Voltei
Versão para cópiaRetorno à tarefa
O trabalho é das maiores bênçãos de Deus no campo das horas. Em suas dádivas de realização para o bem, o triste se reconforta, o ignorante aprende, o doente se refaz, o criminoso se regenera.
Agora que alguns raios de luz se faziam sentir dentro de mim, buscava penetrar a grandeza do ato de orar e meditar.
Pouco a pouco, perdi o interesse pelas indagações de toda sorte e, quando em palestra com os amigos do meu novo círculo, sabia guardar as conveniências da palavra oportuna.
Entendi que receber distinções é acrescentar a responsabilidade individual e, por isso, aprendi a louvar o Supremo Poder sem solicitações particulares em meu benefício.
Compreendi que praticar o bem, dando alguma coisa de nós mesmos, nas aquisições de alegria e felicidade para os outros, é o dom sublime por excelência e, em razão disso, preparava-me para ser mais espontâneo e desinteressado no concurso fraterno, mais eficiente e pronto na ação de servir.
Longas conversações sem vantagens fundamentais para a vida do Espírito perderam o sabor com que se me apresentavam a princípio, quando interpelava Marta e o Irmão Andrade a propósito de mil assuntos diferentes.
Suportava, sereno, as compridas palestras com entidades sofredoras, necessitadas de desabafo, valendo-me de tais ocasiões para a ministração de ensinamentos redentores aos quais se mostrassem inclinadas, mas sentia-me incapaz de tomar tempo aos companheiros de serviço com interrogações ociosas ou prematuras.
Asseverou-me Bezerra, certo dia, que o entendimento da alma é qual lente minúscula no seio da Infinita Obra Universal e que o problema primário da consciência interessada na aquisição de Amor e Sabedoria não é o de perscrutar, com infantilidade ou desespero, os patrimônios da Vida e, sim, o de enriquecer a lente da própria compreensão, aprimorando-a e dilatando-lhe o poder, a fim de que possa refranger e disseminar a Eterna Grandeza do Senhor, aproveitando-a para si e para os outros.
Aceitei, feliz, portanto, o imperativo de recolhimento espiritual e quanto mais buscava entender a pequenez de minhalma e as minhas gigantescas necessidades de auto-renovação, mais reconforto e paz recolhia da prece que para meu pensamento constituía agora vigoroso manancial de recursos, de cujas forças irradiantes recebia dobradas possibilidades de atacar os novos serviços.
Sentindo-me incapaz de reiniciar a tarefa, procurei Bezerra para aconselhar-me.
O grande orientador recebeu-me com a bondade habitual e explicou, gentil:
— Jacob, se os nossos irmãos ignorantes, depois da morte do corpo, na maioria das vezes prosseguem algemados às ações ruinosas a que se dedicaram, continuamos, por nossa vez, nos serviços de espiritualização a que nos devotamos. Sentimo-nos abrasados na sede de conquistar gloriosos cumes, pretendemos adquirir mais luz, mais alegria e vida abundante, de modo a enriquecer a estrada que trilhamos; entretanto, o milagre de nossas antigas concepções terrestres não existe. O Céu é suficientemente iluminado e jubiloso para cogitar de arrebatar-nos; a nós mesmos compete despir os véus de sombra e eliminar os espinhos do sofrimento que decorrem do nosso desacordo com a Lei e conquistá-lo, começando semelhante serviço em nossa própria alma. O seu trabalho, pois, é de prosseguimento. Organize um entendimento com os amigos de sua boa luta e retorne aos processos de auxílio. Cada setor de atividade cristã, junto de irmãos obsidiados, doentes, desorientados, ignorantes, criminosos ou infelizes, encarnados ou desencarnados, representa um ângulo da construção de seu próprio paraíso. O Espírito vale pelas expressões divinas que pode traduzir no próprio caminho, porque o Criador atende a criatura, através da criatura. Regresse, contente, aos seus casos de socorro. Representam eles a sua melhor oportunidade de servir ao Senhor. Ajudando, libertando e iluminando os outros, você auxiliará, melhorará e engrandecerá a si mesmo.
Porque lhe endereçasse algumas palavras com referência ao recomeço, sugeriu me concentrasse atencioso para recordar todos os serviços dos últimos dez anos, de modo a estabelecer um programa criterioso e metódico.
Findo o nosso entendimento, isolei-me para a rememoração necessária. Com que imensa clareza lembrava os incidentes!
Tive a ideia de que maravilhoso disco de imagens era acionado dentro da minha imaginação, projetando, devagar, sobre a minha retentiva, todos os quadros vividos no último decênio.
Anotei quanto me era preciso para a volta ao ministério que encetara, ao abraçar os princípios evangélicos na Esfera carnal.
Logo após, com a colaboração do Irmão Andrade, providenciei um encontro com todos os cooperadores, junto dos quais meus humildes esforços doravante se desdobrariam.
A reunião com os amigos foi confortadora e interessante. Três quartas partes das entidades presentes ligavam-se a mim, através dos trabalhos de doutrinação que efetuara nos Círculos terrestres. Remanescentes renovados de antigas agremiações de Espíritos obsessores, ainda incapazes de sintonia com os Planos mais elevados, buscavam em mim proteção e arrimo, receando a influência de malfeitores cruéis que os tiranizavam.
Guardava comigo a responsabilidade de lhes haver descortinado os horizontes da vida superior, mas eles continuavam necessitando o concurso de alguém que os ajudasse na movimentação dos recursos não muito complexos de que eram detentores, tanto quanto minha situação reclamava companheiros para as obrigações que me cabia desempenhar. Permanecíamos todos na posição dos discípulos de boa vontade que, não obstante o devotamento às lições, não conseguem agir sozinhos.
A palavra dos colaboradores expunha-lhes as esperanças no futuro, compelindo-me a refletir nos graves deveres que assumia. Aguardavam a alegria de laborar no próprio aperfeiçoamento. Disputavam forças para a melhora de si mesmos. Traçavam planos de serviço, com entusiasmo confiante. Dirigiam-se a mim, qual se lhes fora um chefe seguro.
As noções de responsabilidade penetravam-me o âmago.
Não registrava as confidências dos amigos, com o otimismo fácil de outro tempo. Recebia-lhes as observações e pareceres, ponderando as dificuldades que sobreviriam. Achava-me realmente confortado, ante a possibilidade de absorver-me na ação edificante; todavia, pesadas reflexões dominavam-me por dentro.
Examinamos e discutimos variados casos de obsessões, perseguições e enfermidades, em cuja zona sombria deveríamos penetrar. Recordamos o imperativo de incentivar a cooperação de diversos companheiros, ameaçados pela treva do desânimo e da discórdia, a fim de não imobilizarem a mente e os braços entre os sofredores do mundo.
O amigo Andrade, presente à reunião, asseverou sensatamente que é tão difícil modificar as disposições de um Espírito perseguidor e vingativo, quanto reerguer um irmão entregue ao desalento.
Nesses minutos de sadia fraternidade, recebi notícias diretas de todos os processos de socorro, nos quais tivera a alegria de funcionar nos últimos anos e, resumindo longas demonstrações verbais, concluímos que era imprescindível atacar o trabalho, semeando o bem. A morte não interrompe o bom combate da luz contra as sombras; intensifica-o, aliás, dilatando o conhecimento divino em derredor do servo operoso e fiel. Constituiríamos, pois, um conjunto de servidores do Evangelho da Redenção, interessados em estendê-lo, dentro do mais amplo dinamismo espiritual.
Estaríamos sediados, ali mesmo, no pequeno burgo onde Marta me aguardara, cheia de carinho e dedicação.
Com os recursos intercessores de Bezerra, todos os nossos problemas de localização e movimento de serviço foram solucionados satisfatoriamente.
Foi assim que designamos nova data para as bases definitivas da fase diferente de trabalho.
No dia marcado para essa assembleia de fraternidade, as árvores acolhedoras que nos cercavam a moradia mostravam-se também mais formosas e mais serenas, oferecendo flores abertas que pareciam proclamar-nos a esperança nos frutos do porvir. Pássaros alegres cantavam nos ramos, augurando-nos sublime alegria…
Desde as horas da manhã, grupos de amigos começaram a chegar. Os minutos deslizaram encantadores e, de mim não saberia expressar o júbilo que me dominava as fibras mais íntimas. À noitinha, Bezerra, Sayão, Guillon, Cirne 1nácio Bittencourt, Rosenburg, Frederico Júnior, Ulisses, Tosta, Casimiro Cunha, Batuíra, Romualdo de Seixas, Petitinga, Emmanuel, André Luiz e muitos outros trabalhadores do Cristianismo redivivo no Brasil, permaneciam conosco, encorajando-nos os corações.
Iniciados os trabalhos de comunhão fraternal, diversos orientadores presentes exortaram-nos ao ministério da ação evangélica; e Bezerra de Menezes, conduzindo a parte final, comentou a grandeza da vida que se desdobra, infinita, em todos os ângulos do Universo e a divindade do trabalho edificante que nomeou por escada iluminativa cujos degraus nos conduzem até à Fonte Augusta da Criação. Explanou sabiamente, com referência aos serviços que nos competiriam de ora em diante e reportou-se aos tesouros da boa vontade, arrancando-nos lágrimas de esperança e contentamento. Por fim, num gesto que provocou alegria geral, convidou André Luiz a fazer a prece de encerramento, aludindo aos seus trabalhos informativos da nossa esfera de ação: O estimado médico da espiritualidade ergueu-se e orou comovidamente:
[Prece de André Luiz]
“Senhor Jesus, Dá-nos o poder de operar a própria conversão, Para que o teu Reino de Amor seja irradiado Do centro de nós mesmos!… Contigo em nós, Converteremos A treva em claridade, A dor em alegria, O ódio em amor, A descrença em fé viva, A dúvida em certeza, A maldade em bondade, A ignorância em compreensão e sabedoria, A dureza em ternura, A fraqueza em força, O egoísmo em cântico fraterno, O orgulho em humildade, O torvo mal em infinito bem! Sabemos, Senhor, Que de nós mesmos Somente possuímos a inferioridade De que nos devemos desvencilhar… Mas, unidos a Ti, Somos galhos frutíferos Na árvore dos séculos Que as tempestades da experiência jamais deceparão!… Assim, pois, Mestre Amoroso, Digna-te amparar-nos A fim de que nos elevemos Ao encontro de tuas mãos sábias e compassivas, Que nos erguerão da inutilidade Para o serviço da Cooperação Divina, Agora e para sempre. Assim seja!…” |
A oração terminou num deslumbramento de luminosidade e alegria a estender-se além de nós…
Que poderia dizer, em sinal de reconhecimento? De meu júbilo falavam as lágrimas copiosas a me borbulharem dos olhos.
Fizeram-se as despedidas e, em breve, enquanto os companheiros de minha nova luta repousavam no domicílio que nos abrigaria o pensamento orientador, vi-me sozinho, sob o arvoredo banhado de luar. Nos céus brilhavam aquelas mesmas estrelas que, de quando em quando, me habituara a contemplar da Crosta da Terra e, meditando, de alma feliz, sobre o dia seguinte, em que retomaria o mesmo abençoado trabalho que encetara entre os homens, roguei, em silêncio, a bênção do Eterno, para que me não faltassem a luz e a paz, o equilíbrio e a coragem na tarefa bendita do recomeço.
Acima, está sendo listado apenas o item do capítulo 20.
Para visualizar o capítulo 20 completo, clique no botão abaixo:
Ver 20 Capítulo Completo
Este texto está incorreto?