Sementeira de Luz

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Capítulo II

Já vão para quase dez meses

09|10|1935


Meus caros filhos, Deus os abençoe, iluminando o entendimento de vocês para a verdade que vêm presenciando.

que a morte me arrebatou do carinhoso convívio do lar, roubando-me da vida material. E até hoje, meus filhos, não pude lhes enviar o meu pensamento de pai saudoso e cheio dos extremos de um afeto inacessível ao tempo e às transformações da existência na Terra.

Não avaliam vocês toda a série de preocupações que se represava em meu cérebro exausto naqueles dias pré-agônicos, em que eu ouvia comovido as vozes sussurrantes de todos os que me cercavam, temendo abalar-me com a declaração de toda a verdade. Eu não posso lhes dizer que aguardava a morte com alegria. Ainda possuo o mesmo coração extremoso e me era difícil abandonar o círculo da família que eu havia formado com afeição e ilimitada ternura. O que me acabrunhava o pensamento, naquelas horas angustiosas, era a perspectiva de os deixar com uma herança dolorosa, de ordem microbiana, deixando a vocês, involuntariamente, um dos grandes infortúnios com a incerteza dos males bacteriológicos, segundo a opinião da medicina oficial. Felizmente, porém, meus filhos, a afirmativa dos médicos não se positivou e a grande verdade é que eu já havia cumprido as tarefas que me haviam sido designadas na face do mundo. Chega um momento para o Espírito encarnado em que ele necessita da sua liberdade preciosa. Esse foi o meu caso. Fora Deus servido de que eu os deixasse e, felizmente, o meu grande tesouro é essa serenidade grandiosa da consciência dos deveres cumpridos. Ainda me acho abatido, como alguém cujo característico é a indecisão e a inexperiência. O meu desprendimento, meus filhos, não foi violento e doloroso. A princípio, senti como se algo se separasse de mim mesmo. Queria dirigir a todos a minha palavra, mas os órgãos não correspondiam ao meu grande desejo. Via-os a todos cercando-me de carinho e de imenso conforto. Escutava as orações que partiam do coração dos meus, implorando ao Céu a minha saúde ou o meu descanso! Ah, que desejo ardente o de comunicar-lhes a minha impressão, a estranheza que me causava a atitude de todos, mas os meus braços se haviam gelado, a minha língua se entorpecera, a minha boca estava hirta! Tive receio no limiar do túmulo e na expectativa da eterna separação chorei longamente, mas as minhas lágrimas eu as sentia como um pranto interior, como se em vez de deslizarem-se-me pelas faces fossem alagar o meu coração. Experimentando esse complexo de emoções, que eu não poderia classificar ou definir, fui tomado de inexplicável amnésia. E ainda hoje sinto uma desmemorização parcial, que não me permite lembrar os detalhes dos acontecimentos e das coisas. Caí, então, numa espécie de sonolência ou letargo e hoje presumo que semelhantes impressões físicas de minha parte são filhas do abalo que me causou o desprendimento. Parece-me que há também um trabalho além-túmulo para a reorganização das células do nosso organismo espiritual. Afigura-se-nos, aos recém-desencarnados, que somos recém-nascidos de um mundo novo e, aos poucos, aflora em nosso íntimo a recordação do passado, com as suas lembranças e as suas realidades.

Mas, meus filhos, eu quero pedir a Deus que os abençoe! Não sei traduzir-lhes o meu contentamento, podendo transmitir-lhes a minha palavra!

Você, Rômulo, continue na sua firmeza de convicções. Lembre-se, meu filho, de que você representa muita esperança ainda para o meu coração! Prossiga na sua serenidade! A sua vida está cheia de atribuições sagradas e, graças a Deus, tem sabido encará-las com a serenidade necessária!

Fausto, você e o Albino, às vezes, me davam muito o que pensar! Felizmente, meu filho, você vai dar o passo que eu esperava para normalizar a sua existência. Peço a Jesus que o proteja e o abençoe na sua aspiração de fundar um lar. Todavia, reforme ainda mais o seu bom coração! A responsabilidade engrandece o homem e é para ela que hoje você caminha com desassombro.

A todos os nossos, eu envio a minha saudade.

Não se esqueçam, meus filhos, da velha mãe, tão terna e tão extremosa! Eu tenho visitado algumas vezes a nossa residência de Marquês de Abrantes e gozo vendo a robusta fé da carinhosa companheira de provações.

Recordem-se constantemente de que eu fui, antes de pai, o irmão e o companheiro, e que antes de dar a vocês o lustre acadêmico pelejava por construir nos seus espíritos a concepção firme do caráter e da moral austera para com vocês mesmos.

Digam à Martha para ela continuar na faina abençoada das lições. Deus abençoará o seu coração e o seu labor no colégio, que era a nossa vida e a nossa alegria!

Por hoje, meus filhos, não me é possível dizer mais. Não sei quando poderei retornar a dirigir-lhes a minha palavra afetuosa, mas confiemos em Deus. Será breve.




A. Joviano
Francisco Cândido Xavier


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