Somente Amor

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Capítulo II

Solidão e amor


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Certo amigo de Cristo

Buscou a solidão, no pressuposto

De consagrar-se ao Mestre inteiramente…


A concentrar-se nisto,

Dizia achar, na Terra, um campo irreverente,

Que o situava sempre em extremo desgosto;

Considerava a multidão

Por massa preguiçosa em movimento vão,

Queria meditar sozinho e atento

Sem barulhos quaisquer, sem qualquer elemento

Que lhe pusesse em risco a paz que planejara.


Ei-lo, assim, na paisagem doce e rara

Que ele mesmo formara, dia a dia:

A choça acolhedora, em perene harmonia,

A plantação florindo

O chão tratado e lindo

E as águas marulhosas

Da fonte que nutria os gerânios e as rosas…

Tudo ali era a paz da vida pura e mansa…


E ele, o aspirante à luz

Do contato supremo com Jesus,

Parecia, na essência, uma criança,

Que pensava no Céu, de momento a momento,

Sem qualquer sofrimento

Que lhe pudesse vir

Das forças antagônicas do mundo;

E, solitário, em êxtase profundo,

Aguardava o porvir.


De quando a quando,

Fosse regando as plantas prediletas

Ou simplesmente contemplando,

Na mística alegria dos ascetas,

A luz do entardecer,

Dizia em prece calma:

— “Agradeço, Senhor, a santa solidão,

Na qual te posso dar toda a minhalma,

Todo o meu coração!…

Graças a Ti, Jesus, já não mais compartilho

Das discussões hostis com que o mundo te nega,

Sei que te espero em paz sem qualquer empecilho

Da Humanidade, às vezes, triste e cega…

Louvado sejas, meu Senhor,

Por me haveres doado,

Este sítio feliz, onde vivo isolado,

Para aguardar-te a vinda, em meu imenso amor!…”


Meses correram, velozmente,

E o discípulo a sós, piedoso e crente,

Louvava a solidão e os Céus, todos os dias,

Esperando o Messias.


Numa noite, porém, friorenta e escura,

Quando fitava os astros

A penderem da Altura,

Viu que uma luz de longe,

A esgueirar-se de rastros,

Vinha ao encontro dele e, de repente,

Eis que a luz a crescer, inopinadamente,

Toma a forma de um homem que ele fita

Com ternura infinita…

Ajoelha-se e chora de emoção,

Reconhecendo o Mestre Nazareno,

A pousar nele o olhar belo e sereno,

Renovando-lhe a paz do coração…


Mostrando-se em viagem,

O Cristo lhe sorri como que de passagem,

Mas sem se interromper, prossegue, além…


Levanta-se o aprendiz e corre-lhe no encalço,

Depois, grita, feliz:

— “Encontrar-te, Senhor, é tudo quanto eu quis…

Fica, porém, comigo alguns instantes,

São tuas estas flores repousantes,

Abençoa estes sítios em que penso

No teu amor imenso,

Este lugar é teu!…”


Jesus, deteve-se um momento

E, após abençoá-lo, esclareceu:

— “Agradeço-te, irmão,

Tudo quanto me dás ao coração,

As preces de louvor

Que me endereças, cada dia,

E o perfume de paz e de alegria

Que me ofertas

Em teu jardim de amor

Nestas plagas desertas…

Desejo-te ao remanso,

Refazimento à fé, reconforto ao descanso;

No entanto, para mim,

Enquanto houver na Terra algum sinal de pranto,

Não posso demorar-me em teu jardim.

O trabalho do amor é meu clima e meu lar,

Ignoro se escutas

A alma da Humanidade em pavorosas lutas.

Ouço os gritos de dor dos corações caídos,

As petições amargas, os gemidos

De mães desesperadas,

Os apelos dos grandes infelizes,

Peregrinos de todas as estradas

Entre aflições e crises;

O choro das crianças sem ninguém,

Os doentes largados ao vazio

De espírito cansado e coração sombrio,

Ante as visões do Além

A tristeza e a revolta dos ateus,

Irmãos infortunados

Que se afastam de Deus…

Tenho comigo a paz do Reino Excelso,

Mas de todos os lados

Ouço o imenso clamor

Dos que rogam aos Céus

Consolação e fé, auxílio, luz e amor…

Amo a todos, porém

Devo permanecer com quem se aflige e chora

À distância do bem!…”


Dito isso, o Senhor pôs-se em caminho

Mas o devoto, em novo pensamento,

Deixou a solidão em que vivia

Tão deslumbrado quanto desatento.

E, de novo, entre as grandes multidões

Erguia e consolava corações,

Às vezes, insultado, injuriado e aflito

Mas procurando em todos

A presença do amor soberano e infinito;

Varando lodo e sombra, muito embora,

Seguia com Jesus, hora por hora,

Construindo o porvir…

E, elegendo no amor, a vida, o sonho e o lar,

Começou a esquecer-se e passou a servir,

Sem nada perguntar,

Sem nada mais pedir.




Maria Dolores
Francisco Cândido Xavier


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