Palavras Sublimes

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Capítulo XXXV

A indiferença do homem para com a missão do Cristo


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O famoso campo da Flandres assombrava. Em tudo, era o traço da batalha, onde novamente se massacravam as esperanças das criaturas. A noite fizera-se pesada ao rumor da fuzilaria. Aqui eram trincheiras improvisadas, bocas de aço vomitando estilhaços de morte, além agonizantes e vencidos, cadáveres e escombros, como fragmentos dilacerados da vida, sufocados pelos carros de assalto.

No firmamento, as mesmas estrelas fulguravam tranquilas, enquanto a mesma terra se enchia com o perfume quente da primavera. Mas na paisagem sombria estavam também os mesmos homens de todos os tempos. Os furiosos impulsos da ambição entrechocavam-se. Por todos os recantos, a mais cuidadosa disposição para destruir melhor, o zelo intenso para a inutilização do adversário.

Penetramos a atmosfera asfixiante do combate, tomados de espanto. Espetáculos terríveis desdobravam-se aos nossos olhos. Todavia, o que mais fundamente impressionava eram as exclamações dos feridos, o estertor dos agonizantes, a penosa emoção dos que se afastavam violentamente da carne.

Fora da superfície sangrenta, contudo, surgiam amorosos braços espirituais. Entidades fraternas, enfrentando corajosamente os fluidos venenosos do campo da luta, vertiam o bálsamo da consolação sobre quantos haviam caído ao desamparo. Serviços de socorro do Plano espiritual manifestavam-se em todos os sentidos.

Além do sepulcro, trabalham também os irmãos dos infortunados. Como se estivesse em movimento o exército compacto de uma Cruz Vermelha invisível, legiões de Espíritos amigos amparavam os companheiros misérrimos da carne, na sua falência desditosa.

Observamos, no entanto, que grande número de desencarnados, surpreendidos pelo choque das armas, prosseguia na mesma sensação de luta, saturados do mesmo ódio, como se conservassem todas as energias da existência material. Enquanto os mais sofredores eram atendidos pelos mensageiros da bondade e da abnegação, notamos que dois jovens militares desencarnados, ignorantes de sua nova situação, se empenhavam em forte contenda de palavras, mais ou menos nestes termos:

— Retomarei minhas armas, responderei com eficiência aos teus insultos! — dizia um deles.

— Pagarás muito caro a ousadia — replicava o outro. — Saberemos castigar o teu maldito país!

E a discussão continuou:

— Nunca! Maldito é o berço em que nasceste!

— Também tu és dos bárbaros!… Não deixas igualmente de ser dos criminosos!

— Não perdoaremos o crime de tua pátria, que se arvorou em verdugo cruel dos povos livres da Terra.

— Também nós não teremos piedade de teu país, que ambiciona a vitória da exploração e do ouro, cheio de sangue dos povos mais humildes!

— Falas tu em povos humildes? Quem os insulta na atualidade à força de canhões?

— E quem os explora, estraçalhando-lhes as economias?

— Minha nação viveu sempre com o direito!

— Minha terra sempre teve razão.

— Juro pela minha igreja que não vencerás.

— E eu juro pela minha fé que o triunfo será nosso!

— Deus está do nosso lado.

— Isso não é verdade! Deus está conosco!!!

A luta de palavras prosseguia áspera, mas como se a invocação do nome de Deus houvesse atraído uma nova força de esclarecimento para o coração perturbado dos contendores, ouviu-se uma voz branda e persuasiva, entre ambos, exclamando:

— Calai-vos, meus irmãos! A guerra destruidora pelas armas terrestres terminou para vossas almas, com o último choque das forças materiais! Vossos corpos jazem no campo da batalha, estirados no caminho sangrento, em consequência do egoísmo e da ambição. Por que esse ódio execrando, quando as vossas dores e esperanças são irmãs umas das outras? As fronteiras transitórias do mundo não se transferem à eternidade! Voltai a considerar as verdades profundas da vida! Por que esse impulso violento de derrubar e destruir? Fostes jovens, sonhastes as mais formosas edificações, tivestes as mesmas aspirações de amor e de ventura, alcançastes soberbos patrimônios de ciência do mundo, mas onde colocastes a finalidade real? A vida será tão-somente esse espetáculo tenebroso de construções decadentes e derrubadas? O sorriso da criança, a esperança da juventude, a paz da velhice serão o pasto da destruição? Onde está o vosso senso de realidade essencial? Entretanto, conquistastes a natureza, sois sábios e fortes, conscientes e dominadores. Criastes uma civilização com todos os estatutos da ordem, vindes de igrejas organizadas e poderosas. Alegais que Deus está ao lado dos vossos caprichos particulares, esquecendo de perguntar à própria consciência se cada um de vós outros está verdadeiramente com Deus. A atmosfera pestilenta que construístes em torno do coração é a do caminho dos grandes culpados, onde todos gritam sem razão, recriminando-se mutuamente. De que vos serviu a convenção religiosa, onde buscastes o mecanismo frio das fórmulas sem valores do sentimento? Onde estão as igrejas que vos separam da divina revelação das verdades de Deus? Por vinte séculos, o Cristo há esperado a vossa compreensão nas luzes salvadoras do Evangelho!… Mas ainda não conseguistes parar a máquina da ambição, a fim de meditar no doce apelo de Jesus no íntimo do espírito… Edificando as vossas grandezas materiais em seu nome, torcestes a verdade de suas palavras, levantastes monumentos de ignomínia, procurando adaptar os seus sagrados ensinamentos aos vossos caprichos nefastos. Jamais cogitastes desse sagrado ideal de união com a sua mensagem de fraternidade e de paz, e debalde inventastes sistemas sociológicos sem esse fundamento divino. Por esse motivo, resgatais agora a multissecular impenitência nesses movimentos iníquos e dolorosos. Vossa luta estéril significa o preço da defecção espiritual e vossos antagonismos ideológicos constituem a guerra dos cristãos infiéis, mergulhados no pântano de suas negações da verdade e da luz!…

A voz enérgica continuava a falar dos resultados amargos . Mas a esse tempo intensificava-se o ruído das bombas de alta potência explosiva. Ao nosso lado, alguns cadáveres se dividiam em fragmentos nos ares. Sob a luz das estrelas, pesados aviões de bombardeio empenhavam-se em luta feroz, enquanto a paisagem se iluminava palidamente ao clarão dos incêndios. Os gemidos angustiosos dos moribundos pareceram mais surdos. O ambiente era de penosa estupefação, ante o silvo agudo das balas destruidoras. Pesados tanques penetraram o campo tormentoso, rompendo obstáculos como avalanches de fogo e aço, lançando chamas a considerável distância.

Nesse momento, o amigo espiritual que me conduzira ao teatro da crueldade humana disse-me, bondoso, afastando-se levemente:

— Não poderás suportar a situação por mais tempo sem nova provisão de forças. Ainda não te encontras preparado para esse gênero de esforço. Acompanha-me. Retiremo-nos um pouco, a fim de orar.


(.Irmão X)


Reformador — Julho de 1940


Mensagem psicografada em 12 de junho de 1940 e remetida, diretamente, para publicação em Reformador segundo consta de seu original.



Humberto de Campos
Francisco Cândido Xavier


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