Volta Bocage
Versão para cópiaSonetos 9a e 9b
(Psicografado em 3/12/1946)
Que o menestrel ditoso não consiga Exaltar o esplendor que a morte vela; Cale meu ser as maravilhas dela, Rude madrasta! Mãe piedosa e amiga! Sua destra de sol horrenda e bela, A emergir do albornoz de treva antiga, Traz a foice que indômita castiga, Fere, humilha, golpeia e desmantela. De Têmis implacável, que não dorme, Anjo e monstro, prossegue, sem repouso, Duro alfanje a brandir no campo enorme. Ao seu olhar sublime e doloroso, A frente de seu gládio multiforme, Reconforta-se a dor, padece o gozo. |
Continua considerando o tema da morte, cujas maravilhas confessa o poeta ser incapaz de decantar. O genial vate aproveita o tema para mais um dos seus contrastes, como: “rude madrasta, mãe piedosa e amiga”, “destra de sol horrenda e bela”, “olhar sublime e doloroso”. A todos a Parca vigilante olha com inflexível justiça, que eleva a dor e pune o gozo material: premia o bem, castiga o mal.
Note-se a semelhança entre os dois últimos versos do segundo quarteto com os seguintes, também os dois últimos, da 51ª estrofe do Canto III, de “Os Lusíadas”:
“Mas o de Luso, arnês, couraça e malha Rompe, corta, desfaz, abola e talha.” |
E, outrossim: compondo soneto, ainda aqui na Terra, no qual se refere às olorosas palmas do Bem e aos cardos aculeíferos do Mal, o mesmo gigante poeta nos dá viva demonstração da sua crença num Ente Supremo. Eis esse soneto:
“Os milhões de áureos lustres coruscantes Que estão da azul abóbada pendendo: O Sol, e a que ilumina o trono horrendo Dessa que amima os ávidos amantes: As vastíssimas ondas arrogantes, Serras de espuma contra os céus erguendo, A leda fonte humilde o chão lambendo, Lourejando as searas flutuantes: O vil mosquito, a próvida formiga, A rama chocalheira, o tronco mudo, Tudo, que há Deus a confessar me obriga. E para crer num braço, autor de tudo, Que recompensa os bons, que os maus castiga, Não só da fé, mas da razão me ajudo.” |
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