Vozes da Outra Margem

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Capítulo XV

Fácil desencarnação, difícil libertação

Selma Robles, jovem acadêmica, terceiranista da Faculdade de Odontologia, da Universidade São Francisco, de Bragança Paulista, preparava-se para regressar a São Paulo, SP, onde residia, aproximadamente às 12 horas do dia 16 de agosto de 1980, quando começou a sentir-se mal. Pensou-se que seria um mal-estar passageiro, mas o seu estado de saúde foi piorando progressivamente, e duas horas após o início dos sintomas ela já desencarnava, apesar de ter sido conduzida às pressas ao Pronto Socorro do Hospital da própria Universidade onde estudava.

Diante de um quadro clínico tão agudo e fatal os médicos nada puderam fazer; nem mesmo conseguiram chegar a um diagnóstico preciso.

Evidentemente, um passamento tão repentino traumatizou a todos, especialmente tratando-se de uma moça “meiga, calma e sempre alegre, tão querida pelos familiares e colegas” — no dizer de sua genitora.

Aos 29 de setembro de 1984, seus pais compareceram à reunião pública do GEP, em Uberaba, onde tiveram a felicidade de reencontrarem-se com a filha inesquecível pela psicografia de Chico Xavier.

Em longa carta, ela veio reafirmar o seu grande amor aos pais queridos e, ao mesmo tempo, solicitar-lhes mais entendimento e aceitação das “Leis de Deus que determinaram o seu regresso à Vida Espiritual”, pois sua desencarnação fora rápida e fácil, embora ela lutasse ainda em busca de uma maior e necessária libertação espiritual.

Eis as palavras carinhosas de Selma:



Querida mãezinha Nelly e querido papai Florial.

A vovó Amália convidou-me a vir até aqui para notícias. Desconheço o processo de escrever velozmente; no entanto, a vovó Amália me auxilia a grafar as palavras com rapidez e quero dizer-lhes, pais queridos, que tudo se alterou em minha nova vida.

Contar-lhes o que foi a minha surpresa, ante o desligamento do corpo que me prendia, será um capítulo demorado na minha história, e, por isso, querida mãezinha, estou na certeza de que isso não interessa.

Quando me vi longe do corpo, intuitivamente tudo compreendi.

Minha avó Amália, que se me deu a conhecer, falou por mim o que eu desejaria perguntar… O aneurisma fora um problema insopitável. Deu-me todos os detalhes do tratamento e se referia à bondade dos médicos que me amparavam sem possibilidade de me socorrer.

Desfeita a estrutura do processo enfermiço que me tomava a vida mental, o tumor adquiriu o destaque que não me deixava lugar a qualquer engano. Compreendo que a ruptura do tumor, que eu trazia sem perceber, represara de sangue todas as áreas de meu cérebro e as explicações da vovó Amália se fizeram para mim somente a confirmação do que eu percebera, mas tudo em torno de mim era diferente.

As saudades de casa invadiram minha alma toda e não consegui resistir às lágrimas que me vinham do coração.

A desencarnação, em meu caso, fora tão fácil, mas a libertação se consumou com muita dificuldade. Não posso negar aos pais queridos que lhes chorei a falta nas saudades do papai e da Liede, durante muitos dias…

O círculo das orações que me rodeava, no entanto, fortaleceu-me de novo para que pudesse pensar e ser-lhes útil.

Mãezinha querida, posso informar-lhe que estou bem; entretanto, o desajustamento a que me refiro tem me custado grande esforço.

Nesse ponto de meu comunicado, peço a meu pai e a você aceitarem as leis de Deus que me determinaram o regresso à Vida Espiritual.

As lágrimas de meu pai Florial me atingem o coração, quase que por gotas de fogo, porquanto sei a extensão do afeto com que sempre me esperou o crescimento para a vida, se possível para o trabalho junto dele mesmo.

Mãe, não me lastime, porque de nada me queixo, e se não estou integralmente feliz, isso é problema das saudades que ainda carrego.

Não me falta, porém, o apoio da esperança, e a vovó Amália, junto à vovó Maria, tudo fazem para ver-me tranquila. Os meus ideais para o futuro na Terra… mas o que recebo aqui excede aquilo que eu poderia acreditar, fosse um dia, o êxito desejado, que decerto ficaria muito aquém das alegrias que atualmente desfruto.

Creio que o regime de carência a que sou submetida vem providencialmente da Vida Mais Alta, a fim de que não me envaideça das alegrias que me cercam.

Minhas avós são duas companheiras admiráveis, contudo, no íntimo de minha alma, estão você e o papai Florial, suscitando-me a lembrança das tarefas que ficaram e, por isso, venho especialmente pedir-lhes preces em meu favor para que eu me esqueça da fixação em que me vejo para o retorno à vida natural.

Tudo estará melhorando, diz a vovó Amália, e creio nela e na generosidade com que me trata.

Em razão de tanto amparo, só me restam motivos para agradecer e, porque não sei faze-lo como devo, estarei contando com a sua cooperação a meu benefício.

Da doença que se ocultou tão bem no meu cérebro nada mais me incomoda e, por isso, peço ao papai e ao seu carinho de mãe a paz de que necessito, porquanto se me entregarem a Deus, como preciso, estou certa de que os meus laços com a vida familiar não me doerão tanto no campo da própria alma.

Querida mãezinha, isso é pessoalmente o que eu tinha a dizer-lhes e estou na certeza de que serei lembrada sem a mágoa profunda da ausência, que ainda me ensombra a alma, por vezes.

Não vejam contradições no comunicado que estou a enviar-lhes porque a saudade é uma espécie de doença com as feridas mentais periódicas que não me permitem buscar a frente.

Espero que, em futuro próximo, estarei mais intimamente unida em espírito à nossa vida de lar e para isso devo rogar-lhes cooperação.

Muito carinho para Liede, rogando-lhe receber com meu pai as muitas saudades e agradecimentos da filha que ainda está presa ao amor que nos reúne e que devo transformar em saúde e vida para todos os meus.

Querida mãezinha guarde consigo o carinho e amor, sempre amor, de sua filha que não os esquece


Selma Robles

NOTAS E IDENTIFICAÇÕES


1 — Nelly e Florial — Seus pais, Nelly Capopezza Robles e Florial Robles Serrano, residentes à Rua Ararigboia, 176, Mooca, São Paulo, Capital.

2 — vovó Amália — Amália Guerra, desencarnada em 26/4/1916, bisavó materna.

3 — Liede — Irmã.

4 — círculo das orações — O valor da prece é sempre lembrado nas cartas mediúnicas.

5 — peço aceitarem as leis de Deus que me determinaram o regresso à Vida Espiritual. (…) as lágrimas de meu pai Florial me atingem o coração, quase que por gotas de fogo — As mensagens do Mais Além frequentemente confirmam as palavras de Sanson gravadas em sua bela e instrutiva página: “Perda de pessoas amadas. Mortes prematuras”, de . (Allan Kardec, cap. 5, item 21.)

6 — vovó Maria — Maria Serrano Robles, avó paterna, desencarnada em 1944.


Hércio Arantes


Selma Robles
Francisco Cândido Xavier


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