Missionários da Luz

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Capítulo XVII

Doutrinação


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Terminavam os trabalhos de uma das reuniões comuns de estudos evangélicos, quando uma entidade muito simpática acercou-se de nós, cumprimentando o meu instrutor, que respondeu com espontânea alegria.

Tratava-se de mãe afetuosa, que expôs, sem rebuços, as preocupações dolorosas que lhe assaltavam o espírito, solicitando o concurso valioso de Alexandre, logo após as primeiras palavras:

— Oh! Meu amigo, até hoje permaneço em luta com o meu infortunado Marinho. Não obstante meus ardentes esforços, o pobrezinho continua prisioneiro dos poderes sombrios. Entretanto, esperançada agora em sua possível renovação, venho pedir-lhe a cooperação no serviço de auxílio à sua alma infeliz!

— Uma nova doutrinação? — interrogou o mentor, solícito.

— Sim, — disse a mãe angustiada, enxugando os olhos, — já recorri a diversos amigos que colaboram na oficina de trabalhos espirituais, onde conheço a sua atuação de orientador, e todos se prontificaram a prestar-me concurso fraterno.

— Nota em Marinho sinais evidentes de transformação interior? — Perguntou Alexandre.

Ela respondeu num gesto afirmativo, com a cabeça, e prosseguiu:

— Há mais de dez anos procuro dissuadi-lo do mau caminho, influenciando-o de maneira indireta. Por mais de uma vez já o conduzi a situações de esclarecimento e iluminação, sem resultado, como é de seu conhecimento. Agora, porém, observo-lhe as disposições algo modificadas. Não sente o mesmo entusiasmo ao receber as sugestões malignas dos infelizes companheiros de revolta e desesperação. Sente inexprimível tédio na posição de desequilíbrio e, vezes diversas, tenho tido a satisfação de conduzi-lo à prece solitária, embora sem conseguir furtá-lo ao fundo de rebeldia.

A venerável entidade imprimiu ligeira pausa à conversação, continuando em tom de súplica:

— Quem sabe terá chegado para ele o divino instante da luz íntima? Muito venho sofrendo por esse pobre filho, desviado da estrada reta, e é possível que o Senhor me conceda, presentemente, a graça de reintegrá-lo na senda do bem… Para esse fim, estou congregando as minhas afeições mais puras.

Em seguida, fixando o mentor, com estranho brilho nos olhos, implorou:

— Oh! Alexandre, conto com o seu apoio decisivo! Preciso trabalhar por Marinho, de cuja desventura me julgo culpada, até certo ponto, e confesso-lhe, meu amigo, que me sinto cansada, em profunda exaustão espiritual!…

— Compreendo-a, — exclamou o interlocutor, comovido, — a luta incessante para arrebatar um coração amado, prisioneiro das trevas, dá para esgotar a qualquer um de nós. Tenha calma, porém. Se Marinho permanece agora entediado diante dos companheiros de criminoso desvio, então será fácil ajudar-lhe o espírito, recolocando-o a caminho da verdadeira elevação. De outro modo, não me abalançaria ao concurso ativo. Confie em nossa tarefa e façamos por ele quanto estiver ao alcance de nossas possibilidades. Tudo está pronto no campo preparatório?

— Sim, — elucidou a respeitável matrona desencarnada, — alguns amigos me auxiliarão a traze-lo, enquanto outros se encarregarão de ajudar Otávia, encaminhando convenientemente o assunto, no agrupamento.

— Pois bem, — concluiu Alexandre, atencioso, — na noite aprazada, estarei presente, cooperando a favor dele, quanto seja possível.


Depois de comovedores agradecimentos, estávamos novamente a sós.

— Porque a doutrinação em ambiente dos encarnados? — Indaguei. — Semelhante medida é uma imposição no trabalho desse teor?

— Não, — explicou o instrutor, — não é um recurso imprescindível. Temos variados agrupamentos de servidores do nosso Plano, dedicados exclusivamente a esse gênero de auxílio. As atividades de regeneração em nossa colônia estão repletas de institutos consagrados à caridade fraternal, no setor de iluminação dos transviados. Os postos de socorro e as organizações de emergência, nos diversos departamentos de nossas Esferas de ação, contam com avançados núcleos de serviço da mesma ordem. Em determinados casos, porém, a cooperação do magnetismo humano pode influir mais intensamente, em benefício dos necessitados que se encontrem cativos das zonas de sensação, na Crosta do Mundo. Mesmo aí, contudo, a colaboração dos amigos terrenos, embora seja apreciável, não constitui fator absoluto e imprescindível; mas, quando é possível e útil, valemo-nos do concurso de médiuns e doutrinadores humanos, não só para facilitar a solução desejada, senão também para proporcionar ensinamentos vivos aos companheiros envolvidos na carne, despertando-lhes o coração para a espiritualidade.

O mentor fixou um sorriso e prosseguiu:

— Ajudando as entidades em desequilíbrio, ajudarão a si mesmos; doutrinando, acabarão igualmente doutrinados.


Satisfeito com as elucidações recebidas, passei a considerar o caso pessoal da terna entidade que nos visitara. Porque permaneceria um Espírito iluminado em serviços consecutivos por alguém que se comprazia nas sombras? Seria justo acorrentar corações maternais a filhos impenitentes?

O orientador, contudo, veio ao encontro de minhas interrogações, explicando:

— A dedicada amiga que nos visitou é uma pobre mãe, em luta depois da morte física.

— A quem se refere na intercessão? — perguntei.

— A um filho que foi sacerdote na Crosta.

— Sacerdote? — Indaguei, profundamente surpreendido.

— Sim, — esclareceu Alexandre. — Os desvios das almas que receberam tarefas de natureza religiosa são sempre mais graves. Existem padres que, contrariamente a todas as esperanças de nosso Plano, se entregam completamente ao sentido literal dos ensinamentos da fé. Recebem os títulos sacerdotais, como os médicos sem amor ao trabalho de curar, ou como os advogados sem qualquer espécie de devotamento ao direito. Estimam os interesses imediatos, requisitam as honrarias humanas e, terminada a existência transitória, se encontram em doloroso fracasso da consciência. Habituados, porém, ao incenso dos altares e à submissão das almas encarnadas, não reconhecem, na maioria das vezes, a própria falência e preferem o encastelamento na revolta lamentável, que os converte em gênios das sombras. Neste particular, — acentuou o instrutor, modificando a inflexão de voz, — devemos reconhecer que semelhante condição, neste lado da vida, é a de todos os homens e mulheres, de inteligência notável, com primores de cultura terrestre, mas desviados do verdadeiro caminho de elevação moral. Comumente, as pessoas mais sensíveis e cultas criam o mundo que lhes é peculiar e esperam furtar-se à lei de testemunho próprio, no campo das virtudes edificantes. Acostumadas à fácil aquisição de vantagens convencionais na Crosta, pretendem resolver, depois da perda do corpo físico, os problemas espirituais pelo mesmo processo, e, encontrando tão somente a Lei, que manda conceder a cada um segundo as suas obras, (Mt 16:27) não raro agravam a situação, internando-se no escuro país do desespero, onde se reúnem a inúmeras companhias da mesma espécie. Dentre as criaturas dessa ordem, sobressai a elevada percentagem dos ministros de várias religiões. Referindo-nos apenas aos das escolas cristãs, verificamos que a maioria não pondera na exemplificação do próprio Mestre Divino. Cerram olhos e ouvidos aos sacrifícios apostólicos. Simão Pedro, João Evangelista, Paulo de Tarso, representam para eles figuras demasiadamente distantes. Apegam-se às decisões meramente convencionais dos concílios, estudam apenas os livros eclesiásticos e querem resolver todas as transcendentes questões da alma através de programas absurdos, de dominação pelo culto exterior. Erguem basílicas suntuosas, olvidando o templo vivo do próprio espírito; homenageiam o Senhor como os orgulhosos romanos reverenciavam a estátua de Júpiter, tentando subornar o poder celeste pela grandeza material das oferendas. Mas ai! Esquecem o coração humano, menosprezam o espírito de humanidade, ignoram as aflições do povo, a quem foram mandados servir. E, cegos aos próprios desvarios, ainda aguardam um Céu fantástico que lhes entronize a vaidade criminosa e a ociosidade cruel.

Alexandre, neste ponto das elucidações, como se fora chamado a meditações mais profundas, silenciou por momentos, continuando em seguida:

— Para estes, André, a morte do corpo é um acontecimento terrível. Alguns enfrentam, corajosos, a desilusão necessária e proveitosa. A maioria, porém, fugindo ao doloroso processo de readaptação à realidade, precipita-se nos campos inferiores da inconformação presunçosa, organizando perigosos grupamentos de almas rebeladas, com os quais temos de lutar por nossa vez… Quase todas as escolas religiosas falam do inferno de penas angustiosas e horríveis, onde os condenados experimentam torturas eternas. São raras, todavia, as que ensinam a verdade da queda consciencial dentro de nós mesmos, esclarecendo que o Plano infernal e a expressão diabólica encontram início na esfera interior de nossas próprias almas.

O orientador amigo fez novo intervalo, e, depois de pensar a sós, durante alguns instantes, considerou:

— Você compreende… Os que caem por ignorância aceitam com alegria a retificação, desde que se mantenham em padrão de boa vontade sincera. Os que se precipitam no desequilíbrio, porém, atendendo à sugestão do orgulho, experimentam grande dificuldade para ambientar a corrigenda em si mesmos. Precisam edificar maior patrimônio de humildade, antes de levarem a efeito a restauração imprescindível.

Observando que o mentor silenciara novamente, perguntei:

— Mas se o erro voluntário pertence ao sacerdote, no caso em exame, como explicar o sacrifício materno?

Alexandre não hesitou.

— Há renunciações sublimes, em nosso Plano, — exclamou, sensibilizado, — dentro das quais companheiros existem que se sacrificam pelos outros, através de muitíssimos anos; mas, no processo sob nossa observação, a nossa amiga tem a sua percentagem de culpa. Na qualidade de mãe, ela quis forçar as tendências do filho jovem. Em verdade, ele renascera para uma tarefa elevada no campo da filosofia espiritualista; contudo, de modo algum se encontrava preparado para o posto de condutor das almas. A genitora, entretanto, obrigou-o a aceitar o ingresso no seminário, violentando-lhe o ideal e, indiretamente, colaborou para que o seu orgulho fosse demasiadamente acentuado. Interpretando suas tendências para a filosofia edificante, à conta de vocação sacerdotal, impôs-lhe o hábito dos Jesuítas, que ele deslustrou com a vaidade excessiva. Claro que a nossa irmã estava possuída das mais santas intenções; todavia, sente-se no dever de partilhar os sofrimentos do filho, sofrimentos, aliás, que ele mesmo ainda não chegou a experimentar em toda a extensão, em vista da crosta de insensibilidade com que a revolta lhe vestiu a alma desviada.

Porque Alexandre fizesse uma pausa mais longa, interroguei:

— Mas se o filho foi conduzido a situação difícil, para a qual não se encontrava convenientemente preparado, será tão grande a culpa dele?

O instrutor sorriu, em vista das minhas reiteradas arguições, e esclareceu:

— A genitora errou pela imprevidência, ele faliu pelos abusos criminosos, em oportunidade de serviço sagrado. Alguém pode abrir-nos a porta de um castelo, por excesso de carinho, mas, porque tenhamos obtido semelhante facilidade, não quer isto dizer isenção de culpa, caso venhamos a menosprezar a dádiva, destruindo os tesouros colocados sob nossos olhos. Por isso mesmo, a carinhosa mãe está efetuando a retificação amorosa de um erro, enquanto o filho infeliz expiará faltas graves.

Essa explicação encerrou a palestra referente ao assunto.


Na noite previamente marcada, acompanhei o pequeno grupo que procurou Marinho para o auxílio espiritual.

Constituía-se a nossa reduzida expedição apenas de quatro entidades: Alexandre, a genitora desencarnada, um companheiro de trabalho e eu. Com grande surpresa, vim a saber que esse companheiro nosso, de nome Necésio, funcionaria na qualidade de intérprete, junto ao sacerdote infeliz. Necésio fora igualmente padre militante e mantinha-se em padrão vibratório acessível à percepção dos amigos de ordem inferior. Marinho não nos veria, segundo me informou Alexandre, mas enxergaria o ex-colega, entraria em contato com ele e receberia nossas sugestões por intermédio do novo colaborador.

Admirando a sabedoria que preside a semelhantes trabalhos de cooperação fraternal, segui atenciosamente o grupo, que se dirigiu a uma igreja de construção antiga.

Se estivesse ainda na carne, talvez o quadro sob meu olhar me despertasse terríveis sensações de pavor, mas, agora, a condição de desencarnado impunha-me a disciplina emotiva. Enchia-se o templo de figuras patibulares. Inúmeras entidades dos Planos inferiores congregavam-se ali, cultivando, além da morte, as mesmas ideias de menor esforço no campo da edificação religiosa. Alguns sacerdotes, envolvidos em vestes negras, permaneciam igualmente ao pé dos altares, enquanto um deles, que parecia exercer funções de chefia, comentava, de um púlpito, o poder da igreja exclusivista a que pertenciam, expondo com extrema sutileza novas teorias sobre o céu e a bem-aventurança.

Assombrado, ouvi a palavra amiga de Alexandre, que me explicava, gentilmente:

— Não estranhe. Os desesperados e preguiçosos também se reúnem, depois da transição da morte física, segundo as tendências que lhes são peculiares. Como acontece às congregações de criaturas rebeldes, na Crosta Planetária, os mais inteligentes e sagazes assumem a direção. Muitos males são praticados por estes infelizes, inconscientemente…

— Oh! — Exclamei com espanto, — como podem entronizar a ignorância a este ponto? quem poderia crer no quadro que observamos? Se são criaturas informadas quanto à verdade, por que motivo ainda se entregam à prática do mal?

— Trata-se de ação maléfica inconsciente esclareceu o bondoso Alexandre.

— Mas, — respondi, aturdido, — por que contrassenso as almas cientes da distância que as separa da carne não se rendem à lei do bem?

O instrutor sorriu e obtemperou:

— Entretanto, na própria Humanidade encarnada você encontrará idênticos fenômenos. Decorridos mais de mil anos sobre os ensinamentos do Cristo, com a visão ampla dos sacrifícios do Mestre e de seus continuadores, cientes da lição da Manjedoura e da Cruz, investidos na posse dos tesouros evangélicos, abalançaram-se os homens às chamadas guerras santas, exterminando-se uns aos outros, em nome de Jesus, instituíram tribunais da Inquisição, cheios de suplícios, onde pessoas de todas as condições sociais foram atormentadas, aos milhares, em nome da caridade de Nosso Senhor. Como você verifica, a ignorância é antiga e a simples mudança de indumentária que a morte física impõe não modifica o íntimo das almas. Não temos “céus automáticos”, temos realidades.

Sem disfarçar meu assombro, voltei a indagar:

— Mas, como vivem essas criaturas desventuradas? Obedecem a organizações que lhes sejam próprias? Possuem sistemas especiais?

— A maioria aqui, — esclareceu o instrutor, — é constituída de entidades desencarnadas em situação de parasitismo. Pesam naturalmente na economia psíquica das pessoas às quais se reúnem e na atmosfera dos lares que as acolhem. Não creia, porém, na inexistência de organizações nas zonas inferiores. Elas existem e, em grande número, não obstante os ascendentes de orgulho e rebeldia que lhes inspiraram as fundações. Em semelhantes agrupamentos, dominam os gênios da perversidade deliberada. Aqui, sob nossos olhos, temos tão somente uma assembleia de almas sofredoras e desorientadas. Você não conhece ainda os antros do mal, em sua verdadeira significação.

E, num gesto expressivo, acentuou:

— Não vivemos em paz com esses focos de maldade organizada. Compete-nos lutar contra eles, até à vitória completa do bem.

Mais uma vez, senti a extensão e a magnitude dos serviços que aguardam os leais servidores de Jesus, depois da morte do corpo físico.


Escutava com interesse a engenhosa pregação do dirigente desencarnado, quando o novo cooperador que nos acompanhava fez-nos ligeiro sinal a alguma distância, interessado em não se imiscuir na multidão, por causa da sua condição de visibilidade aos circunstantes, sinal esse a que Alexandre atendeu imediatamente, seguido pela genitora aflita, e por mim.

O companheiro localizara Marinho e chamava-nos ao trabalho.

Em recanto escuro de uma das velhas dependências do templo, mantinha-se a pobre entidade em meditação. A mãe carinhosa aproximou-se e afagou-lhe a fronte. Todavia, o filho infortunado, como acontece à maioria dos homens terrestres em face da influência das almas superiores, apenas sentiu uma vaga alegria no coração. Avistou, porém, o nosso novo amigo com o qual estabeleceu interessante diálogo.

Logo após receber-lhe afetuosa saudação, perguntou Marinho, surpreso:

— Foi também padre?

— Sim, — respondeu Necésio, com simpatia.

— Pertence aos submissos ou aos lutadores? — Interrogou Marinho, algo irônico, dando a entender que por submissos compreendia todos os colegas cultivadores da humildade evangélica, e por lutadores todos aqueles que, não encontrando a realidade espiritual, segundo as falsas promessas do culto exterior, se achavam entregues à faina ingrata de revolta e desesperação.

— Pertenço ao grupo da boa vontade, — respondeu Necésio, com inteligência.

Incapaz de perceber a nossa presença ao seu lado, Marinho fixou o nosso companheiro com sarcasmo e tristeza simultânea e perguntou:

— A que me procura?

— Soube que você, meu amigo, — explicou-se o interlocutor, com emoção, — experimenta certas dificuldades íntimas, que também venho sofrendo. A dificuldade para conhecer o bem e o cansaço da permanência no mal, a necessidade de afeições e o tédio das companhias inferiores representaram para mim padecimentos enormes.

Enquanto o sacerdote triste mudava de expressão fisionômica, Necésio continuava:

— É bem amargo reconhecer a impossibilidade de vivermos sem esperança, conservando, ao mesmo tempo, o desencanto de viver.

— Oh! Sim, é verdade! — Exclamou o interlocutor, comovido com a observação.

— E porque não trabalharmos contra isto?

— Mas, como? — Interrogou Marinho, com inflexão dolorosa, — prometeram-nos na Terra um céu aberto aos nossos títulos e a morte nos revelou situações francamente opostas. Não ministrávamos nós os sacramentos, não fomos revestidos do poder? Confiaram-nos dominações e impuseram-nos aqui humilhações angustiosas… Para quem apelar? Insubordinar-se agora é um dever.

Notei que o nosso colaborador se prontificava a responder com argumentação sólida, de essência evangelizante, falando-lhe das vaidades terrestres e das interpretações arbitrárias do homem, no campo das leis divinas, mas antes que Necésio pudesse imprimir à conversação qualquer sinal de contenda, Alexandre advertiu-o, bondosamente:

— Não discuta.

O interpelado modificou a disposição e considerou, com afabilidade:

— Sim, meu amigo, cada consciência tem suas lutas e problemas próprios. Não venho disputar a sua renovação compulsória. Incumbido por alguns amigos que se interessam pela sua felicidade, em Plano mais alto, venho convidá-lo para uma reunião.

— Desejarão, acaso, modificar o meu rumo, como já tentaram? — Perguntou Marinho, curioso.

— Naturalmente foram avisados de seu novo estado íntimo, — aduziu Necésio, decidido, — e talvez pretendam oferecer-lhe vantagens novas. Quem sabe?

O interlocutor pensou alguns minutos e voltou a fazer indagações, quanto aos seus prováveis benfeitores. O nosso companheiro, porém, informou com serenidade:

— Não dispomos de tempo para muitas elucidações. Creio que o amigo, como aconteceu comigo mesmo, lucrará muitíssimo. Entretanto, se deseja tentar uma solução para o seu caso, não podemos perder os minutos.

Via-se que Marinho penetrava o terreno obscuro da indecisão; no entanto, sua genitora desencarnada enlaçou-o com mais carinho, a pedir-lhe mentalmente que acompanhasse o mensageiro, sem hesitação. Impossibilitado de oferecer resistência àquela vigorosa imposição magnética do amor maternal, exclamou, resoluto:

— Vamo-nos!

Necésio estendeu-lhe o braço de irmão e retiramo-nos, apressadamente, por uma das pequenas portas laterais.


Em breves minutos, penetrávamos o conhecido recinto de orações e trabalhos espirituais.

Observei que muitos servidores de nossa Esfera mantinham-se de mãos dadas, formando extensa corrente protetora da mesa consagrada aos serviços da noite. O quadro era para mim uma novidade.

Alexandre, porém, explicou-me, discreto:

— Trata-se da cadeia magnética necessária à eficiência de nossa tarefa de doutrinação. Sem essa rede de forças positivas, que opera a vigilância indispensável, não teríamos elementos para conter as entidades perversas e recalcitrantes.

O instrutor, porém, fez-me perceber que a hora não comportava conversações e, auxiliando Necésio, localizou Marinho dentro do círculo magnético, onde, com surpresa, verifiquei a presença de vários desencarnados sofredores, trazidos por outros pequenos grupos de amigos espirituais e que, por sua vez, aguardavam a oportunidade de doutrinação.

Sentindo, agora, o ambiente em que se achava, Marinho quis recuar, mas não pôde. A fronteira vibratória estabelecida pelos nossos colaboradores, a reduzida distância da mesa de fraternidade, impedia-lhe a fuga.

— Isto é um logro! — Clamou, revoltado.

— Sossegue! — Respondeu-lhe Necésio, sem se alterar, — você conquistará grande alívio. Espere! Poderá desabafar suas mágoas e ouvir a palavra compassiva de um orientador cristão, ainda encarnado. E em seguida, quem sabe? talvez possa ver algum ente querido que se encontre em zonas mais altas, à espera de seu fortalecimento e iluminação…

— Não quero! Não quero! — Bradava o infeliz.

— Sabe assim a verdade, meu amigo? — Perguntou-lhe o nosso companheiro, com inflexão de ternura. — Poderá adivinhar a procedência do socorro de hoje? Conseguirá lembrar-se de quem me enviou ao seu encontro?

O sacerdote desencarnado fixou nele os olhos tomados de expressão terrível, mas Necésio, sem perder a calma, falou, depois de uma pausa mais longa:

— Sua mãe!

Marinho escondeu o rosto nas mãos e prorrompeu em pranto angustioso.

A esse tempo, secundado por diversos auxiliares, Alexandre prestava ao organismo de Otávia o máximo de concurso fraterno, em cotas abundantes de recursos magnéticos. Compreendi que, se para os fenômenos de intercâmbio com os desencarnados esclarecidos era necessário o auxílio de nosso Plano ao campo mediúnico, no caso presente essa cooperação deveria ser muito maior, em vista da condição dolorosa e lastimável dos comunicantes. Com efeito, a médium Otávia recebia os mais vastos recursos magnéticos para a execução de sua tarefa.

Daí a minutos, providenciava-se a incorporação de Marinho, que tomou a intermediária sob forte excitação. Otávia, provisoriamente desligada dos veículos físicos, mantinha-se agora algo confusa, em vista de encontrar-se envolvida em fluidos desequilibrados, não mostrando a mesma lucidez que lhe observáramos anteriormente; todavia, a assistência que recebia dos amigos de nosso Plano era muito maior.

Um instrutor de elevada condição hierárquica substituiu Alexandre junto da médium, passando o meu orientador a inspirar diretamente o colaborador encarnado, que dirigia a reunião.


Enquanto isto ocorria, vários ajudantes de serviço recolhiam as forças mentais emitidas pelos irmãos presentes, inclusive as que fluíam abundantemente do organismo mediúnico, o que, embora não fosse novidade, me surpreendeu pelas características diferentes com que o trabalho era levado a efeito.

Não pude conter-me e interpelei um amigo em atividade nesse setor.

— Esse material, — explicou-me ele, bondosamente, — representa vigorosos recursos plásticos para que os benfeitores de nossa Esfera se façam visíveis aos irmãos perturbados e aflitos ou para que materializem provisoriamente certas imagens ou quadros, indispensáveis ao reavivamento da emotividade e da confiança nas almas infelizes. Com os raios e energias, de variada expressão, emitidos pelo homem encarnado, podemos formar certos serviços de importância para todos aqueles que se encontrem presos ao padrão vibratório do homem comum, não obstante permanecerem distantes do corpo físico.

Compreendi a elucidação, reconhecendo que, se é possível efetuar uma sessão de materialização para os companheiros encarnados, noutro sentido a mesma tarefa poderia ser levada a efeito para os irmãos desencarnados, de condição inferior.


Admirando a excelência e a amplitude das atividades dos nossos orientadores, fixei a minha atenção na palestra que se estabeleceu entre Marinho, incorporado em Otávia, e o doutrinador humano, orientado intuitivamente por Alexandre.

A princípio, o sacerdote demonstrava imenso desespero e pronunciava palavras fortes que lhe denunciavam a rebeldia. O interlocutor, contudo, falava-lhe com serenidade cristã, revelando-lhe a superioridade do Evangelho vivido sobre o Evangelho interpretado.

A certa altura da doutrinação, percebi que Alexandre chamava a si um dos diversos cooperadores que manipulavam os fluidos e forças recolhidos na sala e recomendou-lhe que ajudasse a genitora de Marinho a tornar-se visível para ele. Notei que a senhora desencarnada, com os préstimos de outros amigos, atendeu imediatamente, ao passo que Alexandre, abandonando por momentos o seu posto junto ao doutrinador, aplicou passes magnéticos na região visual do comunicante, compreendendo, então, que ali se encontravam em jogo interessantes princípios de cooperação. A genitora amorosa resignava-se ao envolvimento em vibrações mais grosseiras, por alguns minutos, enquanto o filho elevaria a percepção visual até o mais alto nível ao seu alcance, para que pudessem efetuar um reencontro temporário de benéficas consequências para ele.

Voltou Alexandre a fixar-se ao lado do dirigente e, com surpresa, ouvi que o amigo encarnado desafiava o exasperado comunicante, agindo francamente por intuição com a sua voz quente de sinceridade no ministério do amor fraternal:

— Observe em volta de si, meu irmão! Exclamava o doutrinador, comoventemente, — reconhece quem se encontra ao seu lado?

Foi então que o sacerdote lançou um grito terrível:

— Minha mãe! — Disse ele, alarmado de dor e vergonha, — minha mãe!…

— Porque não render-se ao amor de Nosso Pai Celeste, meu filho? — Disse a genitora, emocionada, abraçando-o, — chega de vãs discussões e de contendas intelectuais! Marinho, a porta de nossas ilusões terrenas cerrou-se com os nossos olhos físicos!… Não transfira para cá nossos velhos enganos! Atenda-me! Não se revolte mais! Humilhe-se diante da verdade! Não me faça sofrer por mais tempo!…

Os encarnados presentes viam tão somente o corpo de Otávia, dominado pelo sacerdote que lhes era invisível, quase a rebentar-se de soluços atrozes, mas nós víamos além. A nobre senhora desencarnada postou-se ao lado do filho e começou a beijá-lo, em lágrimas de reconhecimento e amor. Pranto copioso identificava-os.

Cobrando forças novas, a genitora continuou:

— Perdoe-me, filho querido, se noutra época induzi o seu coração à responsabilidade eclesiástica, modificando o curso de suas tendências. Suas lutas de agora atingem-me a alma angustiada. Seja forte, Marinho, e ajude-me! Desvencilhe-se dos maus companheiros! Não vale rebelar-se. Nunca fugiremos à lei do Eterno! Onde você estiver, a voz divina se fará ouvir no imo da consciência…

Nesse momento, observei que o sacerdote recordou instintivamente os amigos, tocado de profundo receio. Agora, que reencontrava a mãezinha carinhosa e devotada a Deus, que sentia a vibração confortadora do ambiente de fraternidade e fé, sentia medo de regressar ao convívio dos colegas endurecidos no mal.

Apertou a destra materna, confiante, e perguntou:

— Oh! Minha mãe, posso acompanhá-la para sempre?

A entidade amorável contemplou-o, com redobrado amor, através do véu do pranto, e respondeu:

— Por enquanto, não, meu filho! Poderá você distanciar-se do desequilíbrio, neste momento, quebrar todos os elos que o prendem às zonas inferiores, abandonando-as de vez; entretanto, há que transformar sua condição vibratória, através da renovação íntima para o bem, mediante a qual será possível nossa reunião em breve, no Lar Divino. Não tenha receio, porém. Providenciaremos todos os recursos necessários à sua vida nova, desde que você modifique sinceramente os propósitos espirituais. Dê-nos a boa vontade fiel e Jesus nos auxiliará, quanto ao resto!… Temos aqui um desvelado amigo que nos prestará sua valiosa colaboração. Refiro-me a Necésio, o bom irmão que o trouxe ao nosso encontro. Ele colocará à sua disposição os recursos precisos à conduta diferente. A princípio, Marinho, você experimentará dificuldades e dissabores, será assediado pelos antigos companheiros, que se converterão em adversários, mas, sem a luta que facilita a aquisição dos valores reais, não aprenderemos onde se encontra o nosso verdadeiro lugar na obra de Deus.

O filho infortunado prometeu-lhe a transformação imprescindível.

Depois de encorajá-lo com ponderada ternura, a devotada senhora deixou-o entregue aos cuidados de Necésio, que, prazerosamente, recebeu a missão de encaminhá-lo na esfera dos deveres novos.

Após despedir-se da mãezinha abnegada, que voltou à nossa companhia, o sacerdote conversou ainda, por alguns minutos, com o dirigente encarnado da reunião, surpreendendo-o com a mudança brusca.

Fora obtida, de fato, uma dádiva do Senhor. A dedicação maternal produzira salutares efeitos naquele coração exasperado e desiludido.

Marinho não poderia ser arrebatado das sombras para a luz somente em virtude da amorosa cooperação de nosso Plano, mas recebeu nosso auxílio fraterno e utilizaria os elementos novos para colocar-se a caminho da Vida Mais Alta. Reconheci, admirando a justiça do Pai, que a genitora dedicada não poderia entregar-lhe a colheita de luz que lhe era própria; contudo, fornecia-lhe valiosas sementes, para que ele as cultivasse como bom lavrador.


Outros grupos, procedentes de outras regiões, traziam seus tutelados para a doutrinação, de acordo com o programa de serviço estabelecido previamente.

Foram quatro as entidades que receberam os benefícios diretos dessa natureza, através de Otávia e outro médium.

Em todos os casos, o magnetismo foi empregado em larga escala pelos nossos instrutores, salientando-se o de um pobre negociante que ainda ignorava a própria morte. Demonstrando ele certa teimosia, em face da verdade, um dos orientadores espirituais, da condição hierárquica de Alexandre, impondo-lhe sua vontade vigorosa, fê-lo ver, a distância, os despojos em decomposição. O infeliz, examinando o quadro, gritava lamentosamente, rendendo-se, por fim, à evidência dos fatos.

Em todos os serviços, o material plástico recolhido das emanações dos colaboradores encarnados satisfez eficientemente. Não era mobilizado apenas pelos amigos de mais nobre condição, que necessitavam fazer-se visíveis aos comunicantes; era empregado também na fabricação momentânea de quadros transitórios e de ideias-formas, que agiam beneficamente sobre o ânimo dos infelizes, em luta consigo mesmos. Um dos necessitados, que tomara o médium sob forte excitação, quis agredir os componentes da mesa em tarefa de auxílio fraternal. Antes, porém, que pusesse em prática o sinistro desígnio, vi que os técnicos de nosso Plano trabalhavam ativos na composição de uma forma sem vida própria, que trouxeram imediatamente, encostando-a no provável agressor. Era um esqueleto de terrível aspecto, que ele contemplou de alto a baixo, pondo-se a tremer, humilhado, esquecendo o triste propósito de ferir benfeitores.

Depois de trabalhos complexos da nossa Esfera, terminou a sessão, com grandes benefícios para todos.

Dentro de mim, germinavam novos mundos de pensamento.

Os trabalhos havidos para cada caso particular constituíam lições diferentes para minhalma. E, aturdido pela dilatação da luz que se fazia cada vez mais intensa e viva no meu círculo mental, reconheci que os gênios celestes poderiam trazer o mais belo e eficiente socorro aos Espíritos da sombra, que, movidos de piedade e amor, conseguiriam instalar abundantes celeiros de bênçãos, junto dos sofredores, mas que, de conformidade com a Eterna Lei, os necessitados só poderiam receber os divinos benefícios se estivessem dispostos a aderir, por si mesmos, aos trabalhos do bem.




[Referência ao em Nosso Lar.]


André Luiz
Francisco Cândido Xavier


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