Somente Amor

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Capítulo XVI

Assunto de mulher


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Notando um companheiro

Trabalhando a chorar,

Fraternalmente perguntei,

Sem qualquer pretensão,

Como podia eu suprimir-lhe o pesar,

Através da oração…


Ele me respondeu, de sentimento aberto,

— “Irmã Dolores,

O meu drama por certo

É um caso igual a muito caso triste…”


E como se fitasse o próprio centro

Do romance de dor que trazia por dentro,

Esclareceu, sereno:

— “Penso que amor de mãe é a luz maior que existe

Depois do amor de Deus que nos envolve e aquece.

Pois, creia. Há doze anos

Fui expulso

Do ninho maternal para sofrer

Terríveis desenganos

Que nunca admiti me viessem testar

A energia da fé e o perdão por dever;

Benfeitores daqui me prepararam

Para existência nova…

Cabia-me voltar à Terra, o educandário,

Onde entraria em prova

Para seguir, mais tarde, em novo itinerário.

Fui levado ao casal que me receberia;

Ante a futura mãe que Deus me concedia,

Enterneci-me tanto

Que me desfiz em pranto

De júbilo sublime…

Era uma jovem de maneiras temas,

De olhar meigo e profundo,

Pareceu-me, em verdade, ao conhecê-la,

Que viveria ao lado de uma estrela

Em regressando ao mundo…

Amparado por nossos benfeitores,

No preciso momento,

Adormeci em branda anestesia,

Depois, sem aflição, sem sofrimento,

Não sei como me vi ligado a ela…

Tinha a ideia de estar num sonho de alegria,

Restituído ao tempo de criança…

Dormindo, descuidado, em pequenina cela,

Junto à jovem mulher que me guardava,

Não podia dizer se vivia ou sonhava…

Sentia-me crescer envolto de amor puro,

Antevendo, feliz, o brilho do futuro…

Mas, quando tudo parecia

Que estava retornando a novo dia,

Senti-me deslocado, de repente,

Sonâmbulo, inconsciente,

Supliquei proteção naquele pesadelo…

Ninguém, ninguém me ouvia o repetido apelo,

Reconheci, por fim,

Naquele coração a que o Céu me entregara

Um coração de gelo,

Que me batera e me expulsara

Infeliz, humilhado e semimorto,

Num processo de aborto…

Por muito tempo andei numa nuvem estranha,

Remoendo revolta e desesperação,

Como quem despertava, a pouco e pouco,

Até que, em certo dia, acordei quase louco,

Padecendo terrível sensação…

Não quis ouvir qualquer aviso

Que me induzisse à bênção do perdão…

Fiz-me um demônio de improviso,

Duro perseguidor,

Flagelando, a rigor

Aquela que me dera o menosprezo e a morte,

Aniquilando-me à vontade

Em regime de plena impunidade…

Fui encontrá-la numa festa,

Gritei-lhe em rosto o meu ressentimento,

Ela não me escutou, na forma acostumada,

Mas sentiu-me a presença envenenada,

Sob a forma de culpa e de arrependimento…

Exagerei-lhe a dor, amargurei-lhe a vida,

Dia a dia, hora a hora, em agressão comprida,

Até que em meu desforço injusto e inglório,

Vi-lhe a entrada num triste sanatório…”


E o companheiro transformado

Em obreiro do bem que servia, a meu lado,

Solicitou, comovedoramente:

— “Agora que compreendo

O dever de ajudar pela bênção do amor,

Já não sou mais o obsessor…

Preciso devolver-lhe o equilíbrio e a saúde,

Fazer-lhe todo o bem que ainda não pude,

Extirpar a raiz dos males que lhe fiz

E auxiliá-la a ser feliz…

Hoje é o dia em que devo estar com ela

Em visita de paz numa prece singela…

Quer ir comigo, irmã?” — Falou o amigo.

E lá me fui ao generoso abrigo

Em que vive a doente…

Não posso descrever o quadro comovente,

A dor que me feriu ao vê-la desgrenhada…


Ao sentir-nos de perto a pobre dementada,

Agitou-se ferida na memória

E recapitulando a própria história,

Começou a gritar em penoso estribilho:

— “Doutor, quero o meu filho…

Onde ficou meu filho?…”


Tocados de emoção,

Oramos pela paz da doente querida,

Mas pensando na dor que geramos na vida,

Roguei a Deus:

— “Senhor, quando eu voltar ao mundo

Seja qual for o campo em que estiver,

Não me deixes perder o sentido profundo

Que puseste em amor, na missão da mulher!…”




Maria Dolores
Francisco Cândido Xavier


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