Vozes do Grande Além

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Capítulo XXII

Noite de finados


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Terminávamos nossas lides espirituais da noite de 3 de novembro de 1955, quando notável surpresa nos felicitou os corações.

Pela primeira vez em nossa casa, o Espírito Augusto dos Anjos, o inesquecível poeta paraibano, se utilizou das faculdades psicofônicas do médium, transmitindo-nos o poema aqui transcrito, por ele pronunciado com inflexão de profunda emotividade e grande beleza.


Finados. Noite. Em lúgubres acentos,

Passa ululando horrenda ventania,

Cantochão estendendo a névoa fria

Na cidade dos vermes famulentos.


Avançam larvas com medonha fúria,

Insensíveis ao fausto das legendas,

Congestionando o chão aberto em fendas,

No pungente festim da carne espúria.


Dormem anjos de pedra sobre as lousas…

Dos mausoléus ao solo miserando,

Choram rosas e goivos, irmanando

A poeira da carne e o pó das cousas.


De aprimorados nichos e capelas

Que definem o brio dos coveiros,

Envolvendo ciprestes e salgueiros,

Sai o cheiro de morte que há nas velas.


O doloroso pio das corujas,

Como sinal soturno em fim de festa,

Da glória humana é tudo quanto resta

Nos mármores que guardam cinzas sujas.


Ao nosso olhar, no quadro em desconforto,

Estranhos círios luzem comovidos:

São as preces vazadas nos gemidos

De quem sofre no mundo amargo e morto.


São as flores do pranto agro e sem nome

Que a saudade verteu, desfalecida,

Atrelada à esperança de outra vida

Para a vida de angústia que a consome.


Aqui, apelos desconsoladores

Lembram noivas e mães infortunadas…

Mais além, petições desesperadas

Trazem consigo o fel das grandes dores.


Desce, porém, do Espaço almo e profundo

A luminosa e bela romaria

Dos mortos que renascem na alegria

Em socorro dos mortos deste mundo.


Chamas divinas da Divina Chama,

Entrelaçam-se em torno à Terra obscura,

Despertando os que jazem na amargura

Dos sepulcros carnais de treva e lama.


Trazem cantando o lábaro fremente

Do amor universal que tudo aquece,

Clamando para a dor da humana espécie:

— Somos filhos de Deus eternamente.


Finados!… Grita a morte estranha e crua

Na química fatal do transformismo.

Mas, transposto o cairel do grande abismo,

Eis que a Vida Infinita continua…




AUGUSTO DOS ANJOS — Grande poeta brasileiro. Nasceu no Estado da Paraíba e desencarnou no Estado de Minas Gerais.



Augusto dos Anjos
Francisco Cândido Xavier


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