Tempo e Amor

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Capítulo XI

Mensagem de Amaro Francisco

Querida Nair, Deus nos proteja.

Estou ainda hesitante. Quase menino de escola no primeiro ano do alfabeto. É a vida nova. Por isso, escrevo com auxílio. Como não podia deixar de ser e você compreende.

Choro, como é justo. Lágrimas de muita saudade, mas iluminadas pela fé em Jesus. Como eu queria ter palavras para dizer o que desejo! Mas, é tudo tão novo para mim que renuncio ao conforto de falar com mais segurança. Peço a você: ajude-me, como sempre. Não chore mais. Você dirá que tem feito força. Eu sei que é assim. Mas, a gente chora por dentro, conversando com a gente mesmo. Estamos ainda muito ligados na vida terrestre. Mas, aos poucos, nossa união subirá mais. A dor da separação será esperança, o anseio de comunhão será bênção. Tudo o que você sente e pensa repercute ainda em mim. Estou longe e perto, estamos separados e juntos. Não sei esclarecer ainda estes pontos, entretanto, um dia, entenderei os mecanismos dessas ligações.

Nossos filhinhos são nossas flores, nossa riqueza. Fale, minha querida, com eles, que não morri. Explique à nossa Ana, ao nosso Luís Carlos, ao nosso Carlos Roberto e à nossa Luciana que a morte não existe. Ninguém deve recordar-me como no último dia do corpo que se foi. Lembremo-nos uns dos outros como nos dias mais felizes, porque tudo terminará mais tarde em felicidade completa.

Realmente, ainda tenho as marcas da transição. O choque, Nair, foi tão grande que não tive tempo para pensar. Tanto tempo guiando carro e, na hora de deixá-lo o processo foi rápido. Momentos apenas e vi que a máquina estava em frangalhos. Senti que as pernas haviam esmorecido. Depois é que vi que sofrera um esmagamento com que não contava.

Levantara-me de muito bom humor pela manhã e orara em silêncio, rogando a Jesus nos abençoasse. E Jesus no abençoou, dando-nos o melhor que poderíamos receber… Avançava pela rua, pensando no trabalho e com muita atenção no trânsito, mas tudo estava programado nas leis que nos orientam. Não julgue que houve culpa no outro motorista. Quem poderá avaliar o que sofria ele pela manhã?… que aflições ignoradas trazia? que provações experimentava?

Nem de leve pensei que ele pudesse ser responsabilizado. Num clarão súbito, de renovação, compreendi tudo… Revi, na imaginação, você, nossas crianças, meus pais queridos, como se retornasse à infância, nossos entes amados!… Especialmente, você estava na minha lembrança. Vi que me conduziam ao hospital para o fim do corpo. Nem tinha dúvida. Mas, só via você, aflita, cansada, com a pressão alta. Não sei se consegui falar, mas creio que pedi, na sala de operações, para que tivessem cuidado, a fim de que não fosse informada de repente, quanto ao desastre, explicando que a sua saúde não era resistente como eu queria… Ignoro se conversei, porque a hora grave não permitia pensar e comandar meus sentidos ao mesmo tempo. Lembro-me só que uma sensação de sono me absorveu e dormi… Quando acordei, estava em nossa casa, mas a bênção da fé me reconfortava! O conhecimento da verdade me suprimia a ilusão. Nossa confiança em Jesus estava funcionando… Ainda assim, a dor de sentir a sua dor era forte demais e cambaleei, como se um novo desmaio me tomasse a cabeça. Então, fui afastado para o tratamento preciso.

Venho hoje até aqui com o nosso querido amigo Araújo. Foi o primeiro amigo do mundo a trazer-me notícias de que todos os nossos papéis estavam organizados. Digo “primeiro”, porque me refiro aos que vi em nosso novo mundo, depois de meu regresso. Agradeci a ele, como agradeço a todos os companheiros do Banco tudo o que fizeram por nós. Nada fiz por merecer amigos tão dedicados. Nosso Walters contou-me tudo.

Você, querida Nair, conserva a nossa vida simples. Auxilie nossos filhinhos a serem como são — estudiosos e bons — para que o futuro nos favoreça. Diminua sempre os gastos, sem abraçar necessidades voluntárias. Equilíbrio sempre. Nem privação, nem supérfluo. Deus nos ajudará. Agradeço a nossa querida Cirene a companhia e o carinho que nos tem dado.

Muitos amigos estão aqui, ao nosso lado, nosso amigo Virgílio Paula, nosso Dr. Filipe, nosso amigo e seu pai Francisco, nosso irmão Bonifácio e tantos outros!

Mas, é preciso terminar esta carta beijando as suas mãos. Querida Nair, nunca desanime com a luta purificada na Terra. Tenhamos paciência para vencer com Jesus, vencendo em nós mesmos tudo o que seja capaz de nos afastar da verdadeira felicidade. Em toda prova, não olvide a prece. A oração é uma luz, sempre uma luz.

Rogo a Deus abençoar-nos, abençoando os nossos filhinhos. Ainda estou fraco e mesmo assim, com a força da saudade e com o apoio de nossos Amigos Espirituais, escrevi tanto!…

Juntos com a bênção de Deus, peço a você receber, como sempre, todo o coração do seu


Amaro

ANOTAÇÕES


1 — Amaro Francisco de Souza — Nasceu no Município de Campos (Carvão) a 14 de fevereiro de 1931. Aos dez anos transferiu-se para a cidade, ingressando no curso primário. Em 1953 fez concurso para o Banco do Brasil, onde trabalhou dezesseis anos e tornou-se estimado de todos. Era dedicado obreiro da Doutrina Espírita, trabalhando ativamente na Escola Jesus Cristo em diversos setores, incansavelmente. Excelente e devotado professor de Evangelho nas classes de crianças da Escola, companheiro sempre presente ao Culto da Assistência Auta de Souza, Amaro era o confrade prestimoso, sincero e consagrado às tarefas do Bem. Libertou-se da vida material no dia 11 de março de 1970.

2 — Nair — Nair Batista de Souza, sua esposa, também, quanto Amaro, devotada obreira da Escola Jesus Cristo, havendo trabalhado durante muitos anos na “Casa da Criança”, educandário-abrigo da instituição, antes de seu casamento.

3 — Ana, Luís Carlos, Carlos Roberto e Luciana — Filhos do casal:

4 — Precisão absoluta do texto da mensagem: Amaro, no centro cirúrgico da Santa Casa de Misericórdia de Campos, segundo testemunho dos médicos que o socorreram, mal podendo falar, solicitava, com dificuldade, que tivessem cuidado com a esposa… usando a expressão “pressão alta”. Exatíssimo.

5 — Araújo — Referência a Walter Araújo, colega de serviço de Amaro no Banco do Brasil, desencarnado algum tempo antes.

6 — Referência nº 5.

7 — Cirene — Professora Cirene Batista, sua cunhada. Dedicada obreira da Doutrina, havendo exercido diversas tarefas na Escola Jesus Cristo. Professora de Evangelho, qual Amaro, em classes de crianças e adolescentes. Fundadora e diretora da Escola de Evangelho Maria João de Deus, filial da Escola Jesus Cristo no bairro de Bezamat. Co-fundadora do Departamento Feminino Djanira Bastos de Souza, da Escola Jesus Cristo. Prestou serviços a outras associações espíritas da cidade, havendo desencarnado sete anos após Amaro, em 13 de fevereiro de 1978.

8 — Virgílio Paula — Inesquecível figura, realmente ímpar, da Doutrina Espírita em Campos. Possuidor de sólida cultura, foi um cristão exemplar — “cristão de corpo inteiro”. Durante muitos anos foi presidente da Escola Jesus-Cristo. Chico Xavier, quando de sua primeira visita à Escola, em 1940, denominou-o evangelicamente — “o Ancião da igreja”. Fundou em sua terra natal uma filial da Escola Jesus Cristo, a Escola Maria de Betânia (Santo Antônio do Imbé, município de S. Maria Madalena). Desencarnou no dia 7 de fevereiro de 1960.

9 — Dr. Filipe Uébe — Dedicado médico, de excepcional cultura profissional e inteiramente consagrado à pobreza de Campos. Desencarnou no dia 24 de dezembro de 1943 e a cidade inteira chorou sua morte. É um dos dedicados obreiros espirituais da Escola Jesus-Cristo; que o tem na conta de carinhoso Benfeitor.

10 — Francisco — Francisco Florentino Batista, sogro de Amaro, desencarnado em 18 de junho de 1937.

11 — Bonifácio — Bonifácio de Carvalho, devotadíssimo companheiro de Doutrina, inesquecível Diretor da Escola Jesus-Cristo e grande amigo de Chico Xavier. Desencarnou no dia 3 de abril de 1941.


Clovis Tavares


Amaro
Francisco Cândido Xavier


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