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Capítulo XXXVI

O adversário invisível


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À frente do Senhor, nos a redores de Sídon, quatro dos discípulos, após viagem longa por diferentes caminhos, a serviço da Boa Nova, relatavam os sucessos do dia, observados pelo Divino Amigo, em silêncio:

— Eu — dizia Pedro sob impressão forte —; fui surpreendido por quadro constrangedor. Impiedoso capataz batia, cruel, sobre o dorso nu de três mães escravas, cujos filhinhos choravam, estarrecidos. Um pensamento imperioso de auxílio dominou-me. Quis correr, sem detença, e, em nome da Boa Nova, socorrer aquelas mulheres desamparadas. Certo, não entraria em luta corporal com o desalmado fiscal de serviço, mas poderia, com a súplica, ajudá-lo a raciocinar. Quantas vezes, um simples pedido que nasce do coração aplaca o furor da ira?

O apóstolo fixou um gesto significativo e acentuou:

— No entanto, tive receio de entrar na questão, que me pareceu intrincada… Que diria o perverso disciplinador? Minha intromissão poderia criar dificuldades até mesmo para nós…

Silenciando Pedro, falou Tiago, filho de Zebedeu:

— No trilho de vinda para cá, fui interpelado por jovem mulher com uma criança ao colo. Arrastava-se quase, deixando perceber profundo abatimento… Pediu-me socorro em voz pungente e, francamente, muito me condoí da infeliz, que se declarava infortunada viúva dum vinhateiro. Sem dúvida, era dolorosa a posição em que se colocara e, num movimento instintivo de solidariedade, ia oferecer-lhe o braço amigo e fraterno, para que se apoiasse; mas, recordei, de súbito, que não longe dali estava uma colônia de trabalho ativo…

O companheiro interrompeu-se, um tanto desapontado, e prosseguiu:

— E se alguém me visse em companhia de semelhante mulher? Poderiam dizer que ensino os princípios da Boa Nova e, ao mesmo tempo, sou motivo de escândalo. A opinião do mundo é descaridosa…

Outro aprendiz adiantou-se. Era Bartolomeu, que contou, espantadiço:

— Em minha jornada para cá, não me faltou desejo à sementeira do bem. Todavia, que querem? Apenas lobriguei conhecido ladrão. Vi-o a gemer sob duas figueiras farfalhudas, durante longos minutos, no transcurso dos quais me inclinei a prestar-lhe assistência rápida… Pareceu-me ferido no peito, em razão do sangue a porejar-lhe da túnica; mas tive receio de inesperada incursão das autoridades pelo sítio e fugi… Se me pilhassem, ao lado dele, que seria de mim?

Calando-se Bartolomeu, falou Filipe:

— Comigo, os acontecimentos foram diversos… Quase ao chegar a Sídon, fui cercado por uma assembleia de trinta pessoas, rogando conselhos sobre a senda de perfeição. Desejavam ser instruídas quanto às novas ideias do Reino de Deus e dirigiam-se a mim, ansiosamente. Contemplavam-me, simples e confiantes; todavia, ponderei as minhas próprias imperfeições e senti escrúpulos… Vendo-me roído de tantos pecados e escabrosos defeitos, julguei mais prudente evitar a crítica dos outros. A ironia é um chicote inconsciente. Por isso, emudeci e aqui estou.

Continuava Jesus silencioso, mas Simão Pedro caminhou para ele e indagou:

— Mestre, que dizes? Desejamos efetivamente praticar o bem, mas como agir dentro das normas de amor que nos traças, se nos achamos, em toda parte do mundo, rodeados de inimigos?

O Amigo Celeste, porém, considerou, breve:

— Pedro, todos os fracassos do dia constituem a resultante da ação de um só adversário que muitos acalentam. Esse adversário invisível é o medo. Tiveste medo da opinião dos outros, Tiago sentiu medo da reprovação alheia, Bartolomeu asilou o medo da perseguição e Filipe guardou o medo da crítica…

Aflito, o pescador de Cafarnaum interrogou: — Senhor, como nos livraremos de semelhante inimigo?

O Mestre sorriu compassivo e respondeu:

— Quando o tempo e a dor difundirem, entre os homens, a legítima compreensão da vida e o verdadeiro amor ao próximo, ninguém mais temerá.

Em seguida, talvez porque o silêncio pesasse em excesso, afastou-se, sozinho, na direção do mar.


(.Humberto de Campos)


Irmão X
Francisco Cândido Xavier


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