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Capítulo III

Às portas celestes


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O grupo de desencarnados errava nas Esferas inferiores. Integravam-no alguns cristãos de escolas diversas, estranhando a indiferença do Céu… Onde os Anjos e Tronos, os Arcanjos e Gênios do paraíso, que não se aprestavam para recebê-los?

Em torno, sempre a neblina espessa, a penumbra indefinível. Onde o refúgio da paz, o asilo de recompensa?

Longos dias de aflição, em jornadas angustiosas…

Depois da surpresa, a revolta; após a revolta, a queixa. Finda a queixa, veio o sofrimento construtivo e com esse surgiu a prece.

Em seguida à oração, eis que aparece a resposta. Iluminado mensageiro, em vestidura resplandecente, desafia a sombra da planície, fazendo-se visível em alto cume.

Prosternam-se os peregrinos à pressa. Seria o próprio Jesus? Não seria?

Ante a perturbação que os acometera, o emissário tomou a palavra e esclareceu, fraterno:

— Paz em nome do Senhor, a quem endereçastes vosso apelo. Vossas súplicas foram ouvidas. Que desejais?

— Anjo celeste — falou um deles —, pois não vês?!… Estamos rotos, exaustos, vencidos, nós, que fomos crentes fervorosos no mundo. Onde se encontra o Redentor que não nos salva, o Príncipe da Luz, que nos deixa em plena treva? Que desejamos? nada mais que o prêmio da luta…

Não pôde prosseguir. Ondas de lágrimas invadiram-lhe os olhos, sufocando-lhe a garganta e contagiando os companheiros que se desfizeram em pranto dorido.

O preposto do Cristo, contudo, manteve-se imperturbável e considerou:

— A Justiça Divina nunca falhou no Universo.

— Ah! mas nós sofremos — replicou o interlocutor aliviado — e certamente somos vítimas de algum esquecimento que esperamos seja reparado.

O ministro de Jesus não se deixou impressionar e voltou a dizer:

— Vejamos. Respondei-me em sã consciência: Quando encarnados, amastes a Deus, sobre todas as coisas, com toda a alma e entendimento?

Se estivessem à frente de autoridade comum, provavelmente os interpelados buscariam tergiversar, fugindo à verdade. A luz divina do emissário, porém, penetrava-lhes o âmago do ser. Decorrido um instante de pesada expectação, informaram todos a um só tempo:

— Não.

— Considerastes os interesses do próximo como se vos pertencessem?

Novo momento de luta íntima e nova resposta sincera:

— Não.

— Negastes a personalidade egoística, suportastes vossa cruz e seguistes o Mestre?

— Não.

— Colocastes a Vontade Divina acima de vossos desejos?

— Não.

— Fizestes brilhar em vós, na Terra, a luz que o Céu vos conferiu?

— Não.

— Auxiliastes vossos inimigos, orastes pelos que vos perseguiram, ministrastes o bem aos que vos caluniaram e dilaceraram?

— Não.

— Perdoastes setenta vezes sete vezes?

— Não.

— Fostes fiéis ao Pai até ao fim?

— Não.

— Vencestes os dragões da discórdia e da vaidade?

— Não.

— Carregastes as cargas uns dos outros?

— Não.

O mensageiro fixou benevolente gesto com as mãos e, mostrando olhar mais doce, observou, depois de comprida pausa:

— Se em dez das lições do Divino Mestre não aprendestes nenhuma, com que direito invocais o seu nome? Acreditais, porventura, que Ele nos tenha ensinado algo em vão?

Os infortunados puseram-se a chorar, com mais força, e um deles objetou:

— Que será de nós? quem nos socorrerá, se tínhamos crença verdadeira?!…

— Sim — tornou o representante do Cristo —, não contesto. Entretanto, como interpretar o possuidor do bom livro que nunca lhe examinou as páginas? Como definir o aluno que gastou possibilidades e tempo da escola, sem jamais aplicar as lições no terreno prático?

— Oh! anjo bom, contudo, nós já morremos na Terra!… — acrescentou a voz triste do irmão desencantado, entre a aflição e a amargura.

O mensageiro, porém, rematou com serenidade:

— Diariamente, milhões de almas humanas abandonam a carne e tornam a ela, no aprendizado da verdadeira vida. Quem morre no mundo grosseiro perde apenas a forma efêmera. O que importa no plano espiritual não é o “interromper” ou o “recomeçar” da experiência e, sim, a iluminação duradoura para a vida imortal. Não percais tempo, buscando novos programas, quando nem mesmo iniciastes a execução dos velhos ensinamentos. Aprendiz algum tem o direito de invocar a presença do Mestre, de novo, antes de atender as lições anteriormente indicadas. Voltai e aprendei! Não existe outro caminho para a distração voluntária.

Nesse mesmo instante, o enviado tornou ao Plano de onde viera, enquanto os peregrinos, ao invés de prosseguirem viagem para mais alto, obedeciam ao impulso irresistível que os conduzia para mais baixo.


(.Humberto de Campos)


Irmão X
Francisco Cândido Xavier


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