Lá o deixei, sentindo os horrores daquela sufocação…
— Mas, e Deus, coronel? Onde estava Deus que não se compadeceu do pecador arrependido?
Cantidiano me olhou, como se estivesse interrogando a si mesmo, declarando por fim:
— Homem, sei lá!… Eu acredito que Deus tenha criado o mundo, mas eu acho que a Terra ficou mesmo sob a administração do Diabo.
O “F.”
Atendendo a um pedido de Chico Xavier, substituímos, na mensagem acima, o sobrenome do “Dr. Antonio” pela letra “F”.
Ao nos fazer esse pedido, ele o justificou assim: pessoas daqui, que leram essas páginas, pouco depois de serem elas psicografadas, dizem saber da existência, em Minas e São Paulo, de famílias com o sobrenome que apareceu na mensagem.
Dado o fato na mesma narrado, compreendem-se o escrúpulo e a delicadeza do médium em pedir a supressão que nos apressamos a fazer [. Como pode ser visto na mensagem, os nomes originais “Dr. Antônio F.”, “Antonico” e “Rosinha Sanches” aí estão; que os homônimos nos perdoem].
A repercussão em Minas
BELO HORIZONTE, 10 (Especial para O GLOBO) — Têm tido grande repercussão na capital as reportagens feitas pelo enviado especial do GLOBO em Pedro Leopoldo sobre as mensagens vindas do além-túmulo. As edições se esgotam, sendo as mensagens comentadas em todas as rodas. A respeito da realidade das cartas psicografadas por Chico Xavier o vespertino “Diário da Tarde” ouviu, hoje, o Sr. Raul Henriot, autoridade espírita nesta capital, que declarou:
— Ando a par dos trabalhos de Chico Xavier, a quem conheço pessoalmente e cujo poder mediúnico a ninguém é lícito negar. De fato, trata-se de um fenômeno nitidamente espírita. São reais e insofismáveis as mensagens recebidas de além-túmulo por Xavier, não se podendo pôr a menor dúvida em que elas partam daquelas eminentes figuras já falecidas. O mesmo braço que psicografou aquelas produções deixou abaixo delas a assinatura de seus autores. Foi Humberto de Campos quem transmitiu a Chico Xavier os seus novos trabalhos no mundo espiritual. Aliás, é fácil, pelo conhecimento do estilo, reconhecer a identidade do autor.
Essa mensagem foi publicada primeiramente em 1935 pela LAKE e é a 4ª da 1ª Parte do livro “”
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Mateus 8:22
Jesus, porém, disse-lhe: Segue-me, e deixa aos mortos sepultar os seus mortos.
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