Pinga-Fogo

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Um Pinga Luz na TV

A noite de 28 de Julho de 1971 foi diferente. Tornou-se uma noite histórica para São Paulo e para o Brasil. Muita gente até hoje se pergunta porque estava diante de um aparelho de TV, esperando o “Pinga Fogo” do Canal 4. E a resposta é difícil. Francisco Cândido Xavier, o médium psicógrafo de Uberaba, ia submeter-se aos entrevistadores. Tanto o programa como o médium eram por demais conhecidos. Há quarenta anos Chico Xavier vem sendo submetido a entrevistas de jornais, revistas, rádios e televisões. Tudo já se fez com o Chico, até mesmo entrevistas sensacionalistas, procurando submetê-lo ao ridículo. Nada havia demais em que Chico Xavier aparecesse de novo no Canal 4. Mas, apesar disso, a cidade de São Paulo se debruçou ansiosa sobre o vídeo. E não só a cidade, mas todo o Estado e suas adjacências, como o sul de Minas e o norte do Paraná.

A coisa mais difícil de se compreender é esse interesse antecipado. Católicos, protestantes, ateus, materialistas, gente que não é de nada e gente que é de tudo, pessoas indiferentes e espíritas em penca, todos estavam atentos. Era como se fosse acontecer algo de inesperado. E realmente aconteceu. Chico Xavier entrou no palco da TV Tupi com seu jeito humilde e simples de sempre. Escondeu-se depressa atrás da mesa. Haviam lhe posto uma peruca, (talvez para atrapalhar) que juntamente com os seus óculos preto dava-lhe um ar estranho, parecia outro. Mas quando começou a falar, todos viram que era o mesmo. O Chico de ontem, de hoje e de sempre.

No início da fila dos entrevistadores estava um católico ilustre, jornalista, escritor, professor universitário, membro de instituições filosóficas do país e do exterior. Esperava-se que desfecharia uma série de perguntas atordoantes contra o pobre Chico. Os demais eram figuras conhecidas da nossa imprensa e das nossas letras. Hábeis repórteres entre eles, poderiam embrulhar o médium. Mas logo se verificou que Chico Xavier tinha assessores. Ele mesmo o declarou numerosas vezes. Não falava por si, mas com a assistência e a orientação de seu guia espiritual Emmanuel, além de outras entidades que o ajudavam. Assessores invisíveis, mas que valeram. Até um assessor científico parecia haver entre eles, pois Chico, às vezes, parecia um médico e, às vezes, um físico e até mesmo um cosmonauta.

Isso mostra que o povo tem intuições coletivas muito sérias. Toda aquela gente debruçada no vídeo de milhares de aparelhos de televisão havia percebido com antecedência, mas com absoluta certeza, que Chico ia dar um show mediúnico naquela noite.

E deu mesmo.

Não somente um show pessoal, mas coletivo, porque deu também um baile nos entrevistadores. Um baile em regra, com muita elegância e delicadeza, com uma classe de assustar. Chico ouvia, atento, e respondia a seguir com sua voz mansa de caipira mineiro, como quem não quer nada, num tom de conversa mole. E o show maior, então, empolgou São Paulo e depois o Brasil. Um verdadeiro show de luzes. Pingou luzes na TV, ao invés de fogo.


LABAREDAS POR TODA A PARTE


Nunca um “Pinga Fogo” depois de realizado ao uivo, teve o seu vídeo-tape transmitido mais duas vezes nos dias seguintes. Mas o de Chico Xavier teve essa sorte. O público pedia e a emissora atendeu. Mas além disso, houve a sua repercussão pelo Brasil todo. O vídeo-tape foi remetido ao norte, ao sul, ao leste e ao oeste. Em vários lugares foi também repetido. Muita gente gravou os seus diálogos em gravadores e até hoje continua a ouvi-los.

O Diário de São Paulo, depois da publicação do resumo do “Pinga Fogo”pelo Diário da Noite, teve de publicá-lo por extenso em seu suplemento chamado Jornal de Domingo. Saíram depois exemplares mimeografados do “Pinga Fogo” e várias editoras eram solicitadas a lançar o texto num livro. É o que fazemos agora, para que as labaredas de luz espiritual que se acenderam por toda a parte continuem a iluminar o nosso povo.

Labaredas de luz? Sim, porque há labaredas de fogo e fumaça, labaredas trágicas e destruidoras, que assustam a gente. Mas as labaredas que o Pinga Luz do Canal 4 acendeu por toda a parte são da mais pura luz espiritual. Quem ler este volume com atenção sairá dele inteiramente iluminado.

Cada passagem do programa, cada página deste livro, cada diálogo travado entre o Chico e um entrevistador e cada resposta dada ao telespectador são como um jato de luz clareando o nosso entendimento. Chico Xavier não se orgulha nem se orgulhou disso. Constantemente encontramos no texto a sua afirmação de que não falava por si mesmo, mas pelos Espíritos que o assistiam.

Esse é o ponto central da questão, para o qual queremos chamar a atenção dos leitores. Não se poderia compreender o fenômeno Chico Xavier e a noite histórica de 28 de julho, sem a compreensão do problema mediúnico. Um médium é uma criatura que serve de intérprete entre o chamado mundo dos mortos e o chamado mundo dos vivos.

Os mortos (que na verdade estão mais vivos do que os chamados vivos) falam ao médium na linguagem do Céu e ele a traduz para a linguagem da Terra. O médium, portanto, é um intérprete. Foi por isso que Chico Xavier saiu-se tão bem na televisão, enfrentando questões as mais diversas. Suas respostas não eram dele, eram dos Espíritos, várias vezes ele disse que estava falando o que ouvia dos Espíritos.

Assim, o “Pinga Fogo” do Canal 4 não foi, naquela noite, um programa comum. Foi um programa realizado entre dois mundos. Os Espíritos participaram dele através da mediunidade de Chico Xavier. E o fizeram com tanto desembaraço que muita gente até hoje afirma que tudo aquilo foi mesmo do Chico. Sim, porque o médium não se modificava, não saía da sua simplicidade e da sua autenticidade.

Essa gente não sabe que o bom médium é assim mesmo. Que o bom médium é um bom intérprete e não necessita de trejeitos para dizer aos homens o que os Espíritos querem que seja dito.

Não foi fácil organizarmos o texto deste volume. Serviu-nos de piloto o material publicado pelo “Jornal de Domingo”. Mas aquele material está longe de oferecer o “Pinga Fogo”completo. O programa foi tão extenso e variado que nem mesmo o jornal interessado, apesar de seus imensos recursos técnicos, conseguiu reproduzi-lo na íntegra.

De nossa parte não temos também essa pretensão. Mas fizemos o possível para cobrir a maior área. Demos à matéria a disposição mais aproximada da realidade e completamos o que foi possível com a revisão de gravações de amigos.


QUESTÕES A ESCLARECER


Por que chamamos de histórica a noite de 28 de julho de 1971? Porque nessa noite tivemos um fato inusitado — os Espíritos comunicando-se com o povo numa sessão mediúnica realizada na televisão. E porque essa sessão produziu resultados que marcam novos rumos para o nosso povo. Milhões de criaturas, no Brasil inteiro, mudaram de posição diante da vida ouvindo o “Pinga Fogo”. Essa mudança foi um passo à frente, assinalando um momento decisivo nas grandes e profundas transformações por que passa o Brasil em nossos dias.

Contam-se por milhares os cépticos e os descrentes que se voltaram para o estudo dos problemas espirituais a partir daquela noite. O que se deu, pois, foi uma verdadeira revolução — uma revolução espiritual que abriu perspectivas imensas para o futuro.

Mas como provar que essa revolução realmente se deu? Basta vermos o número de jornais, revistas, estações de rádio e de TV que passaram a tratar dos problemas espirituais dali por diante. Basta dizer que Chico Xavier passou a ser colaborador permanente de um grande jornal diário, o “Diário de São Paulo”, e de uma grande revista semanal, “O Cruzeiro”, que publicam todas as semanas as mensagens mediúnicas do famoso médium. Basta, por outro lado, notar o interesse pelas questões espirituais que passou a dominar as conversas de rua e de casa, os debates públicos, as próprias assembleias políticas, os cursos universitários, e ao mesmo tempo o aumento de publicações, particularmente de livros sobre esses assuntos.

O Canal 4, naquela noite, transformou-se num quartel general. Comandou sem o saber um verdadeiro movimento revolucionário. Há um Brasil de antes e um Brasil posterior ao “Pinga Fogo” com Chico Xavier.

Não se podem avaliar ainda as consequências daquela noite. Mas já podemos senti-las ao nosso redor. As mentes se abrem para uma concepção nova, mais elevada e mais otimista, do homem e da vida, do mundo e do futuro. Muita gente que só esperava tragédias passou a vibrar noutra faixa, animando esperanças felizes. Chico Xavier liderou o futuro.

Agora podemos compreender melhor o otimismo espiritual de Humberto de Campos quando escreveu, através do Chico Xavier, aquele livro maravilhoso que é a plataforma da política espiritual de amanhã: Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho.


AS DÚVIDAS CIENTÍFICAS


Surgiram, porém, certas dúvidas científicas que poderiam aniquilar o êxito do “Pinga Fogo”. Nas reportagens posteriores lançadas por jornais e revistas apareceram opiniões de homens abalizados, pondo em dúvida a autenticidade da sessão mediúnica de 28 de julho. Esses senhores, muito respeitáveis e competentes, não foram, entretanto, prudentes como deviam. Opinaram geralmente sobre assuntos que desconhecem. Entenderam que existem impossibilidades científicas para a aceitação da realidade mediúnica.

Será mesmo assim? É o que vamos procurar pôr a limpo, de maneira rápida.

Já no próprio “Pinga Fogo” o ilustrado escritor Prof. João de Scantimburgo, pôs em dúvida a mediunidade de Chico Xavier, tentando explicar a psicografia pela tese científica da escrita automática. Ora, a escrita automática é conhecida no Espiritismo bem antes das pesquisas psíquicas a respeito. Scantimburgo insistiu no problema do inconsciente. A escrita automática seria uma manifestação do próprio inconsciente do médium.

Desde 1857 o Espiritismo colocou cientificamente (na Ciência Espírita) o problema das manifestações anímicas, ou seja, da própria alma do médium, produzidas através da escrita e por via oral. A descoberta do inconsciente por Freud, nos princípios deste século, e as pesquisas sobre a escrita automática na Psicologia, também da mesma época, só fizeram confirmar a tese espírita, depois de mais de meio século.

O Prof. Scantimburgo e os que mais tarde se manifestaram a respeito pensavam estar opondo uma tese científica ao Espiritismo, mas erravam redondamente. E curioso lembrar que quando Kardec publicou O Livro dos Espíritos, em que trata do assunto, Freud devia ter apenas um ano de idade, pois esse livro saiu em 1857 e Freud havia nascido em 1856…

Hoje a Parapsicologia, que o Prof. Scantimburgo citou erroneamente, já confirmou a diferença que o Espiritismo estabeleceu há mais de um século entre escrita automática e Psicografia. O caso de Chico Xavier é evidentemente de Psicografia (manifestação de espírito pela escrita) e nenhum especialista no assunto admite qualquer confusão do seu trabalho mediúnico com a escrita automática.

Uma revista descobriu um eletro-encefalograma de Chico Xavier e o publicou, acompanhado de interpretações de psiquiatras. Esses afirmaram que o eletro correspondia a um cérebro anormal. Houve mesmo quem dissesse que o Chico era epiléptico. Mas o eletro fora feito pelo próprio médico assistente do médium, o Prof. Dr. Elias Barbosa, lente da Faculdade de Medicina de Uberaba, com a finalidade de pesquisar, não a possível anormalidade do seu cliente, mas sim as ocorrências paranormais em seu cérebro privilegiado.

Essas pesquisas são uma constante da atual investigação parapsicológica mundial. Nenhum especialista confunde a disritmia funcional dos sensitivos ou médiuns com os casos patológicos.

Assim, como se vê, as interpretações científicas do caso Chico Xavier entre nós, com a pretensão de negar a sua psicografia, estão atrasados de um século e alguns anos. Aconselhamos os interessados a ler, para bem se informarem a respeito desse assunto, o Livro Parapsicologia Hoje e Amanhã, do Prof. J. Herculano Pires (presidente do Instituto Paulista de Parapsicologia) lançado por esta editora.

A mediunidade psicográfica de Chico Xavier é tão evidente que não se pode pô-la em dúvida, a menos que não se conheça a sua extensão e profundidade. Foi o que demonstrou o Prof. Scantimburgo quando perguntou ao médium, como se vê no texto do “Pinga Fogo”, se ele havia citado quatrocentos autores.

Não, Chico não citou, mas recebeu páginas e livros de mais de quinhentos autores brasileiros e estrangeiros. Sua obra mediúnica é um desafio a todos os que duvidam da nossa sobrevivência à morte do corpo e da comunicabilidade dos chamados mortos.

Quarenta anos de psicografia a serviço do amor, da paz, da compreensão entre os homens, da esperança, da fé, da dignidade humana! Onde está a Academia Sueca (em Estocolmo ou na Lua) que até agora não concedeu a esse homem o Prêmio Nobel da Paz?


Trabalho elaborado pelo DEPARTAMENTO CULTURAL DA EDICEL



Chico Xavier usa peruca.

Em 1981, dez anos após, esse aspecto foi considerado.



Francisco Cândido Xavier

Chico Xavier

Um homem, aspecto tímido, o rosto um pouco triste. Ele vai começar a falar sobre um assunto que vai tomar conta da cidade.

Esse homem chama-se Francisco Cândido Xavier, médium espírita, conhecido em quase todo o mundo.

Um homem simples que vai falar sobre a geração de crianças em tubos de ensaio, das guerras, das violências do mundo.

Um homem, sobretudo um homem que acredita na poesia de seus quatrocentos autores psicografados.

Um homem, óculos escondendo os olhos pequenos, um auditório repleto de estudantes, de mulheres, crianças e trabalhadores.

Chico Xavier vai falar.

Depois que Chico Xavier falou, toda a cidade estava cativada. O Canal 4 repetiu todo o programa “Pinga-Fogo”. E a cidade ficou comentando nos seus bares, nos seus escritórios, no seu desespero, nas suas fugas.

Uma cidade que perdeu seus anseios, que se escondeu dentro dela mesma, dentro dos seus restaurantes, das suas farmácias, dos seus cinemas, nos teatros, nos parques com algumas árvores. A cidade comenta Chico Xavier. Hoje nós publicamos todas as palavras desse homem. Todas as páginas do Jornal de Domingo são de Chico Xavier, um homem que está falando da paz entre os povos do mundo: “Se não entrarmos numa guerra de extermínio nos próximos 50 anos, nós poderemos esperar realizações extraordinárias da ciência humana partindo da Lua.”

De repente, uma cidade inteira estava chorando diante de um aparelho de televisão. Chico Xavier estava rezando por todos.

De repente, esse homem cativou todo o povo. Quem é esse homem? Respondemos nesta página.

Tímido, modesto, voz frágil e insegura, um homem começa a falar. Pedindo desculpas por suas falhas, por sua pouca cultura. É o programa “Pinga Fogo” do Canal 4, na noite de 28 de julho, em São Paulo. 61 anos, magro, óculos escuros escondendo uma vista defeituosa. Testa alta, rosto inteligente, uma humildade sincera. Qual a primeira impressão que causou Chico Xavier? A de um homem muito, muito e muito sincero. A impressão de uma autenticidade básica e total.

Ele não deu, a princípio, a medida de sua inteligência. No entanto, tínhamos todos a certeza de que os botões não seriam desligados dentro de alguns minutos. Parecia estarmos vendo gente telefonando para os amigos, avisando que Chico Xavier falava no Canal 4. Parecia estarmos vendo os botões de TV se acenderem, como luzes, de um canto a outro de São Paulo. E os telefones da TV-Tupi tocavam cada vez mais freneticamente, o povo paulista inteiro querendo participar do programa de Chico Xavier.

O médium de Uberaba, com sua sensibilidade de paranormal, deu-se conta do impacto. Sua entrevista foi num crescendo, envolvendo cada vez mais, até atingir o clímax na sessão de psicografia que São Paulo inteira acompanhou, em absoluto suspense.

Quem é esse homem que fascinou todo um povo? Quem é Francisco Cândido Xavier, o modesto barnabé aposentado que mora em Uberaba? E por que sua voz frágil e tímida comunica tanto, se apenas uma parcela do imenso público que o assistiu era constituída de gente que já conhecia as suas obras?

Na pequena cidade mineira de Pedro Leopoldo, ali por volta de 1915, um menino muito pobre, órfão de mãe e criado em casa de estranhos, conversa com a mãe morta no fundo do quintal. Ela lhe dá o conforto que os vivos lhe recusam. Mas ele não pode dividir com ninguém o seu segredo. Não lhe dão crédito, consideram-no mentiroso ou perturbado mental. O pequenino Chico era repreendido e castigado.

De volta à família, com o segundo casamento de seu pai, Chico continuou sendo um menino muito estranho. Já trabalhando e estudando no Grupo Escolar São José, de Pedro Leopoldo, vamos encontrá-lo na classe da professora Rosária, aos 12 anos, cursando o 4° ano primário. Os alunos estão reunidos para fazer uma prova, num concurso instituído pelo Governo de Minas. O tema é “Brasil”. Quando o menino Chico Xavier pega a caneta para escrever, um vulto de homem, ao seu lado, começa a ditar. O menino, em sua honestidade, consulta a professora. Ela não sabe o que dizer, manda que ele prossiga a sua prova.

Mas quando o júri do concurso confere a Chico Xavier uma Menção Honrosa, os estudantes de Pedro Leopoldo passaram a acusar aquele estranho menino. Muita discussão se travou e a classe pediu à professora que fizesse um exame público com o pequeno Francisco Cândido Xavier. “Nesse exato instante, tornei a ver o homem que os outros não viam e ele me disse estar pronto para escrever.”

O tema, dessa vez, seria “areia”. Na lousa, o pequeno Chico Xavier escreve: “Meus filhos, ninguém escarneça da criação. O grão de areia é quase nada, mas parece uma estrela pequenina refletindo o Sol de Deus…” Dai em diante, dona Rosária proibiu que se voltasse a falar do assunto. “Nem eu deveria dar notícias das coisas estranhas que eu visse, e nem os meus colegas deveriam me perguntar qualquer coisa fora de nossos estudos.”

Chico Xavier tem agora 17 anos. Trabalha num armazém, serviço puxado, de sol a sol. A família, numerosa, depende em parte do que ele recebe. É um rapaz pobre, mas tem muitos amigos. Entre eles o padre de Pedro Leopoldo, Sebastião Scarzelli. Confessor de Chico Xavier, manda que ele reze ao Senhor quando tiver suas visões. Houve um dia, nos 15 anos de Chico, em que o padre Sebastião, para confortá-lo, sai com ele da igreja e o leva para comprar um par de sapatos.

No dia 7 de maio de 1927, pela manhã, o jovem Chico Xavier participa de uma sessão espírita. Sua irmã Maria estava doente e um casal amigo, o Sr. José Hermínio Perácio e Dª. Carmem Perácio, presta socorro à enferma. Todos da casa oram, no próprio quarto da doente. A irmã curou-se e o casal iniciou Chico Xavier na Doutrina Espírita, explicando-lhe o significado de todas aquelas visões e dos fenômenos estranhos que ocorriam com ele. Assim Chico Xavier conheceu Allan Kardec, leu seus livros e assumiu a responsabilidade de sua mediunidade.

Com a honestidade básica que é característica fundamental de sua personalidade, foi ao confessionário do padre Sebastião Scarzelli e contou-lhe que “ia estudar o Espiritismo e dedicar-se à mediunidade”. “Seja feliz, meu filho. Eu rogarei à nossa Mãe Santíssima para que te abençoe e te proteja…”

E Chico Xavier tomou o seu caminho.

“Em fins de 1927, numa reunião pública e depois da evangelização, Dª. Carmem Perácio, médium de muitas faculdades, transmitiu a recomendação de um benfeitor espiritual para que eu tomasse o lápis e experimentasse a psicografia. Obedeci e minha mão de pronto escreveu dezessete páginas sobre os deveres espíritas… Senti alegria e susto ao mesmo tempo. Tremia muito quando terminei.” Assim conta Chico Xavier o seu primeiro trabalho psicográfico, em entrevista que concedeu ao médico Elias Barbosa e que está contada no livro deste autor No Mundo de Chico Xavier.

Assim, de 1927 a 1931 Chico Xavier recebeu centenas de mensagens que, posteriormente, foram inutilizadas por se destinarem apenas a exercícios de psicografia, conforme os Bons Espíritos determinaram a Chico Xavier que fizesse. Nesses quatro anos, como em toda a sua vida, o médium de Uberaba convivia tanto com pessoas vivas como com pessoas desencarnadas. Uma das mais assíduas protetoras de Chico, na época, foi a sua mãe Maria João de Deus.

Porém, era ele, então, vítima também de muita mistificação por parte dos Espíritos. Por que, Chico?

— De certo que o Mundo Espiritual permite que eu passe por essas provações para mostrar-me que receber livros dos 1nstrutores Espirituais não me cria privilégio algum, que estou apenas cumprindo um dever e que sou um médium tão falível quanto qualquer outro, com necessidade constante de oração e trabalho, boa vontade e vigilância.

Chico Xavier falou no programa “Pinga-Fogo”, o qual com índice ainda maior de audiência e envolvimento de legiões de espectadores, foi reprisado pela TV-Tupi na noite de terça-feira passada. Desde 1931 que o espírito de Emmanuel guia as mãos de Chico Xavier, “como um viajante muito educado procura domar um animal freado e irrequieto, a fim de realizar uma longa excursão”, como, em sua modéstia natural, o médium afirmou, quando perguntado por Elias Barbosa. Disse ainda:

— Emmanuel tem sido para mim um verdadeiro pai na 5ida Espiritual, pelo carinho com que me tolera as falhas e pela bondade com que repete as lições que devo aprender. Em todos esses anos de convívio estreito, quase diário, ele me traçou programas e horários de estudo, nos quais a princípio até inclui datilografia e gramática, procurando desenvolver os meus singelos conhecimentos de curso primário, em Pedro Leopoldo, o único que fiz até agora, no terreno da instrução oficial.

A presença de Emmanuel, disse Chico Xavier no vídeo do Canal 4, foi fundamental para que ele respondesse, com a objetividade e segurança com que respondeu às mais diversas perguntas do programa.

Parnaso de Além Túmulo, psicografado em 1931 foi editado em 1932. Chico Xavier ainda trabalhava no pequeno armazém de Pedro Leopoldo, das 7:00 h da manhã às 8:00 h da noite. Alguns anos depois foi admitido como pequeno funcionário, no Ministério da Agricultura, onde está aposentado depois de ter cumprido 30 anos de efetivo exercício, parte em Pedro Leopoldo, parte em Uberaba (a partir de 1958).

Nesses 40 anos de psicografia, publicou 107 livros e tem mais 4 no prelo. Recebeu poemas, romances, livros técnicos e livros doutrinários, crônicas e páginas em prosa.

Foram mais de 400 os autores que se comunicaram com o público, depois de mortos, através das mãos de Chico Xavier. Isso, sem contar o trabalho desenvolvido pelo médium de 1927 e 1931, já que esse não foi publicado.

Desses livros, cinco estão traduzidos para o Esperanto, nove para o Castelhano e um para o inglês. Chico Xavier nunca recebeu um centavo de direitos autorais. Destina todo o lucro de sua produção às organizações Espíritas, para a aplicação em obras sociais. Além de seu trabalho psicográfico, presta também assistência a pessoas necessitadas e doentes. É também médium para serviço de doutrinação a entidades perturbadas, frequentando, semanalmente, sessões de desobsessão na Comunhão Espírita Cristã, de Uberaba.

Humberto de Campos, que antes de desencarnar opinara sobre o Parnaso de Além-túmulo, veio a tornar-se um dos mais ativos escritores psicografados por Chico Xavier, escrevendo também sob o pseudônimo de “Irmão X”. A começar pelas famosas Crônicas de Além-túmulo até o volume Cartas e crônicas. Em disputa dos direitos autorais do grande cronista brasileiro, a família de Humberto de Campos levou Francisco Cândido Xavier aos tribunais, tendo o médium de Uberaba vencido a questão na Justiça.

Entre os escritores estrangeiros psicografados por Chico Xavier contam-se Guerra Junqueira, Eça de Queiroz, Bocage, João de Deus, Roberto Southey (historiador inglês) e M. Berthelot, o criador da Termoquímica.

Emmanuel escreveu, por intermédio da mediunidade de Chico, vários romances, como Há dois mil anos…, Cinquenta anos depois, Renúncia, Paulo e Estêvão, Ave, Cristo!, todos passados em épocas antigas, na remota Roma, na velha Espanha, na antiga França. Esses romances são considerados obras-primas da literatura e alguns deles foram levados à televisão.

Muitos foram os poetas brasileiros psicografados pelo médium de Uberaba: Castro Alves, Cruz e Souza, Alphonsus Guimarães, Guerra Junqueira, Casemiro de Abreu, Fagundes Varela, Olavo Bilac têm páginas em Parnaso de Além-túmulo, Antologia dos imortais e outros livros. Ficção em prosa é outra constante na obra de Chico Xavier. Hilário Silva, Cornélio Pires, Neio Lúcio são alguns dos autores de livros como Pontos e contos, Falando à Terra, Contos desta e doutra vida, etc.

A Coleção André Luiz é considerada um verdadeiro monumento da filosofia espírita, um documentário de tudo o que acontece além do sepulcro. Também fazem parte de sua obra livros de História, Ciência, Filosofia e Religião. Evolução em dois mundos, Mecanismos da mediunidade, Palavras de vida eterna são alguns dos livros de Doutrina Espírita que constam da imensa bibliografia de Chico Xavier.

Este é, leitor, em rápidas pinceladas, o homem por quem você se empolgou, ao assistir o programa “Pinga-fogo”. O que está escrito aqui, sabemos, é muito pouco para explicar o fascínio que você sentiu. A personalidade de Chico Xavier, a firmeza de suas convicções e a sua lucidez, não cabem numa pequena reportagem biográfica. Mas também o impacto que Chico Xavier causou em todo um povo que durante mais de duas horas, colado ao vídeo, sorveu as suas palavras, talvez não possa ser explicado apenas pelo valor do homem Chico Xavier. Nisso entrou, leitor, tenha a certeza, o eco que as ideias de Chico Xavier encontrou em você.


Do Diário de S. Paulo, caderno do Jornal de Domingo.


UMA RAJADA DE POESIA


O Jornal de Domingo, que publicou o texto da entrevista de Chico Xavier, trouxe também este poema de Álvaro Faria, inspirado nas palavras do médium:

Há sim uma grande angústia caminhando nos caminhos, nas grandes vilas, a tão imensa cidade violentada na sua violência e desamor e ternura.

Mas a ternura, irmã, é um pedaço de vidro que começa a se partir nas distâncias dos olhares e nos olhos das pessoas que estão caladas.

Estamos todos aqui, irmã.

Eu queria te dizer das árvores, dos grandes rios, queria, sobretudo, te dizer das sete portas, das sete moradas, das sete mansões.

Queria te abraçar neste instante de ternura, porque sei que a ternura existe na medida em que nos tornamos irmãos.

É assim, irmã: eu quero te dizer, te abraçar com meu corpo de mil anos, de mil séculos, de dois minutos de vida.

Eu queria te falar da lua, de uma guerra atômica, te dizer do Vietnã, de todo o extermínio das plantas, e dos insetos, irmã, eu queria te falar.

Queria te dizer que as crianças terão olhos de vidro e nascerão de um ventre de metal, com dedos de ferro.

Mas tudo isso é uma folha muito verde, irmã.

A cidade adormeceu, é bem verdade.

A cidade está calada nesta hora da noite, quando a noite é um silêncio enorme nas nossas bocas.

É uma cidade de vidro, o nascimento de um tempo novo.

Soube que John Kennedy está trabalhando no espaço.

Soube também que nós poderemos destruir as armas que nos matarão amanhã.

Soube ainda que há uma casa de alumínio e de vidro no meio da lua, calando os faróis, as neblinas, as chuvas.

Há uma hora nas vidas, onde a terra recebeu as raízes, irmã.

Por isso e por tudo e também por nada, haveremos de percorrer os caminhos desse ventre, de todos os planos das vidas.

As sete portas, as sete mansões.

Que não sejam as sete palavras de nosso encantamento.

Há um girassol maravilhoso sendo plantado agora.

Soube também, irmã, que a tarde foi um incêndio calando as sabedorias dos mágicos.

Queria te dizer tanto das saudades de nossos mortos, ou dos filósofos, dos escritores, dos poetas tristes, das sombras, do desgosto ou da alegria.

Soube que as mãos estão abrasadas, há uma imensa planície nas sete moradas, os rios subterrâneos correm águas de oceanos infinitos.

São pombas, irmã, são pássaros, minha irmã, é o tempo da chegada nesse vale de neve, nesse grito de angústia.

Queria te dizer também que a solidão não é nossa.

Há uma prova e uma distância de mil vidas.

Quando você poderá me compreender?

Faltam cinco minutos.

Eu não posso te dizer mais nada.

— ?



Nota da Editora: Atualmente a obra mediúnica de Chico Xavier ultrapassa a 400 títulos.

[Pontos e contos e Contos desta e doutra vida são de autoria do Espírito Irmão X]



 A.
Francisco Cândido Xavier

“Pinga Fogo” por dentro

Emmanuel

Se encontraste a felicidade no lar tranquilo, no instante de julgar os companheiros em conflito no casamento, guarda-te em silêncio, se não podes louvá-los em algum ângulo da experiência que atravessam.

Já que conseguiste preservar a essência do amor nos fixadores da amizade e da ternura sem mescla, compadece-te daqueles que, de um momento para outro, se reconheceram defrontados por incompatibilidade e perturbação.

Efetivamente, anotaste-lhes os erros prováveis e lhes viste as atitudes aparentemente impensadas ou inseguras; no entanto, não lhes enxergastes os obstáculos e lágrimas, ansiedades e angústias, na gênese do drama doméstico em que se lhes arrasam as forças e do qual agora talvez consigas observar somente o fim.

Quantos de nós carregamos pesados grilhões de culpas adquiridos em existências passadas? Quantos compromissos teremos relegado para trás, reclamando-nos atenção e pagamento?

Entretanto, quando colocados uns à frente dos outros, nos bastidores caseiros da Terra, por impositivos da reencarnação, comumente fugimos de solucionar os problemas e ressarcir os débitos que nós mesmos criamos.

Que o dever é dever não padece dúvidas, todavia, em muitas ocasiões não dispomos da força necessária para cumpri-lo.

E, se no mundo encontramos, por vezes, credores humanos e generosos que nos aguardam com paciência, que dizer do Senhor, cuja justiça se erige em bases de infinita misericórdia?

Se te observas feliz nos laços conjugais, é razoável que não aplaudas aquilo que te pareça desequilíbrio, embora nem sempre o seja, mas não censures os companheiros que a provação vergasta e o desajuste domina.

Em lugar disso, ora por eles e abençoa-os, sem recusar-lhes o apoio e a simpatia de que se mostrem necessitados. Tanto nós, quanto eles, estamos entregues à Bondade de Deus e, em matéria de ajustamento aos imperativos do amor, nenhum de nós, na Terra, por enquanto, consegue saber com certeza se ainda hoje será para nós o dia de receber auxílio ao invés de auxiliar.


Justiça e misericórdia


Irmão Saulo

Se não aceitarmos a reencarnação poderemos admitir logicamente a justiça de Deus? Ou preferimos rejeitar o próprio Deus, ignorar-lhe ou negar-lhe a existência? A tese da reencarnação é um desafio para os povos do Ocidente, onde prevalece, através de longa tradição religiosa, a ideia da unicidade da existência. Hoje, porém, cientistas empenhados na solução dos problemas psicológicos, que atormentam cada vez maior número de pessoas, dedicam-se a investigações nesse campo.

Seria possível obtermos a prova científica da reencarnação, dentro das rígidas exigências metodológicas da Ciência? Ian Stevenson, diretor do Departamento de Neuropsiquiatria da Universidade de Virgínia, nos Estados Unidos que não é espírita nem reencarnacionista — já examinou mais de 500 casos de possíveis reencarnações, chegando a algumas conclusões curiosas. Em seu livro “20 Casos Sugestivos de Reencarnação” aparecem dois casos de reencarnação observados no Brasil.

Na própria Rússia os cientistas se interessam pelo assunto. O Prof. Wladimir Raikov, da Universidade de Moscou, é um dos expoentes da pesquisa sobre “memória extra-cerebral”. O Prof. Barnejee, que esteve entre nós, é o mais conhecido dos pesquisadores indianos. Essa abertura científica, de âmbito mundial, no campo da reencarnação, revela que o problema já deixou de ser apenas religioso. E a própria existência das pesquisas no plano universitário responde

às dúvidas quanto ao problema metodológico. Na verdade, o avanço atual das Ciências em direção à Metafísica, ou pelo menos à Parafísica, modificou e modificará cada vez mais a rigidez dos dogmas metodológicos, tornando possível o esclarecimento de problemas até há pouco considerados fora de cogitação científica.

A crise da família, que é apenas uma parte da crise geral do mundo contemporâneo, encontra explicação satisfatória à luz do princípio da reencarnação. Desentendimentos entre casais, rebeldia dos filhos, descontrole de outros elementos familiais podem ter sua origem nas vidas anteriores. Por sinal, foi esse o motivo que levou Ian Stevenson, segundo suas próprias declarações, a iniciar as investigações sobre a reencarnação. Não encontrando explicação possível, nem qualquer teoria aceitável para explicar anomalias estranhas no lar de vários de seus clientes, o conhecido neuropsiquiatra norte-americano resolveu corajosamente aceitar a teoria da reencarnação como hipótese de trabalho. A insistência das mensagens psicográficas no tocante à reencarnação e suas consequências não é, portanto, absurda. A mensagem de Emmanuel, ora considerada, encontra apoio no interesse atual dos cientistas pela reencarnação.


“Pinga Fogo” por dentro

Chico Xavier escreve-nos contando que no primeiro “Pinga Fogo”, de que participou no Canal 4, Emmanuel esteve sempre ao seu lado:

“Emmanuel conseguiu controlar-me para, ele mesmo, unido a mim, numa simbiose em que eu estava semiconsciente, responder ou fazer-me responder às perguntas que iam surgindo. Ainda não sei bem como se desenrolou tudo aquilo que, de modo completo, só consegui ver na reprise aqui em Uberaba.”

“Claramente por mim — ou melhor — conscientemente só estive, eu mesmo, no Pinga Fogo, no instante em que o nosso caro Emmanuel se afastou alguns momentos, para que eu contasse . E, no fim do programa, quando finda a mensagem do poeta Cyro Costa, ele, Emmanuel, me permitiu entrar em contato com minha mãe desencarnada. Então, por mais que eu reagisse, não pude reprimir as lágrimas.” [Vide: ] (No ano de 1971 Chico Xavier participou de dois memoráveis “Pinga Fogo” da Televisão Tupi, Canal 4 São Paulo, em julho [v. Pinga Fogo] e dezembro [v. Plantão de respostas])



Emmanuel
Francisco Cândido Xavier

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