Presença de Luz

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Capítulo VIII

Desencarnação de favor


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O rapaz desencarnado entrou na fila das reclamações no departamento adequado a isso e, com rigorosa disciplina, seguiu a longa composição de companheiros.

Chegada a sua vez, indagou do mentor de plantão: — Pode dizer-me, por obséquio, se o senhor tem a ficha referente ao meu caso?

O amigo respondeu afirmativamente.

— Conseguiria informar-me prosseguiu o moço — se havia possibilidade de sobrevivência no corpo físico, para mim, já que eu, decididamente, não queria a desencarnação?

O interpelado consultou um pergaminho, analisando-lhe as figuras e falou: — Sim, havia… Você poderia ficar em casa, por mais tempo, mas diversas autoridades da Vida Superior lhe solicitaram o desligamento definitivo do veículo terrestre, em seu próprio benefício, considerando os seus méritos de jovem correto e cristão.

Nesse ponto do diálogo, o meninão se destrambelhou: — O senhor concordará comigo que foi um contrassenso. Por que requisitaram para mim aquilo que não pedi a ninguém? Qual a razão de me abreviarem o tempo no mundo? Tenho lá família que adoro, amigos que estimo e muitos ideais para realizar…

Anotando-me o destempero, o mentor esclareceu:

— O pedido, em seu auxílio, chegou até aqui, depois de dez minutos após a sua longa primeira parada cardíaca que lhe comprometeu gravemente o campo cerebral.

— Isso é uma agressão! Que imaginam aqui, seja a Terra? O mundo está beneficiado por excelente Medicina. Creio que me cassaram o direito de tentar a própria recuperação. Isso é um absurdo. O senhor não pode ser mais explícito?

— Meu rapaz, infelizmente, não posso. Noto, porém, que você será esclarecido, oportunamente.

Observando que a entrevista fora encerrada, o jovem retomou a companhia de familiares e amigos, sem ocultar a própria contrariedade.

O rapaz procurou adaptar-se à vida nova, lutou para aperfeiçoar os próprios hábitos, dedicou-se ao trabalho e incorporou-se à equipe de serviço, com a qual mais se afinava.

Decorridos catorze anos, em certa reunião para liquidação de contas no departamento já conhecido, o mesmo instrutor informou com solenidade:

— Há tempos, um de nossos companheiros presentes registrou aqui séria reclamação contra o benefício da desencarnação de favor que lhe foi concedida. Devo esclarecer que somente agora, catorze anos depois, é que deveria ele, por justiça, desligar-se do corpo terrestre.

Compreende-se, dessa forma, que ele se livrou, por acréscimo da Misericórdia Divina, de 5.113 dias de mudez e hemiplegia, de prisão e de sofrimento no leito ou na cadeira de rodas; permaneceu isento de duas viagens infrutíferas a países do Exterior para tratamento inexequível; libertou-se de 2.040 massagens dolorosas; deixou de suportar 1.840 espetadas de agulhas para injeções; ficou livre de duas internações hospitalares sem resultados positivos; não precisou tolerar milhares de visitas protocolares, recheadas de conversas inúteis; além de não impor sacrifícios sem conta à sua dedicada mãe e suas três irmãs afetuosas e de exigir sangrias constantes aos cofres paternos.

De todos esses suplícios se liberou o companheiro que hoje é nosso estimado colaborador.

Todos aguardávamos maiores esclarecimentos, quando o mentor concluiu:

— Esse amigo contemplado com o prêmio a que me refiro é o nosso irmão Augusto Cezar.

Nesse instante a emoção me abriu nos olhos uma torrente de lágrimas e, enquanto reconhecia no íntimo que não detinha merecimentos para semelhante manifestação de carinho, a turma me abraçava, gritando com generosidade e alegria:

— Pique, pique, pique!… É hora, é hora, é hora!… Augusto! Augusto! Augusto!… Trabalhar!… Trabalhar!… Trabalhar!…




Augusto Cezar
Francisco Cândido Xavier


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