Vozes do Grande Além
Versão para cópiaPalavras de alerta
Atingíramos a fase terminal da nossa reunião de 12 de julho de 1956, quando, trazido por nossos Benfeitores, compareceu em nosso recinto o Espírito J. C. que foi festejado e discutido médium de materializações nos arraiais espíritas do Brasil. Usando o canal psicofônico J. C. recentemente desencarnado, evidenciava grande tortura íntima, ofertando-nos grave advertência, que, sinceramente, nos impele a demorada meditação.
Sou um médium desencarnado, pedindo ajuda para os médiuns que ainda se encontram no corpo físico… um companheiro que baixou, ferido, à retaguarda, rogando socorro para aqueles soldados que ainda perseveram na frente.
Isso, porque a frente vive superlotada de inimigos ferozes… inimigos que são a vaidade e o orgulho, a ignorância e a fragilidade moral, a inconformação e o egoísmo, a rebeldia e a ambição desregrada, a se ocultarem na cidadela de nossa alma, e que, muitas vezes, são reforçados em seu poder de assalto por nossos próprios amigos, porquanto, a pretexto de afetividade e devoção carinhosa, muitos deles nos comprometem o trabalho e, quase sempre, levianos e infantis, nos conduzem à ruína da sagrada esperança com que renascemos na experiência terrestre.
Sou o companheiro J. C., que muitos de vós conhecestes.
A jornada foi curta, mas acidentada e difícil. E, trazendo comigo os sinais da imensa luta, a se exprimirem por remorsos e lágrimas, apelo para vós outros, a fim de que haja em nós todos, médiuns, doutrinadores, tarefeiros e beneficiários da Causa Espírita, uma noção mais avançada de nossas responsabilidades, diante do Cristo, nosso Mestre e Senhor.
Comecei retamente a empreitada, mas era demasiadamente moço e sem qualquer instrução que me acordasse a visão íntima para as consequências que me adviriam do cumprimento feliz ou infeliz das minhas obrigações.
Meus recursos medianímicos eram realmente os da materialização e, com eles, denodados benfeitores das Esferas mais elevadas tutelavam-me a existência; entretanto, fugi ao estudo, injustificavelmente entediado das lições alusivas aos meus deveres e minha culpa foi agravada por todos aqueles amigos que, na sede inveterada de fenômenos, me alentavam a ignorância, como se eu não tivesse o compromisso de acender uma luz no coração para que a romagem fosse menos árdua e o caminho menos espinhoso.
Com semelhante leviandade, surgiram as exigências — exigências altamente remuneradas, não pelo dinheiro fácil, mas pela notoriedade social, pelas relações prestigiosas e por todas as situações que nos estimulam a vaidade — quais se fôssemos donos das riquezas que nos bafejam o espírito, ainda imperfeito, em nome de Nosso Pai.
Em vista disso, mais cedo que eu poderia esperar, multidões da sombra, interessadas no descrédito de nossas atividades, cercaram-me o roteiro. E, por mais me alertassem os 1nstrutores que jamais nos abandonam, as grossas filas de quantos me acenavam com a falsa estimação de meu concurso apagavam-me os gritos da consciência, transferindo-me, assim, à condição de joguete dos encarnados e dos desencarnados, menos apto ao convívio das revelações de nossa Doutrina Consoladora, com o que lhes aceitava, sem relutância, as sugestões magnéticas, agindo ao sabor de caprichos inferiores e delinquentes.
Cabe-me afirmar, com todo o amargor da realidade, que, distraído de mim mesmo, apático e semi-inconsciente, prejudiquei o elevado programa de nossos orientadores; contudo, os atenuantes de minha falta revelaram-se aqui, em meu favor, e a Providência Divina amparou o servo que caiu, desastrado, e que somente não desceu mais intensamente ao bojo das sombras, porque, com a bênção de Jesus, me despedi do mundo em extrema pobreza material, deixando a família em proveitosas dificuldades.
Comecei bem, repito, mas a inexperiência incensada fez-me olvidar o estudo edificante, o trabalho espontâneo de socorro aos doentes, a proteção fraterna aos necessitados e desvalidos e, segregado numa elite de criaturas que me desconheciam a gravidade da tarefa, entreguei-me, sem qualquer defensiva, ao domínio das forças que me precipitaram no nevoeiro.
Com o auxílio do Senhor, porém, antes que a delinquência mais responsável me estigmatizasse o espírito, a mão piedosa da morte física me separou do corpo que eu não soube aproveitar.
É por isso que, em vos visitando, qual soldado em tratamento, rogo para que os médiuns encontrem junto de vossos corações não apenas o testemunho das realidades espirituais, tantas vezes doloroso de dar-se e difícil de ser obtido, pelas deficiências e fraquezas de que somos portadores, mas também a partilha do estudo nobre, da fraternidade viva, do trabalho respeitável e da reta consciência…
Que eles sejam recebidos tais quais são… Nem anjos, nem demônios. Nem cobaias, nem criaturas milagreiras.
Guardemo-los por irmãos nossos, carregando consigo as marcas da Humanidade, solicitando redenção e sacrifício, abnegação e sofrimento.
A árvore para produzir com eficiência deve receber adubo no trato de solo em que o Senhor a fez nascer. O rio para espalhar os benefícios de que é mensageiro, em nome da Natureza Divina, pode ser retificado e auxiliado em seu curso, mas não pode afastar-se do leito básico.
Oxalá possam os médiuns aprender que mais vale ser instrumento das consolações do espírito, na intimidade de um lar, ao aconchego de uma só família, que erigir-se em cartaz da imprensa, submetido a experimentações que, em muitas circunstâncias, acabam em frustração e bancarrota moral.
Saibam todos que mais vale socorrer a chaga de um doente, relegado ao desprezo público, que produzir fenômenos de espetaculares efeitos, cuja fulguração, quase sempre, cega aqueles que os recebem sem o preparo devido.
Ah! meus amigos, o Espiritismo é o tesouro de luz de que somos, todos nós, quando entre os homens, carregadores responsáveis, para que a Humanidade se redima!…
Lembremo-nos de semelhante verdade, para que todos nós, na doutrinação e na mediunidade, na beneficência e no estudo, estejamos de atalaia contra os desastres do espírito, mantendo-nos no serviço constante da humildade e do amor, de modo a vencermos, enfim, a escabrosa viagem para os montes da Luz.
J. C. — Médium de efeitos físicos, desencarnado no Rio de Janeiro, cuja identidade é naturalmente suprimida.
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